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sábado, setembro 29, 2018

PENSANDO EM CACHIMBADAS ELECTRÔNICAS

 Mangodinho, nessa vida , já viajou que baste. À pé, de troli, de bicicleta, de moto, de tractor (na carroceria e na máquina agrária) de canoa e de barco também, de comboio e, finalmente, de avião. O pássaro de ferro que gira o mundo e faz das distâncias uma criança. A primeira vez em que corpo dele saiu de um sítio para outro, sem ver o capim ou a água a correr para trás, foi aos 18 anos quando foi rusgado, manhã cedo, no Kuteka, para a vida kwemba. No avião, espanto era espanto e, se as moscas não sentissem medo dos miúdos em desgraça, mas determinados em ir cumprir uma missão patriótica, se teriam alojado mesmo em sua cavidade bocal. É verdade. Avião é outra coisa. Pior ainda para quem só o via passar a milhares de milhas.
- A pessoa fica quilómetros acima do chão e o "bicho" sempre a batalhar contra os ventos, contra a força de gravidade que quer derruba-lo para baixo, a escorregar parece bagre que pessoa quer pegar para logo mais fazer enfeite no prato do jantar e ele, o bicho do avião,  a dizer "quero voltar na água lamacenta que é meu habitat". Não! Avião é coisa. É invento grande! - Cogitou.
Mangodinho, dessa vez, de novo no pássaro de metal. Espanto já não lhe vem à cabeça. Somente a imaginação de quanto tempo os "caravelistas da metroia" faziam para vir colocar feitorias comerciais e colónias na distância (hoje) de dez horas num assento flutuante. Quase verbalizou mas se conteve e pensou.
- Esses gajos vão pensar é primeira vez. Não. Nando Pessoa já é meu colega na arte de escrevinhar e Bismark também na arte de politicar. Ainda estou a ir "lhe" visitar no país que o Hitler, anexou à Alemanha do sô Marque.
 

Puxou da sacola que já repousava na bagageira um livro, o seu predileto "Arte da Guerra". Pensou em cachimbar como sempre faz às horas esquivas, no seu kapredito, mas ouviu a "aérodona" a dizer "não se fuma, nem mesmo que seja um cigarro electrónico".
- Porra! Esses gajos também, pá! Então a música electrónica já substituiu a acústica. Agora, um gajo também se quiser fumar é já na electrónica? Assim, sai mesmo fumo de phango ou makanya tratado junto da fogueira branda? Inventem outro avião que pode me levar ao Kuteka, mesmo sem aeroporto. Poupem ainda inteligência e dinheiro. Lá, onde me queria autarcar também estão a precisar de viajar sem sentir a rabujice dos buracos na coluna gasta dos idosos. Fumar na electrónica, ando a ouvir e ver nas noites da Ngimbi, mas eu, Mangodinho de Kuteka, é mesmo pelo cachimbo que não vou exibir apenas por respeito à norma e à tradição.
Mais velho não fuma cigarro de adulto no meio de noviços!

Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 5/7/2018



sábado, setembro 22, 2018

PELAS ESTRADAS DA TERRA

Bem o título podia ser "pelos estradas rebatidos da vida" ou "neve de poeira". Cada viagem é única, singular, prenhe de descobertas. Luanda ao Dondo já deu azar e prazer. Curto prazer nos poucos dias em que se aproximava à via expressa com separador no eixo central. Sol de pouca dura. Voltaram ao "ais" do antigamente. Gritos de homens torturados pelos equilíbrios e desequilíbrios da máquina resmungante e "ais" do carro que se bofoca e tritura. Até a terra, triturada pela passagem sem fim de viaturas, também solta seus gritos em busca de socorro. E me vem à memória o motorista filipado das FAPLA que ignorava o buraco na precaução de evitar um explosivo. Felizmente, já não se cantam nem contam minas. Foram apagadas do vocabulário politico-mediático. Apenas as estradas sugadoras de dinheiro nosso e vidas nossas.
Outro troço digno de anotação é o que nos leva de Kalulu à Kibala, paralela à EN240. Maior inteligência teve quem o traçou e quem decidiu, nos tempos de vacas hordas, alcatroá-lo, conferindo-lhe dignidade de via secundária de grande utilidade. Facilitaria a vida de que se fizesse do Sul ao Norte, sem ter de passar pelo Dondo. Kibala-Kalulu-Kabuta-Ponte Filomena-Ndalatandu-Etc. Uma boa agropecuária demanda estradas, uma circulação segura e rápida também. As estruturas metálicas para as pontes ganham ferrugem. As bases prontas para receber alcatrão ganham buracos. O tráfego que já foi fácil é sacrilégio. E, como poucos decisores por lá passam, nem o recado da estrada aos gabinetes chega.
Foi adentrando tal "atalho" entrecortado, "kabucado asfalto, resto poeira, se revezando", que matei a curiosidade de há já quarenta anos, quase. Sempre me fiz à pé ou em meio rolante do Limbe (aldeia hoje inexistente) ao Lussusso (12 km) e do Limbe ao Desvio para Munenga - Kalulu (26km). O que há em comum são os 42 km que separam o desvio da Munenga e o do Lussusso para Kalulu.
- Mas os brancos, quando construíram a vila, medida as distâncias e meteram no meio a aldeia que cresceu para Vila ou foi mera coincidência?
A pergunta dos tempos de undenge persiste na cabeça de outros tundenge de hoje. A idade e a possibilidade apenas permitiram-me conhecer a estrada na qual (Lussusso-Kalulu) nunca havia circulado. E deu para aferir quanta serventia tem e virá a ter quando ela for valorizada e concluída. Há dinheiro apodrecendo à beira dos rios!


