Translate (tradução)

terça-feira, agosto 29, 2023

QUE TURISMU'ÉSSE?

 Além da Fmca2023

Nascido entre cafezais, no Lubolu interior, com ratos que demandam gatos, interiorizei a máxima "olho no peixe sobre a grelha e olho no gato" que, quando vê peixe, se esquece do rato.


Assim, em actividade profissional intensa, no Luvangu, tomei a liberdade de conceder duas horas de turismo à equipa que comigo trabalhou "full time", das 8 da manhã às 8 da noite e de terça a domingo.

- É último dia da Fmca2023 e partiremos de volta hoje. Não fica bem estarmos uma semana no Luvangu sem alimentar os olhos e descontrair (por alguns instantes) a mente. _ Ofereci, ao que vivas soaram.

Antes, criei dois grupos, para que a exposição não ficasse desguarnecida, e fomos pelo asfalto, passando o riacho Mukufi, subindo a zona escarpada, até que a negrura do asfalto cedeu lugar à larga calçada que nos eleva ao miradouro do abismo de 1200 metros (profundidade), tendo como fundo a zona desértica da Bibala, no Namibe.

A Fenda da Tundavala, local turístico de elevado regalo e com uma "estrada de pedra" digna de gabo, vive sozinha, entre seixos. Sem rede telefónica; sem toilette; sem quiosques para venda de água, café e souvenirs; sem cobrança de portagem (que podia serra estratificada entre nativos locais, turistas nacionais e estrangeiros; sem definição de andarilhos (impedindo que os vários trilhos prejudiquem a rara vargem entre penhascos); sem recolha de dinheiro (marginalizando uma grande oportunidade de arrecadação se receitas para a edilidade); sem ideias conhecidas... Enfim, é só rebo que regala, mas, o homem é biológico e tem as necessidades sempre a persegui-lo.

É nos penhascos da Tundavala que termina o Planalto Central de Angola. Daqui se desfruta uma paisagem magnífica que se estende por dezenas de quilómetros.

Antes, outras quatro notas, já repousavam no meu bloco de notas.

1- Num aldeamento turístico que atende pelo pomposo nome Kimbu do soberano, levou-se hora e meia a receber comida "prato do dia" que demandava somente aquecimento. Toda a jornada de espera, foi sem água, sem serviço e só desconsideração. Estava cheio? Estava, mas nós também éramos clientes e precisávamos de alguma atenção, por mais ínfima que fosse. Tomada a refeição, já a contragosto, foram mais exactos 34 minutos de espera pela água e factura, levando-me a reclamar do "gerente" que se não me fosse apresentada a conta e o terminal de pagamento automático, ausentar-nos-íamos, pagando onde eles nos alcançassem.

2- À noite (quinta-feira), numa esplanada, no bairro Palanca, Humpata, voltei a pedir comida que já houvesse feita. 

- Sim, mano. Tem. É só uns minutos.

Veio o chá de limão para enfrentar a gripe e o frio desses dias. Até aqui, parecia que as coisas correriam à feição. Transcorridas duas horas, não veio a comida que "era só aquecer".

_ Desculpa, senhor. Houve um pequeno erro técnico. A comida não chegou. Vai ter de esperar mais trinta minutos. 

A esperar, seria entregue à meia-noite e meia. 

3- Dia seguinte, seis e meia da manhã à procura de chá quente num Posto de Abastecimento da Puma.

_ Bom dia, minha senhora! Quase desfaleço de fome. Tem algo quente que se coma?

_ Bom dia, senhores! Lamento não termos, de momento. Os produtos chegam as sete horas, mas posso fazer-vos um chá e sugerir biscoitos.

Essa diligente senhora devia gerir o Kimbu e a esplanada.

4- Noite, outra vez, em Nossa Senhora do Monte, decido, em companhia da minha "tropa", procurar algo para enganar as lombrigas na feira alimentícia. Uma hora, de baixo de ventos friorentos, para ter o pirão e a carne assada. Ninguém se dignou em perguntar ou sugerir, como normalmente acontece em instituições hoteleiras dignas "se enquanto esperam ouvem poemas", petiscam algo assado ou bebem kanyome ...

Apesar de a cidade ter recebido milhares de visitantes e estes exercerem alguma pressão (anormal) sobre os serviços, há uma pergunta que não se quer calar: que turismo é esse (que não valoriza o cliente)?!


Publicado no Jornal de Angola de 20.08.23

segunda-feira, agosto 21, 2023

ESTÓRIAS LUBOLENSES (I)

1- Causou-me um susto ao ouvi-lo pronunciar alegremente o seu nome: "Sou o jovem Kinema (deficiente) que lhe está a pedir, há três dias, o livro sobre as Kitotas no Lubolu. O kota prometeu que veria no seu carro". Fiquei embasbacado e não resisti. Na ausência de outro, dei-lhe o meu exemplar de anotações para melhorias na próxima edição.

