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quarta-feira, abril 29, 2020

QUINZE ANOS DE "OLHOATENTO"

Muitos textos,
Outras páginas temáticas emergiram daqui,
Muitos amigos: de Lisboa a Angola e ao Mundo. Estiveram na origem desta página os estudantes do III Curso de Jornalismo e Novos Medias destinado aos PALOP, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian e ministrado pela Universidade Católica Portuguesa:
- José dos Santos, Carolina Barradas, Alves Fernandes, Fernando Borges, Pe. António  Estevão (Angola)
- Ouri Pota, Diamantino Mazuze (de feliz memória), Josina Taipo, Pe. Benvindo Tápua e Faruco Sadique (Moçambique)
- Manuel Dênde e Teutônio Menezes (STP)
- Helmer Araújo, Salvador Gomes … (Guiné Bissau)
- Anatólio Lima e Alexandre Semedo (CV)

Veja aqui: http://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/educacao/2007/11/50/Portugal-Jornalistas-angolanos-concluem-formacao,7af5ee4c-9602-4c5e-8d80-ad696a84bfcf.html

quinta-feira, abril 23, 2020

À CHEGADA DAS COMPRAS

- Mangodinho, Mangodinho, no Dondo já não encontrámos loja aberta. Polícia está mesmo a levar kuzu quem lhe apanham a vender fora do horário. Chegamos até Luanda e nos falaram as ventoinhas contra Covid-19 são outras, tipo é computador, e não essas de se soprar com ele no calor. - Atirou Madalena, perante o espanto de Mangodinho que tinha conferido tudo, menos os ventiladores.
- Não pode. A ministra disse mesmo ventilador e eu ouvi bem. Como é que de pé pra mão o produto muda de nome?
- Sim. Disseram que os tais ventiladores só pode haver nos hospitais e manuseados por médicos cubilas. Por isso é que voltámos de mãos à banana. - Acrescentou Sembe.
- Não é de mãos à banana, seu banana. É mãos a abanar. - Corrigiu Mangodinho. Mas continuem. E assim como é que vamos fazer para correr com o coronavírus?
- Sembe, você que estudou enfermagem conta tim-tim-por-tim-tim. - Pediu Madalena.
- Bem, Mangodinho, é assim. Os ventiladores são equipamentos electrónicos que ajudam a pessoa doente a respirar. Só podem ser instalados nas salas de cuidados intensivos dos hospitais e manuseados por especialistas qualificados. Disseram que nós nem temos ainda pessoas em quantidade e qualidade para trabalharem com os tais respiradores.
- E assim?
- Pois é, Mangodinho. Assim, voltámos com algum dinheiro. A outra parte comprámos, sabão azul, álcool e baldes com torneiras para colocar em todas as casas.
- Está bem. Descansem. Amanhã vamos informar a aldeia. O nosso foco deverá ser mesmo lavar as mãos.

segunda-feira, abril 20, 2020

A LAGOA DE TEREMBEMBE

Gosto de apreciar a lagoa (inicialmente natural) e aproveitada para destino das águas pluviais e da macrodrenagem da Cidade de Viana. A sete metros de altura, a partir do meu terraço, a lagoa e sua cercania parecem, a olho despreocupado, um manto de capim verde e vida aquática por baixo, destacando-se tilápia e bagre. Podia ser um encanto, mas não é, pois a pensar na sua evolução histórica o alerta bate.

O jornalista Luis Carlos Fernandes Lousada  descreve Terembembe da sua infância:
"A lagoa de Terembembe, da minha infância, ficava no mato, aquela área de Viana (entre o motel Montes Claros e a Comarca) já se podia chamar mato.  
Ao seu redor havia muitos gingongonos que são uns frutos silvestres que, quando estão maduros, têm a cor das uvas. São muito doces e quando os retiras do arbusto (com espinhos) este deita um líquido da cor de leite. 
A lagoa só ficava cheia nas grandes chuvadas (de Abril). Ficava tudo lavado e, de repente, apareciam milhares de sapos a coaxar.  Também chegavam os pássaros e até os patos bravos. É nesse tempo que aparecem os pássaros, sipaios amarelo e preto que pousam nos papiros que crescem  na margem da lagoa, os cardeais de 12 rabos de cor negra, com umas manchas amarelas perto das suas 12 penas que formam a cauda e os bengalinhas amarelo. Na borda da lagoa havia sempre vestígios de se terem feito as chamadas mesa da kianda. Todas estas lagoas têm a sua sereia e os cultores da kianda: metem toalhas com pratos e comida.
Nós só víamos os vestígios dos pratos partidos e alguns utensílios de cozinha. É o tempo mais bonito porque o capim e as kissassas (folhas) estão todas lavadas e o seu verde resplandece ao sol.
Na lagoa de Terembembe até tartarugas havia e, às vezes, apareciam as cobras ( jiboias) que metiam medo e mesmo as cuspideiras, de uma cor negro azulada. Quando eu e o meu irmão Zeca tomávamos banho, depois da chuva, com a lagoa cheia, a água ficava muito limpa, às vezes tínhamos que retirar os sanguessugas que se colavam às pernas. 
Era o tempo bom para a caça com fisga e com uma pressão de ar que tínhamos, ficávamos debaixo das mubangas à espera dos rabo-de-junco, das rolas e dos pimplaus. Foi o melhor tempo da minha vida.
Mas a lagoa é ainda muito mais do que isso! Antigamente, em Viana, as pessoas bebiam a água das lagoas/cacimbas que era filtrada pela pedra de Sanga...".
Hoje, poucos conhecem o nome da lagoa e nem está escrito o seu passado. O que se vê e se vai sabendo é que Terembembe vai recebendo, sem cessar, a água repleta de imundície que Viana inteira lhe dá. Já não aquela água limpa. É assim, dias sim, meses também. Sem outro destino para as descargas pluviais e águas residuais colhidas pelas sargetas, seria bom se fosse conferida maior profundidade à lagoa, bermas e "braços" pavimentados e uma utilidade ´lúdico-turística. Deixaria de ser uma simples entrada de água e lixos sem fim e os mais velhos do tempo do Lousada reviveriam as estórias que só Terembembe e uns poucos como o Lousada conservam.