Publicado pelo Jornal Nova Gazeta, Agosto 2018
 

quarta-feira, setembro 19, 2018

SODRASTA QUEM É?

Sodrasta é um termo (inventado por mim) para designar a mulher madrasta de marido. O masculino é sodrasto, à semelhança dos termos madrasta e padrasto.

Sodrasta/sodrasto vêm assim substituir as expressões sogra-madrasta/sogro-padrasto, aglutinando o conceito em uma só palavra.

sábado, setembro 15, 2018

NO VATICANO O AMOR GRITOU ALTO

Os sinos, primeiro, anunciaram bem alto, ritmados, convidativos... Mpã, Mpã, mparãm, mpãm, Mpã, Mpã, Mpã, pã-pã-pã-pã!
Na porta de entrada, um jovem garbosamente vestido e com gestos polidos, a lembrar-me um gentleman francês, indicava à rapariga, garbosamente avermelhada no seu vestido longo e justo, os parentes e as correspondentes mesas.
- Esse é o meu tio Luciano e vem com a esposa. Leva-os à mesa dos tios.
Antes de a jovem que fazia o protocolo para os "Ver'importante parents" fazer a vênia, confirmei a saudação ao Leo com um aperto de mão e batimentos leves mas rápidos no lado do seu coração.
- Boa noite Leo. Irlanda, o Leonel é meu primo, filho do finado Gasolina, portanto, irmão do noivo. - Apresentei.
- É, por que te chamam por tio se são teus primos?
- Eu era amigo do meu tio e, se calhar, tenho autoridade de tio.
O moço que conferia os convites fez o registo e a "moça que fazia protocolo" esticou-se toda numa vênia nunca vista. Acompanhamos e dividimos a mesa com os parentes da noiva, vindos aparentemente do Huambo, a confiar nos discursos e nas localidades que descreviam.
Dudu, o primo Dumilde, barba a Pedalé, kambutice e corpice também. Até nas mawanas, o filho da tia "Enfica" ou Linda João, se parece ao finado Ministro da Defesa Pedro Pedalé. Nas nossas festas de família, é o "gajo" que cuida de impor respeito. Aliás, você vê o moço e o respeito te vem já à cabeça, tipo aquela reverência que os Kwemba (tropas) e os fugitivos da vida militar faziam ao camarada pedalé. O gajo é um kambuta que impõe respeito!

Noutro lado estavam as "miúdas". A Fina e o barão, a Miulk e a kota dela Dilma, a minha prima "brasileira". O Dino também. Discreto, o gajo, a dar uma de kasule da Linda, mas a criar já barba de mais velho que o não deixa discreto entre os imberbes de sua idade.
Epá, família toda. Alegria toda. Todos aqui reunidos pelo Vá e noiva. O Santo João, da lavra do  comandante Infeliz, apareceu também no seu fato axadrezado. Kambuta bangão, de mawanas também. Meu primo era único. E a autora principal da festa, a mãe do Vá...
- Ó Carlota Toala, estás deslumbrante minha tia. Obrigado. Muito obrigado pelos primos que tenho.
Ela, toda encabulada, minha ti'amiga, quase sem voz para as palavras que lhe vinham na mente. Agarrou-me num abraço.
- Sinta-te à vontade sobrinho. Ainda bem que não viajaste. Deu para estarmos juntos...
Insinuoso, o "didjei" músicava melodias e misturas "saborosas" , ao repasto multigostos.
- Vinde testemunhar. Vinde deleitar-vos. Vinde imitar (boa imitação faz bem)... Era o falar da aparelhagem sonora, cuspindo ritmos pelo salão.
Depois foi a vez de os nubentes fazerem - se à pista. No boda do  Vaticano foi assim.
Vaticano já é Senhor. Valdane João [Jorge Castro] está casado!

