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segunda-feira, outubro 25, 2021

SEGUINDO PEGADAS DE CÃO

À chegada, dois cães de aparência saudável e uns galináceos que se confundem com a cor do areal despertam a atenção de quem acosta a embarcação, antes mesmo de ir ter com os makwenze da polícia que guardam e garantem a inviolabilidade da nossa fronteira fluvial.
Há uma vênia que se cumpre: a saudação que é sinónimo de educação e bons costumes e a identificação do objecto da visita, mesmo tratando-se de local de interesse turístico-histórico.
Os jovens, filhos alheios, não complicam ninguém e são bons cicerones pelos três principais motivos daquela península (no passado conhecida por mwan-a-nkukutu) o marco em betão da Administração do Soyo, que dizem ser católico; as "tendas" dos protectores de tartarugas e o marco deixado por Diogo Cão num longínquo ano do século XV.
- Ir ao Soyo sem chegar à Ponta do Padrão - dizem - equivale a ir a Roma e não chegar ao Vaticano!
Será?!
Ainda a pensar no ditado, ergui a cabeça, para além da água farta e da areia. Mangais fechados com raízes que "caem dos céus", figueiras, mangueiras, palmeiras, acácias e vegetação rasteira fazem parte da flora marcante.
- Kota, ali, antes do marco deixado pelo Cão, é um símbolo da Igreja. Os gajos xindaram em língua estrangeira. - Explicou o jovem polícia de guarnição fronteiriça que se diz natural do Rangel, em Luanda.
- Podemos ver o que escreveram? Se calhar, com o google translator, eu consiga dizer-vos o que está gravado. - Disse-lhe, procurando convencê-lo a mostrar a placa em betão que não ficava distante do acostamento.
- Kota, escreveram em italiano. - Ripostou em sua defesa.
Aproximamo-nos. Confirmei a inscrição, nítida na língua modernizada por Camões, o conterrâneo de Diogo Cão que por lá passara em 1482.

"MUNICÍPIO DO SOYO
POR AQUI PASSAM OS CAMINHOS DA HISTÓRIA
1490-1491".Li, com a ajuda da mulher, 5 anos mais nova e com a visão ainda em dia.
- Oh! Como é que o kota leu sem traduzir? Ou fala também o italiano dos padres?! - Indagou o jovem admirado.
- Em cima usaram mesmo Português. A numeração é a romana que se aprende na quarta classe. - Elucidei-o.
O jovem balbuciou umas palavras imperceptíveis, uns resmungos a soar "no meu tempo isso não se ensina na escola".
Caminhámos alguns metros até ao marco deixado pelo Diogo. O que se vê é a reconstituição feita há 102 anos (1919), pois o original "foi levado pelo bravo mar", deixando pela trás "apenas as correntes". - Explicou paciente o jovem cicerone.
- Aliás, kota, você foi nosso Prof° e sabe das coisas. Mas, olha! Aquilo que falou que ensinam-lhe na quarta classe (numeração romana), deve ser apenas no tempo do kota. No nosso tempo é só já vuzar. Relógio é no telefone. Os números que ensinam são somente esses da tuga...




- Pois é, jovem. Compreendo. Nasci ao tempo de Spínola. Comecei a estudar ao tempo de Neto e quando fiz a quarta, Zé-Du ainda era jovem. Nós começamos a aprender a numeração romana na segunda classe, quando nos ensinaram a ver as horas (Ciências Integradas). Aprofundamos na quarta classe onde acrescemos a potenciação aos números romanos. - Expliquei-lhe paternalmente, ao que acolheu com um convite.
- Chefe! - Virou-se para o meu irmão polícia que nos levou à Ponta do Padrão. - Quando o pai voltar ao Soyo, "lhe traz" novamente aqui! - Rematou, ao que anuímos.

segunda-feira, outubro 18, 2021

A POEIRA E O ESQUECIMENTO DE URBES KWANZA-SULINAS

Mal acordei, as primeiras leituras foram sobre a disponibilidade de água que pode aumentar em Kalulu e sobre a poeira no Sumbe e Benguela Velha (Porto Amboim).

A terceira leitura que me chegou foi sobre o turismo e crescimento industrial e económico em municípios como Ebo, Kilenda e Kasonge, aventando alguns que "a província precisa de um nguvulo mais dinâmico", conjecturando até nomes.

Sobre os temas lidos, apraz-me comentar que, na conjuntura actual, o KS não depende do pulso do governador. Depende de outros factores como Planos de Desenvolvimento Urbanístico e Industrial dinheiro real e pensamento nas futuras gerações.

Problemas que enfrentam cidades como Sumbe e Porto Amboim devem ser resolvidos à montante e não à jusante. Haverá sempre barro a deslizar das montanhas às cidades e entupindo os colectores (espreite ainda o que a Kanata faz ao Lobito).

Quanto a Kalulu, minha "mother land", que foi das primeiras circunscrições (mais de cem anos), ela teve vigor enquanto o trânsito Luanda-Centro se fazia pela ponte Filomeno da Câmara, passando por Kabuta (sofreu o mesmo azar que Golungo Alto que viu o comboio passar-lhe ao lado para Malanje).