O Kinema é um jovem empenhado e que busca o conhecimento histórico-científico.
2- Nos anos 80, século XX, até que os autocarros da ETIM e ETP deixaram de ir a Kalulu, era aqui, bifurcação entre a rua principal e a Deolinda Rodrigues, que se esperavam e apanhavam os autocarros públicos. Atrás do edifício ficava o mercado onde comprávamos a comida e o fardo que os camaradas da "Swapo" vendiam e ou permutavam.
3- Aldeia de Pedra Escrita (comuna da Munenga). A construção da Biblioteca está momentaneamente parada, mas já avançou o suficiente que já pode ser equipada. Tem chão bruto e tecto. Falta reboque das paredes interiores e exteriores e pintura.
Alguém ajuda?
4- Um alemão participante das Jornadas Internacionais Técnico-Cientificas, em Kalulu. Ele diz ter gostado da "nossa Eka" que deixou de ser "do Dondo".

Confira fotos em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02vmanaPUm16gg2ve4zQzwqJzTfKy93xqgCfEoK28VHE6MmieFbR1RHkA2X4daokv7l&id=100001342406431&mibextid=Nif5oz

terça-feira, agosto 15, 2023

NOVA MODA NORUEGUESA

Ponto prévio: 

Por esses dias e, eventualmente, vindouros, não condenem a criança ou o adulto que vá parar, em visita, ao Reino da Noruega e errar se for chamado a apontar a bandeira do Reino. A nova moda (deles) faz flutuar por quase todos os edifícios principais, em todas as cidades uma bandeira multicolor que não é a daquele reino (rei). 

Iam a passos lentos e a conversa girava em torno dos jifunji. Isso mesmo, no meu kimbundu lubolense, a palavra funji é singular, fazendo plural com a anteposição do prefixo "ji". Assim, jifunji é plural. 

A saudade da pasta feita com fuba (farinha no dizer deles) de bombó ou de milho, que no centro e sul ganha o pomposo substativo de pirão, fazia dos angolanos descobridores de semelhanças antre a oferta e o desejado. Ficava-se pelo pink fish (o salmão), caro noutras paragens e baratucho no norte gélido. E a conversa sobre funji e jifunji ganhou vários conceitos e interpretações. _ Já viste? Aqui se um gajo tiver dois jifunji é pecado, mas se em vez de casares mulher para te fazer funji te juntares a homem igual dar-te-ão é homem elevado e moderno. Isso é caminho? _ Interrogou Xavitu, algo irritado.

O sol vergonhoso procurava abrir-se ao deleite de homens e mulheres de todas as idades que dele procuravam como os angolanos ao funji. É, afinal verão, embora os visitantes africanos andassem agasalhados como se estivessem a viver o cacimbo da zona tropical.

_ Como esse andar, que despreza a maternidade, qualquer dia a humanidade deixa de crescer e os lobos tomam conta das cidades, levando-nos ã extinção. _ Atirou Lumingu, ganhando a aprovação silenciosa dos demais. Pelo menos ninguém o contrariou até que Phande emendou.

_ Não, mano Lumingu. Antes de os lobos virem substituí-los, vão reclamar subpovoamento e abrirão as fronteiras aos africanos que ainda não desistiram da procriação. Significa que o país, com suas instituições e normas, será passado a gente que o vai tomar durante décadas e séculos silenciosos, o que será bom para a criolização da raça humana.

terça-feira, agosto 08, 2023

KALULU-01:01


E, estando eu no posto de abastecimento de combustíveis da Rua da Missão, em Kalulu, eis que apareceram diante de mim dois petizes. Depois de aturada observação e busca de arrojo, o menino que se achava mais expansivo ganhou coragem e abordou-me: 

_ Boa tarde, tio! Não quer ser meu padrinho? 

Vendo o bando de rapazes andrajosos e pedintes, alguns sem necessidade para o efeito, respondi à medida de correcção. 

