Apesar de os olhos infantis atribuírem grandeza distinta da visão adulta, o Kambuku, rio da minha e meninice de muitos kalulenses, encolheu.
Mostra-se, nesse Julho minguante, quase um fiozito, rasgando o vale que, nos anos oitenta do séc finado, enfeitava-se de hortas feitas por todos nós, empobrecidos ou endinheirados pelo dinheiro negado aos primeiros.
Fazer/ter horta, era sinal de pertença e honra à nossa matriz cultural (nossos hábitos campestres). Aí sim, alguns desviavam ligeiramente o curso da água para regar, repondo-a, depois, no leito habitual e natural.
O aumento da população em Kalulu (da Mbanze, Kasekel, Bairro Wambu ao Musafu), uns reproduzindo-se mais do que a produção alimentar e outros trazidos pela fúria das guerras e descontinuidade das roças e fazendas, colocou o Kambuku entre casas e casebres, trazendo a pertinência do debate sobre a necessidade da construção de um novo leito rochoso (feito de cimento e pedras que por cá abundam) para evitar o assoreamento e a desaparição do rio (a exemplo do Mwangeji, em Saurimo).
Num contexto de edificações padronizadas, sucedâneas a um plano de evolução urbanística, Kalulu seria hoje uma cidade digna dessa designação. Tamanha foi a sua elasticidade, chegando, na rota que nos leva à Munenga, até às proximidades do açude, construído sobre o Rio Tamba (que se junta ao Kambuku junto ao Bairro Musafu).
Nos anos oitenta e início da década de noventa, contavam-se as famílias, com líderes já idosos, que viviam na margem sul do Kambuku, (Estrada da Munenga): o mais velho José Branco e sua prole, a família Kandumba (sapateiro), o velho Tandela e sua família, o mais velho Kalungane (dono do palmar que se vé na baixa) e que tinha 4 esposas e vários filhos, a família Galanga, a tia Gina (mãe do Digão) e seus filhos, o mais velho kiteke (que depois se tornou padrasto do Digão) e sua família. O fundador do bairro foi o senhor Buto, detontor de uma família composta por 3 esposas e vários filhos. Vivia ainda, antes na ponte sobre o Kambuku (sentido Munenga-Kalulu), a velha Helena, mãe do senhor Francisco Geraldo.
Depois da casa do idoso sapateiro, ficava o Posto de Controlo e, mais além, a Estação de Tratamento de Água. Não era dada permissão para construir atrás do controlo.
Pela via da Kabuta, Kalulu esticou-se até às proximidades da Fazenda Barata, onde se ergueu o novo aeródromo que nas nossas vozes é "aroporto".
A zona conhecida como Mangueirinhas, ontem Quartel das tropas LCB, que se achava escondido atrás de rochedos, é hoje um novo conglomerado habitacional que alberga o Posto de Correspondência da RNA. Já apelei "ene" vezes que com um pouco mais de esforço se pode fazer daquelas instalações a Rádio Comunitária de Kalulu, ao que mantenho a minha doação como formador de sementes locais que se acham em boas doses no ISPTLO. Todos os bons kalulenses unidos podem sustentar a Rádio.
A propósito, Kenhê que montou uma sobre outra a composição de penedos que servem de enlevo encantador aos visitantes de Kalulu? Kenhê que duvida que a reposição da estrada que liga a Ponte Filomeno-Kabuta-Kalulu dará vigor à vila e ao município, dando-lhe a áurea do tempo em que Kyamafulu e EN120 inexistiam?
Apesar de conhecer todas as comunas do Lubolu (e as rodovias e picadas que partem da vila à Munenga, ao Kisongo e à Kabuta), de Kalulu e suas gentes conheço apenas um caminho: o que me leva a pensar insistentemente nas próximas gerações!
Texto publicado no Jornal de Angola de 06.08.2023
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