Luciano
Canhanga, jornalista e escritor
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Depois de “Sonho de Kawia” e “Manongo
Nongo”, o que traz com os “10encantos” ?
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Com o “10encantos” trago o lado e o
grito poético que reside em mim. A fonte de inspiração continua a ser a mesma: a sociedade e os seus
contrastes. Porém, a forma de sentir e de narrar os factos é que mudaram.
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Quando vai ser lançado e onde?
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Em princípio, penso em lançar o livro na
Lunda Sul, durante a semana do Heroi Nacional, por uma razão muito
especial. A minha produção literária é
feita neste território que, aos poucos,
vai também ganhando leitores, sobretudo nas instituições de ensino superior em
que colaboro. Temos feito um grande trabalho que visa incutir na juventude o
gosto pela leitura e quero reconhecer este esforço e entrega da juventude com o
lançamento, em primeira mão, de um dos meus livros.
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Foi o jornalismo que o levou à escrita?
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A escrita é anterior ao jornalismo como
tal. Porém tenho dúvidas em aferir se seria capaz de chegar aonde consigo
enchergar se não tivesse o jornalismo como profissão e vício. Continuo a dizer
que a literatura é, em mim, uma extensão do jornalismo.
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Quanto tempo leva para escrever um livro?
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Depende. É variável. Tudo começa como
pequenos textos que vão ganhando forma ou que ficam na gaveta. Dos três livros
já editados, “10encantos” foi o que durou mais tempo a escrever já que tem
poemas do tempo do IMEL, 1993, e outros ainda do Ngola Mbandy, 1990. Sempre que
publico um livro começo a escrever enquanto outro livro entra em revisão
ortográfica. Isso permite-me ter sempre um em prontidão para entrar em
produção, em caso de necessidade.
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Geralmante onde é que busca inspiração
para escerever? Qual é o momento do dia que mais o inspira? E onde é que
escreve? Na praia, em casa, no escritório?
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Todas as manhãs, encho a banheira e fico
a meditar 20 a 30 minutos, em silêncio, pensando sempre em um tema do passado,
do presente ou do futuro (imaginário). Depois traço os esboços ou as ideias
chaves. À noite, depois dos compromissos profissionais com Catoca e com as
Universidades em que colaboro, passo os esboços a limpo. Luanda é um território
fecundo mas a redacção acontece normalmengte em Catoca, na Lunda Sul.
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É um homem de múltiplas actividades. A
literatura para si é apenas um hobby?
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Sim. Ainda não me sinto escritor, embora
me sinta preocupado sempre que fique uma ou duas semansas sem escrever uma
crónica. Também não tenho obcessão pelas coisas. A escrita acontece de forma
espontânea e natural… Sem forçar e sem me sentir pressionado.
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O que é ser escritor para si?
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Ser escritor é, para mim, sentir de
forma diferente o que sinto. Isto é, viver da escrita ou levar a arte muito
mais a sério. Por isso, prefiro considerar-me apenas um contador de cenas.
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Actualmente, o que o preocupa mais na
literatura angolana?
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Preocupa-me a falta de correcção no uso
da língua pelos escritores emergentes, a falta de humildade em reconhecer que
pouco se sabe da artes da escrita e do domínio das línguas e noto também a
ausência dos mais experimentados para auxiliar os mais novos. Felizmente, não é
o meu caso, pois tenho o José Caetano, Armando Graça e o Manuel Ruivo que
sempre se mostraram disponíveis em me “puxar à orelha”.
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Hoje vão-se colocando alguns receios
resultantes de uma aparente ausência de renovação geracional, entre os
escritores angolanos. É uma questão real? Preocupa-o?
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Considero que tudo acontece no tempo
próprio. É obvio que se a minha geração estiver mais virada para a fama do que
para a transpiração, os mais velhos a considerarão sempre como uma geraçãpo
incipiente. Temos de nos aplicar mais naquilo em que nos propomos. Temos de
mostrar que somos capazes de fazer a viragem, de continuar e aumentar o
respeito que a literatura angolana já alcançou.
A questão que hoje me coloco é como fazer novos Aires de Almeida Santos,
novos Agostinho Neto, novos Uanhenga Xitu, novos Viriatos, etc. É essa a
questão que me persegue.
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E o que pensa sobre a ideia comum de que
os jovens escritores angolanos não sabem escrever?
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Acho que não devemos generalizar em
demasia. Reconheço que há alguma relutância de uns em se aprimorarem no domínio
das línguas e da exposição artística das ideias. Um texto literário ou para literário não é a
mesma coisa que um texto não literário. Os primeiros têm de possuir elementos
estilísticos que lhes conferem beleza e arte.
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Já agora, o Prémio António Jacinto não
teve vencedor pelo segundo ano consecutivo, e o argumento evocado pelo júri foi
exactamente a falta de qualidade dos candidatos. Como olha para essa questão?
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É uma pena que estando poucas vezes em Luanda
ainda não tive a oportunidade de me candidatar. Vou no terceiro livro e nunca
participei de tal prémio. Quero tentar para depois poder fazer um melhor juizo.
Pode ser que os juízes tenham razão. A recíproca também pode ser verdadeira.
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Que escritores angolanos tem como
referência? Por quê?
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Rodferick Neone, Isaqueil Cori, o
incontornável Uanhenga Xitu, Jacinto de Lemos, Pepetela, Jofre Rocha, etc. São
autores cujos escritos influenciaram a minha forma de encarar o mundo e a
realidade. Já os li muito nos tempos do IMEL (curso de jornalismo) e continuo a
lê-los.
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Os angolanos não têm hábitos de leitura.
Concorda? Há quem diga ser um falso problema.
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Faltam hábitos de leitura, sim senhor!
Houve um tempo em que os país se tinham demitido da missão de educar os filhos
a ler. Já vi livros a serem rasgados para empacotar ginguba… Por outro lado, a
carestia dos livros também afugenta quem quer ler mas não tenha dinheiro. No
ensino médio, costumávamos emprestar os livros e em finais de anos oferecíamos
e recebíamos livros. Também era obrigatório frequentar a União dos Escritores
Angolanos. Não sei se a União ainda enche como nos anos noventa.
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Que mecanismos devem ser usados para
incentivar o hábito de leitura nos jovens?
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Criar bibliotecas infantis é um bom
caminho. Os pais devem ler para os filhos e diante dos filhos para que estes se
orgulhem e lhes sigam o exemplo.
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É fácil editar um livro em Angola?
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Não. Ou se tem dinheiro para pagar ou se
arranja patrocínio ou você é excelente e cai nas boas graças de uma editora que
assume os custos na totalidade. A última vertente é a mais difícil.
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Literatura na política, literatura
politizada. Estas expressões existem, no contexto angolano? Que lhe dizem?
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Já li alguns livros evocativos que me
deixaram confuso se aquilo era literatura ou propaganda… Sendo apenas um amante
da literatura e não um crítico, deixo essa tarefa aos especialistas para
julgarem.
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Que conselhos deixa a quem está à busca
de uma oportunidade para mostrar o seu talento e entrar no mercado literário?
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Que domine antes a língua em que vai
trabalhar e leia muitos autores e diversificados estilos. É o que estou a
fazer.
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Tem projectos literários para o futuro?
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Muitos. Tenho um livro em revisão
ortográfica (“Predestinados” que já tinha anunciado com o título “Relógio do
velho Trinta). Tenho ainda “As travessuras do Jacinto” e escrevo outras coisas
que podem evoluir para esboços de livros. Não paro de escrever uma coisa ou
outra.