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terça-feira, agosto 15, 2017

VELHO TRINTA


Caminhávamos em fila indiana pela estrada asfaltada e sob sol ardente. Os homens mais velhos à frente, as crianças descalças pelo meio e as protectoras mamãs à recta-guarda. Antes da fuga, havíamos passado noites a dormitar na mata, embora os dia fossem passados nas lavras. A preocupação pelo que de bom ou ruim nos pudesse acontecer era obra dos adultos. Brincávamos e íamos à escola sempre que o professor, meu primo Jorge Kakonda, entendesse.

Entre os adultos ninguém tinha sido militar, nem sequer conheciam as artimanhas dos Kahuha (assim apelidados os kwaca pelos namibianos da Swapo).

Pensava-se que os homens podiam chegar à madrugada, cercar as casas e levar todos ou quem quisessem. Por isso, as noites, sob frio intenso e chuva, eram na mata com a atenção virada aos sons que podiam vir de cães a ladrar ou galinhas a reclamar liberdade.

Lembro-me da aflição que vivia a minha mãe. A Emília devia ter dois anos e às vezes chorava, como o fazem as demais crianças. Dormir na mata, apenas um pano estendido no solo húmido ou rígido, não tem a comodidade de uma esteira. E diziam à minha mãe:

- O mon'u mubane lyele. Otujibisa! (Põe essa criança a mamar, vai fazer matar-nos!)

Vontade de defender minha mãe, eu filho primeiro, havia. Mas como exercer autoridade? Tal pressão psicológica sofriam também que estivessem engripados ou acometidos de tosse. Tossir? É se os kwaca estiverem por perto e ouvirem?

- Eles vêem melhor de noite e madrugada do que quando há sol. Com UNITA, você não torra farinha quando esteja escuro. - Diziam para nos pôr no lugar.

O Limbe, minha aldeia, era formado por duas comunidades: uma constituída por originários de Mbangu de Kuteka, cujo patrono era Xika Yangu, e outra comunidade da família Trinta. Ficavam distanciadas uma da outra por um intervalo inferior a meio quilómetro.

O dia da fuga, a primeira, foi combinado entre os makota das duas comunidades. Já se tinha "assistido ao accionamento de minas por parte de tractores e viaturas e subiam os rumores de que os kwaca estavam por perto. Já se tinham verificado rastos e algumas lavras aliviadas.

Partimos. Já não me lembro se bem no princípio da manhã ou no fim dela. Porém, aquele sol ardente sobre nossos corpos pioneiris e o alcatrão derretido a travar nossa marcha não me saem da memória.

Os da casa de Xika Yangu e os Trinta, todos estrada a baixo, em direcção às proximidades da sede comunal da Munenga. Era lá que estava a tropas das FAPLA e da Swapo.

Foi durante essa marcha, em 1983, que ouvi o Velho Trinta (já retratado em livro de ficção) a falar do seu "relógio que na verdade era o seu coração que teimava em funcionar.

- Por que não estragas de vez, ó relógio? - Apelava ele, cansado daquela vida de fugas permanentes e dias passadas nas matas, dado o peso da idade que carregava, já acima do dobro do seu nome.

Os Trinta ficaram em Katoto. Na verdade era Sangisa, pois a aldeia original de Katoto ficava mais no interior, próximo do rio Ryaha. Lá fomos parar na fuga posterior que nos levou à Munenga em Fevereiro de 1984.

Os da casa de Xika Yangu avançaram até Fuke, junto ao Ngana Mbundu, na margem do rio Mukonga. Ernesto Kapitia, irmão de Xika Yangu e primo de meu pai já finado naquela altura, era motorista do alemão (Walter Kruk ou Ngana Mbundu). Ali ficamos uma semana.

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