Em formação em Sea Point, que quer dizer "em frente ao mar", o autor destas linhas foi percorrendo as ruas e os edifícios, contemplando-os e comparando o que tinha analogia com coisas conhecidas ou imaginadas. Sea Point é uma cidade (anexa a Cape Town) animada e próspera. Ao longo da costa, o Sea Point Promenade é um passeio popular para caminhadas. Existem vários bares de sushi, restaurantes de fast food e pizarias. Artesanato africano, café artesanal e música ao vivo são algumas das atrações do colorido Mojo Market, mas a curiosidade estendeu-se à Central City, como é também designada Cape Town, a pontos como:
Kirstenboch: é um jardim botânico, no centro de Cape Town. Aqui
começou a colónia e a cidade. Depois de os holandeses terem aportado, começaram
a fazer pequena agricultura e, depois, uma mais desenvolvida para se
alimentarem, enquanto descansavam, e para abastecer outros navios que velejavam
para as Índias Orientais e ou rumando de regresso à Europa.
Da alta e lisa montanha corria, mar abaixo, um rio de água doce e fresca
que facilitava a horticultura e a criação de animais. Com certeza que já leu ou
ouvir falar sobre os boers (fazendeiros holandeses que se instalaram no Cabo).
"Era preciso também curar os doentes que não continuavam as viagens
por fadiga e outras comorbidades”.
No sopé do espilhaço, as videiras e o vinho juntaram-se às ervas
alimentares, medicinais e especiarias.
Para além da água, na encosta da Table Moutain, os lenhadores aproveitaram
a densidade da floresta para produzirem lenha e carvão que atendiam a
"estação em terra" e os navios transoceânicos.
A cordilheira circundante está, porém, hoje, bastante arborizada com
pinheiros e outras espécies, numa combinação entre árvores nativas e
decorativas. Até animais selvagens (não violentos) voltaram e convivem com os
humanos, numa impressionante harmonia.
Mas não são apenas rosas neste vergel. Há também loisas. Uma delas é a
quantidade de mendigos e sem-abrigos que inundam o relvado, chegando a ser um
"incómodo" aos turistas desacostumados com aquelas molduras de
lazarones espalhados pelo Kirstenboch.
Até o pequeno esquilo apoquenta-se do massivo exército de homeless men, pois, se pensasse, optaria
sempre pela melhor escolha entre a panela ou a grelha e as animadas
brincadeiras num horto sem gatos e cães famintos.
Cansado, mas reconfortado, miro para a Geologia de Cape Town e a do Lubango que me parecem gêmeas, apesar de uma situar-se a um palmo do Atlântico e outra olhar distante o largo mar. Viro-me para as obras também e vejo um caminho longo pela frente que temos todos, corajosamente, de fazer.
Bo Kaap: bairro "nobre" de Cape Town que foi, no
século XVIII, acampamento de escravos saídos da Ásia e alguns da África
Oriental para a Colónia do Cabo. Embora não sejam todos ou maioritariamente
malaios, o bairro é referenciado em algumas passagens literárias também como
"Bairro dos malaios".
Dada a história que encerra, é hoje emblemático e digno de várias visitas
de turistas, sendo um dos cartazes postais da Cidade de Cabo.
As casas, segundo o que vimos e a narração do guia turístico, são
multicolores e pintadas duas a três vezes ao ano para manter o aspecto
cromático exterior atraente.
"Passou de um acampamento de escravos para uma zona nobre", não
sendo "qualquer um que consiga comprar casa em Bo Caap", explicou o
guia.
A policromia, dizem os dados históricos recolhidos, surgiu com a libertação
dos escravos que pintaram suas casas, mostrando sua nova condição de homens
livres.
Dado que a religião maioritária era e é ainda a muçulmana, o bairro recebeu,
no período do apartheid, vários muçulmanos não brancos de outros bairros. Foi
excepção de não brancos mantidos na cidade.
Ainda no tempo da escravatura, conta-se, os escravagistas concediam o 1° de
Janeiro de todos os anos como "free
day" ou dia de festa para os moradores de Bo Kaap.
"O 1° de Janeiro era um dia em que os escravos e outros trabalhadores semi-livres festejavam, dançavam ao batuque, cantavam e comiam do que podiam.