quinta-feira, abril 16, 2020

OS VENTILADORES E AS VENTOINHAS


Quando viu e ouviu a Ministra da saúde a falar sobre a importância dos ventiladores na recuperação dos doentes da covid-19, Mangodinho não se deixou ficar atrás. Homem avisado, filósofo e previdente, para o seu povo, decidiu tomar a dianteira.
- Esses nossos governantes também metem pena. Como é que num país como o nosso, que já vai tendo energia mas com hospitais sem janelas, os ventiladores já desapareceram? Uma ventoinha custa comprar? Custa caro para termos só uns cento e tal ventiladores de Kabinda ao Kunene e do Lupito ao Lwaw? - Questionou-se para depois chamar o povo.
Não tardou para que o terreiro tivesse representantes de cada agregado familiar. Ao lado dele estavam o puto Sembe e a miúda Madalena. Esses já tinham estudado mais do que Mangodinho e eram os que ajudavam nos trabalhos de sensibilização comunitária.
- Bom dia meu povo. A nossa conversa de hoje é curta. Antes vamos aos procedimentos de distância. Quem já foi tropa sabe do que vou orientar e quem nunca foi olha-me com atenção e faz o mesmo:
- Volta inteira volver, err!
O povo girou o corpo em 360 graus e posicionou-se no mesmo lugar.
- Contem agora: um, dois; um, dois. Apenas os que calharam com dois vão se movimentar. Assim, abriremos espaço de dois passos entre as pessoas.
- Atenção, número dois executar dois passos à direita, err!
Os presentes executaram o movimento r ninguém ficou colado ao outro.
- Marcar círculos no lugar e puxar cadeira.
Executados os procedimentos de distanciamento, Mangodinho puxou a conversa do dia.
- Bem, vocês devem ter ouvido na rádio e visto na TPA (por lá tudo que seja televisão é TPA). Os ventiladores, disseram, são arma de combate à covid-19. Ou melhor, quem tem ventilador, a doença até lhe salta. Temos que nos prevenir. É ou não é?
- É. - Respondeu a assistência.
- Quem tem ventilador em casa?
- Eu tenho uma ventoinha.
- Eu tenho duas: uma boa e outra estragada.
- Eu tenho, mas já não sopra bem. -  Disse Sembe, secretário da aldeia.
Bem, temos que ter ventiladores. Hoje (sábado) e amanhã as pessoas podem se deslocar um bocado. Quem tem possibilidade manda já comprar ventiladores. Deve ser cinco ou dez mil kwanzas. Vamos aproveitar antes de acabar e antes de voltarem a fechar os caminhos. Vou passar declaração de viagem para compras. Passem na Munenga para pôr carimbo da Administração. O destino é Dondo. Se não houver, cheguem mesmo a Luanda. Tragam os ventiladores e a gasolina para o gerador comunitário. Sembe, pega a carrinha. Madalena, avisa o marido. É missão comunitária importante. Levem também  alguns produtos do campo. Quem tem galinha, põe galinha. Quem tem mamão, põe mamão. Cada um de acordo as possibilidades do momento. Cada casa tem de ter no mínimo um ventilador!