Sem a reparação (asfaltagem) daquela via que liga São Pedro da Kilemba-Kabuta-Kaluku-Kibala...), Kalulu continuará a ser um enclave esquecido à esquerda da EN120.

E, como Kalulu, o KS tem vários outros enclaves: Ebo, Kilenda e Kasonge são exemplos. Quem é que vai lá em visita, para além dos que estão comprometidos afectivamente com a localidade?


segunda-feira, outubro 11, 2021

O PERMK E ÂNGULOS DO KWITU

 

A cirurgia feita com cimento e tinta, em sede do PERMK¹, disfarça o quão a cidade foi estropiada entre 1992/93.

Olhando, porém, com atenção, vêem-se ainda "gangrenas" de feridas nunca curadas e cicatrizes de perfurações que afectaram os edifícios e pessoas neles refugiadas.
Quando conheci a cidade, em 1998, o canteiro que separa os dois sentidos da Avenida Joaquim Capango (rua principal) acolhia campas, aboboreiras e milheiral.
De um lado da Avenida tinham estado os defensores, sem rectaguarda alimentar. Do outro lado (em que se encontra a administração municipal) estavam os sedentos invasores com uma logística intacta, camuflada aos olhos cegos da UNAVEM e CMVF².
Há que se narrar a história desse período lúgubre do Kwitu e julgar, na cabine de voto, os autores de nossas más memórias.
=
1- Programa Especial de Reabilitação Mínima do Kwitu.
2- Comissão Mista de Verificação e Fiscalização. Órgão que acompanhou a implantação dos acordos de Bicesse até à realização das primeiras eleições em Angola (1992).

sexta-feira, outubro 01, 2021

AINDA SOBRE O "ARROZAL BENGUELENSIS"

Durante os meses de Agosto e Setembro/2021, fiz milhares de quilómetros por estradas. Percorri Cabinda de sul a norte, fiz Luanda-Soyo-Luanda, Luanda-Cuito-Luanda e Luanda- Quibala-Luanda, fora o roteiro Luanda-Huambo-Chipindo-Longonjo-Menongue-Cuchi-Lubango-Benguela- Sumbe-Luanda, feito em Maio.

Notei que os acidentes com camiões, sobretudo os articulados, e alguns ligeiros também acontecem mais ali onde a estrada está degradada. Na ida e regresso do Cuito vi dois pesados capotados à entrada de Calomboloca, só para citar um de vários exemplos que se acham a mãos de semear.
À propósito da relação entre qualidade das rodovias versus acidentes ou capotamentos de camiões carregados, Moh Canhanga escreveu que "se a estrada tivesse sido reparada não teríamos a 'novela' do arroz em Benguela". Elogiei o jovem, que espreitou para fora de caixa e viu que havia mais árvores naquela "floresta" de debates, para além dos jovens fotografados em flagrante posse do produto transportado pelo camião acidentado.
- Teria havido capotamento se a rodovia estivesse em condições de circulação?
- Talvez sim, talvez não!
Há acidentes causados pela degradação das rodovias, como há outros acidentes que ocorrem em perfeitas pistas, onde é chamada a responsabilidade do condutor ou o estado técnico do equipamento ...
O mérito da colocação do do jovem Moh Canhanga vai para a necessidade de se olhar para fora de caixa e buscar outros ângulos de análise.
Ora, os behavioristas (comportamentalistas) americanos realizaram um estudo para aferir o "instinto animalesco incubado no homem" e a tendência em destruir coisa alheia.
Pararam, durante uma semana, um carro novo num descampado para ver qual seria o comportamento da população.
Mesmo sem que se conhecesse o dono, ninguém o danificou.
Na semana seguinte, alguém passou e quebrou, propositadamente, um dos vidros. Em menos de 48 horas, o carro ficou totalmente descaracterizado.
Voltemos ao arroz de Benguela. Se o primeiro que se deparou com o acidente tivesse ido para socorrer e proteger a carga, eventualmente os demais colaborassem nessa demanda. O primeiro que tomou para si um saco de arroz abriu o caminho e despertou o lado animalesco dos demais.
Já fiz um estudo semelhante com o lixo. Quando construi a minha casa, a envolvente era uma lixeira (espaço em que a vizinhança preguiçosa e antabônica depositava os seus descartados). Empenhei-me uma semana a limpar e controlar. Os mesmos que ali deitavam lixo, perderam a coragem de largar o primeiro saco num espaço totalmente limpo.
Depois de ler o estudo dos behavioristas americanos, larguei um saquinho de lixo no espaço e, no dia seguinte, estava a área repleta de sacos!
Levei mais uma semana a limpar e controlar.
Resumindo: um de dois factores ou ambos terão propiciado o assalto ao camião de arroz em Benguela.
a) a qualidade da rodovia;
b) o estado psico-social e ético do primeiro assaltante.
Tenho dito.

Soberano Kanyanga
29.09.2021

PS: publicado pelo Jornal de Angola de 03.10.2021