Até hoje, passadas varias gerações e l mais de um século desde a abolição da
escravatura, o primeiro dia do ano, continua a ser festa em Bo Kaap",
conta Jawaiya Cassiem, professora de inglês para estrangeiros em uma das bem
cotadas escolas de Sea Point e declarada descendente de escravos
"malaios".
Numa dada altura, o crescimento da população de Bo Kaap levou a expansão para outra localidade que se passou a chamar District Six. Este foi, infelizmente, demolido (com os haveres das populações dentro das habitações) pelo regime do apartheid, empurrando os mais de 90% de seus moradores negros para bairros longínquos de Cape Tow.
Há, porém, entre os homens que a história regista, alguns que o tempo
reabilita. É o caso de Cecil Rhodes.
Quarenta e nove anos foi quanto viveu o explorador britânico, fundador da Rodésia
do Sul (Zimbabué) e Rodésia do Norte (Zâmbia).
O homem foi ainda o mentor da ideia para construção de uma ferrovia que
ligasse as cidades de Cabo e Cairo, sendo o carrasco do "Mapa
Cor-de-Rosa" elaborado pelos "tugas" que pretendiam ligar as
então colónias de Angola e Moçambique.
O guia turístico, que conduziu Mangodinho e colegas da "kabunga
anglófona" a alguns pontos de referência histórica de Cape Town, explicou
que “Cecil, é recordado como um visionário que fez de Cape Town o que é
hoje".
Neto de emigrantes de Java e Reino Unido (avós maternos e paternos,
respectivamente), o guia turístico foi mais profundo em dizer que "a
colonização é, a todos os níveis, condenável, mas há obras, como a de Cecil,
que se constituem em boas memórias".
Rhodes fundou também a diamantífera De Beers e foi Primeiro-ministro da
Colónia do Cabo, de 1890 a 1896. Foi a seguir as suas peugadas que cheguei a Boschendal, num tour que nos levou à
prova de vinhos sul-africanos. Foi-nos apresentada como "Cecil John Rodhes's
Farm" ou seja, a fazenda da família do fundador da De Beers.
À exuberância verdejante e plana dos campos, no sopé, foi agregado o
turismo agrovinícola. As "farm"
também acolhem casamentos e outros eventos sumptuosos. Outra pequena nota é
que, aqui, o negócio agrícola tem um percurso familiar.
Muitas propriedades passaram de mãos. Umas se juntaram a outras, alargando
os hectares, e algumas foram vendidas a novos donos, mas os adquirentes são
pessoas e organizações com tacto, conhecimento e tradição nesse segmento de
negócio.
A propósito, ao longo do tour, vimos uma fazenda que apresentava terrenos
vastos em repouso ou sem nunca receberem alguma semente e uma velha casa sem
tecto e portas. Irónico, o jovem que ia comigo disse para mim:
_ Tio, essa fazenda deve ser de um político negro sul-africano.
Quando o questionei sobre a razão daquele pressentimento e observação, o
jovem foi peremptório:
_ Faz-me lembrar as fazendas coloniais que foram estatizadas, entrando em
desuso até se tornarem propriedade de ninguém. Quando veio a nova vaga dos
políticos-fazendeiros, tomaram-nas como suas, sem nunca plantar sequer uma nova
árvore. Simplesmente pintaram ou repararam algumas casas, as dos antigos donos
fazendeiros, colocaram alguns cavalos e construíram piscinas para o deleite dos
seus filhos e de suas concubinas.
Saídas de um jovem, menor de trinta anos, aquelas palavras secas e
realísticas levaram-me a pensar no quanto devemos reflectir sobre a agricultura
que (ainda não) temos, como fazer para que o nosso prato seja cada vez mais
nacional e se agregue ao cultivo da terra, enquanto paixão e profissão, a
componente turística.
_ Kenhê o mwangolé que tem a sua fazenda (herança familiar) bem arrumadinha
e aberta a visitantes que debitam algumas moedas à entrada e/ou à saída?
Quanto à prova de vinhos, relatarei um dia.
Durante o dia, de vinícola em vinícola, mostrámos a nossa angolanidade e
convicção ideológica, respeitando, obvio, a alheia e fazendo pontes. Afinal,
somos poucos e cabemos todos no país que muito precisa de nossas ideias e
labor.
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