quinta-feira, abril 09, 2020

A ÚLTIMA LUTA DE PAULO KAMBANGELA

Em Kitumbulu dos anos setenta (fazenda, algures no Libolo), Paulo Kambangela era ainda miúdo que seu padrasto (avô paterno de Matoumorro) mandava correr com os macacos que davam cabo do milho.
O nome Kambangela (cigarra) está ainda por descortinar. Se calhar, quando nenê, gritava que nem uma cigarra estendida ao sol ardente do meio-dia. Quem é do campo já ouviu o grito estridente de uma cigarra.
Matoumorro, nascido depois do 25 de Abril (aquele Abril de setenta-e-quatro) conheceu Kambangela já aos 15 anos, embora soubesse da relação entre seu avô Ngana Muryangu com a velha Lulu, mãe de Kambangela.
Esguio, de altura média e com bom jogo de pernas e truques com as mãos que deixavam embasbacado o adversário da peleja, Kambangela ganhou, nos anos noventa (estamos a falar do século vinte) a fama de melhor lutador da aldeia de Kuteka. Que jovem não o reverenciava?
Kambangela, no dizer dos luandenses daquela época, "fazia ponta". Isto é, numa casa, podia surrar do mais novo ao mais idoso. À astúcia na peleja, juntava aspectos sádicos e virulentos.
- Éh, luta do mano Paulo só acaba quando ele ganhar. Se você lhe bate e foge ele te persegue ou te faz uma emboscada até te tirar sangue. É por isso que toda a gente lhe tem medo.- Diziam os púberes de então.

Por razões que nunca explicou, Kambangela nutria nutria um ódio visceral contra o seu antigo padrasto Ngana Muryangu, avô de Matoumorro. Assim foi que ao se terem avistado, em 1990, quando Matoumorro se refugiara na aldeia de Bango-de-Kuteka, fugido do ataque da Unita a Kalulu (25 Dez 1989), o lutador-mor encontrou no neto do antigo padrasto uma oportunidade de vingança.

Matoumorro, nos seus 15 anos, já era costureiro, profissão que aprendera dois anos antes com um primo com quem viveu em Kalulu. Estava, por isso, em casa do Ngunza-a Mbondondo, ajudando-o a colocar bainhas em alguns panos. Quando Kambangela, que era "kiphá" (contemporâneo) de Mbondondo, o viu começou a disparar em jeito de provocação.
- Xê, seu burro de merda, vais estragar a máquina de coser.
- Se o kota não saber, aprendi com o grande mestre Nguza-a-Soba e o kota Nando Mbondondo só me chamou porque sabe que posso ajudá-lo. Defendeu-se Matoumorro.
- Disseste o quê, neto de feiticeiro? Hoje vais me sentir que até o teu avô vai ressuscitar para te acudir.

Matoumorro ainda tentou justificar-se mas os cinco dedos calejados de Kambangela já tinham deixado marcas no seu rosto.

A audiência, conhecedora da malvadez do agressor, se conteve, embora reconhecendo que o rapaz nada fizera de errado para merecer tamanha agressão.
- Não te fiz, nada kota. Se me deres mais vou ter de me defender. - Atirou o rapaz, cujos nervos subiam à epiderme.
Ouvido isso, primeira vez em que Kambangela fora desafiado, o lutador da aldeia queria fazer do rapaz seu batuque.
- Lelo ngumuxika (hoje vou batucá-lo)! - Disse à plateia que aumentava minuto a minuto. Uns tentando acudir mas sem pretender se comprometer e outros com sede de ver sangue e um julgamento posterior na grande árvore do soba Mungongo.

Para o impedir de fugir, Kambangela pressionou Matoumorro pelos ombros, impossibilitando-o de se levantar da cadeira. Jamais tinha imaginado que o seu peso diminuto era vantagem para o adolescente que se pôs em pé com o adversário pendurado às costas.
Kambangela parecia estar lyambadu. Seus olhos eram sangue. Espumava pela boca à medida que rebuscava o mais profundo disparate contra o avô, o pai e a mãe de Matoumorro, por sinal sua parente.
Já fora da sala, levado às costas pelo adolescente, Kambangela tentou usar a sua táctica de sempre. Jogo de pernas, como fazem os pugilistas, e batimentos no peito que terminavam, sempre e certeiramente, com um golpe ao adversário.
Atento e já destemido, Matoumorro agarrou-o pelos ombros e espetou-lhe uma valente cabeçada que atirou o "Golias" ao solo rígido.
- Ewe?! - Gritou a plateia entre júbilo, pela derrota de kambangela, e medo do porvir.
- Corre. Vai. Fecha-te em uma casa. O Kambangela vai te matar. - Aconselharam outros.
A Cena seguinte foi Matoumorro a correr, seguindo os conselhos dos familiares mais directos e Kambangela a correr em direcção à sua casa, como se fosse em busca de algo contundente para se desforrar. Já não foi visto naquela tarde e noite.

No dia seguinte havia uma caçada pelas montanhas de Kitumbulu (junto à fazenda do avô paterno de Motoumorro (ex padrasto de Paulo Kambangela).
Não vai. Quando voltarmos vamos associar carne para ti. O mano Paulo pode te flechar. - Desaconselharam o rapaz a sair de casa.

Sem medo e com o atrevimento da idade, Matoumorro meteu-se a caminho do sertão, mesmo sem zagaia e flechas. Evitaram-se durante a caçada que durou 6 horas. Foi mais Kambangela quem andou distante do infante. De lá para cá nunca mais Paulo Kambangela lutou e ficou desfeito o seu mito de lutador invencível do Kuteka.