Publicado no Jornal Nova Gazeta de 4 de Outubro 2018

sábado, setembro 08, 2018

ESCOLAS, PROTÓTIPOS E INOVAÇÕES

A presente (re) flexão (leiga) surge a propósito do que se vem assistindo quanto ao surgimento e lançamento no mercado de novas instituições de ensino, sejam elas universitárias ou de níveis inferiores.
Entrado na Kabunga em 1981, frequentei uma turma que terá sido a terceira, na aldeia de Kalombo. Até aqui nada de especial, senão o facto de ter sido no ano em que os pais decidiram colocar "carteiras fixas" plantadas no chão cru da sala única da "escola" que se achava bem próximo do chafariz comunitário.
Os anos lectivos subsequentes foram todos vividos em turmas de "reajustes e inovações" nas escolas que frequentei até ao ISCED de Luanda, onde fui cursar Didáctica de História, em 2000. Não sendo turma primeira, pouco terão os professores de lembrança, embora alguns se tenham despontado, mesmo sem terminar o curso, como o amigo Bayo Vunge que fui reencontrar "inaugurador do Curso de Comunicação Social", no ISPRA, em 2003.
Ali sim. O Bayo e seus colegas eram "estudantes-laboratório", fundadores de um novo e primeiro curso no país. Enfrentaram as maiores dificuldades materiais e pedagógicas para que o curso vincasse. Eu não. Cheguei um ano mais tarde. Já não era o da implantação, mas o dos ajuste e ou inovações ao protótipo. Alguns professores haviam sido substituídos e alguns métodos melhorados. Até o apuramento de novos estudantes e a relação desses com a instituição estavam em mutação. O protótipo tem o seu valor e a sua história, assim como os ajustes e inovações ou réplicas.
Olhe agora para as demais organizações pioneiras e atribua-lhes os quesitos.
Quantas vezes, no caso das académicas, se tornaram mais conhecidas pela força inventiva e destemida de seus estudantes associados do que pelo próprio marketing comercial?
Voltemos ao ISPRA. Ao tempo, tinha uma forte equipa de basquetebol, liderada por um intrépido estudante de metro e meio, Yuri Simão, o meu "amigo kambuta". Foram tantas glórias que alguns jovens e adolescentes, em fim de ensino médio, escolheram a instituição como destino para o desejado curso superior. O marketing desportivo foi grande e catapultou a instituição, apesar dessa ter apostado e espalhado diversas bolsas entre jornalistas de então.
Tal caminho me parece estar a ser seguido pelo instituto superior do "Bairro Militar" que tem apostado no trabalho com a associação de estudantes. Essa, ao que contam, é forte no desporto universitário (organizado pela FANDU) e em actividades de beneficência, competentemente apadrinhada pela instituição. E o nome vai voando, se espalhando.
A última organização, da associação estudantil, foi um curso sobre Documentos Administrativos do interesse do jovem estudante. Sem a mediatização que se esperava, sabe-se que a mensagem contada de boca em boca e replicada de face em face book ou reencaminhada de what em whatsapp atinge um universo inimaginável. Afinal de contas os jovens em idade plena são dos que mais usam, hoje, as redes sociais, sendo concomitantemente grandes consumidores dos produtos universitários.
A todos os "estudantes laboratórios" e aos que se lhes seguem, nos tempos dos ajustes, o meu BEM HAJA INOVAÇÃO!

Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 23 Agosto 2018

sábado, setembro 01, 2018

PARTILHANDO SABEDORIA E CONHECIMENTO

- Os jovens estão hoje melhor qualificados tecnicamente... Dizia o Mais velho que me chamou ontem para uma conversa profissional e "familiar".
Agradeci e retorqui que os jovens, nós, precisamos de nos sentar mais vezes com a geração de nossos pais e deles beber experiências e sabedoria. A academia apenas nos dá conhecimentos.
O mais velho, a quem trato carinhosamente por papá, abanou a cabeça, em gesto de aprovação, e prosseguiu, visitando a sua rua rica e sábia memória.
- Na nossa tradição bantu, uma conversa tem sempre introdução (yalakuhu em Kikongo e mahezu em Kimbundu). Assim é também na vida profissional (as partes de um documento/exposição são: introdução, desenvolvimento e conclusão ou fecho).
- Quem atravessa um rio, por meio de uma canoa, não deve defecar no ponto de partida. A canoa pode avariar trajecto, regressar, e o individuo ter de suportar o cheiro da defecação (por outras palavras, não discuta com o soba no dia em que pretendas mudar de bairro. Podes voltar...).
- A barriga pede sempre mas nunca agradece. A vida não é apenas a barriga. Por isso, é preciso empreender. O Mais velho contou bons exemplos de lutas travadas pela vida que resultaram em sucesso profissional e bem-estar familiar.
- Para viver em paz, acrescentou, é preciso não gritar. Citou a experiência de um psicólogo francês e exemplificou. Quem mais grita entre o grilo e a formiga? Quem mais incomoda quem dorme? Quem mais é perseguido por via da sua gritaria?
- Humildade e honestidade são importantes na vida que dá muitas voltas. Os pais passam e os filhos ficam. Há que deixar boas referências.
- Educação e formação é obrigação de um pai. Filho com bons princípios tem uma estrada aberta, lisa e longa pela frente.
Obrigado papá "MasCa" pela sabedoria e conhecimentos com que me tem brindado. Ntondele!