 _ Boa tarde, sobrinho! Já tenho muitos afilhados. Mas, que idade tens e por que estás aqui? 
O petiz, tentando esquivar as perguntas, pôs-se ao mato, surgindo, depois, o seu irmão José Domingos que se ofereceu para trabalhar, como se de adulto se tratasse. 
_ Tio, posso ser teu cobrador. Já tenho 12 anos e faço 13. 
_ Tu não tens idade para trabalhar, nem eu vivo aqui. Por que não estudas em vez de pedinchar e procurar trabalho? _ Contrariei-o, ao que respondeu "estudo a sexta classe". 
_ Está bem. Vou oferecer-te um livro. _Disse-lhe. 
Após isso, o Paulo Domingos, que se escondera, reapareceu e explicou que tinha onze anos e estudava a quinta classe. 
_ Vocês são irmãos?
_ Sim, somos.
_ Um disse ter doze e tu dizes ter onze anos. São mesmo irmãos ou primos? _ Insisti.
_ Somos irmãos de pai. Ele tem duas mães. Eu moro ali (apontava para o bairro Kapopa) e vim aqui (Musafu) passar as férias com eles. _ Explicou o José.
Autografei dois "Kitotas: recuos e avanços". O José sabia ler, mas o Paulo ainda juntava letras e sílabas, o que me levou a concluir que os tempos mudaram para baixo.
Eu, na Escola Kwame Nkrumah, na quinta classe, em Kalulu, já escrevia poesia!

Kalulu, 24.07.2023

terça-feira, agosto 01, 2023

KALULU AOS MEUS HODIERNOS OLHOS

Apesar de os olhos infantis atribuírem grandeza distinta da visão adulta, o Kambuku, rio da minha e meninice de muitos kalulenses, encolheu. 
Mostra-se, nesse Julho minguante, quase um fiozito, rasgando o vale que, nos anos oitenta do séc finado, enfeitava-se de hortas feitas por todos nós, empobrecidos ou endinheirados pelo dinheiro negado aos primeiros. 
Fazer/ter horta, era sinal de pertença e honra à nossa matriz cultural (nossos hábitos campestres). Aí sim, alguns desviavam ligeiramente o curso da água para regar, repondo-a, depois, no leito habitual e natural.
O aumento da população em Kalulu (da Mbanze, Kasekel, Bairro Wambu ao Musafu), uns reproduzindo-se mais do que a produção alimentar e outros trazidos pela fúria das guerras e descontinuidade das roças e fazendas, colocou o Kambuku entre casas e casebres, trazendo a pertinência do debate sobre a necessidade da construção de um novo leito rochoso (feito de  cimento e pedras que por cá abundam) para evitar o assoreamento e a desaparição do rio (a exemplo do Mwangeji, em Saurimo).
Num contexto de edificações padronizadas, sucedâneas a um plano de evolução  urbanística, Kalulu seria hoje uma cidade digna dessa designação. Tamanha foi a sua elasticidade, chegando, na rota que nos leva à Munenga, até às proximidades do açude, construído sobre o Rio Tamba (que se junta ao Kambuku junto ao Bairro Musafu). 
Nos anos oitenta e início da década de noventa, contavam-se as famílias, com líderes já idosos, que viviam na margem sul do Kambuku, (Estrada da Munenga): o mais velho José Branco e sua prole, a família Kandumba (sapateiro), o velho Tandela e sua família, o mais velho Kalungane (dono do palmar que se vé na baixa) e que tinha 4 esposas e vários filhos, a família Galanga, a tia Gina (mãe do Digão) e seus filhos, o mais velho kiteke (que depois se tornou padrasto do Digão) e sua família. O fundador do bairro foi o senhor Buto, detontor de  uma família composta por 3 esposas e vários filhos. Vivia ainda, antes na ponte sobre o Kambuku (sentido Munenga-Kalulu), a velha Helena, mãe do senhor Francisco Geraldo.
Depois da casa do idoso sapateiro, ficava o Posto de Controlo e, mais além, a Estação de Tratamento de Água. Não era dada permissão para construir atrás do controlo.
Pela via da Kabuta, Kalulu esticou-se até às proximidades da Fazenda Barata, onde se ergueu o novo aeródromo que nas nossas vozes é "aroporto".
A zona conhecida como Mangueirinhas, ontem Quartel das tropas LCB, que se achava escondido atrás de rochedos, é hoje um novo conglomerado habitacional que alberga o Posto de Correspondência da RNA. Já apelei "ene" vezes que com um pouco mais de esforço se pode fazer daquelas instalações a Rádio Comunitária de Kalulu, ao que mantenho a minha doação como formador de sementes locais que se acham em boas doses no ISPTLO. Todos os bons kalulenses unidos podem sustentar a Rádio.
A propósito, Kenhê que montou uma sobre outra a composição de penedos que servem de enlevo encantador aos visitantes de Kalulu? Kenhê que duvida que a reposição da estrada que liga a Ponte Filomeno-Kabuta-Kalulu dará vigor à vila e ao município, dando-lhe a áurea do tempo em que Kyamafulu e EN120 inexistiam?
Apesar de conhecer todas as comunas do Lubolu (e as rodovias e picadas que partem da vila à Munenga, ao Kisongo e à Kabuta), de Kalulu e suas gentes conheço apenas um caminho: o que me leva a pensar insistentemente nas próximas gerações!

Texto publicado no Jornal de Angola de 06.08.2023