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domingo, outubro 29, 2017

VISITANDO KARIANGO, K-SUL

Estou sobre a ponte do rio Longa, a que chamam de ponte antiga, pois a nova está a ser construída mais acima, na nova estrada asfaltada. Aqui, as pedras em forma de tartarugas, combinadas com o os rápidos fluviais e a vegetação criam um efeito de beleza rara. Não há visitante que não roube minutos ao seu tempo, mesmo curto, para apreciar o cenário.

Ao que a natureza expõe, se acresce a presença de mulheres cuidado da roupa e as crianças que lavam a loiça, aproveitando uns pinos na água que, no tempo chuvoso, ganha uma coloração semi-acastanhada, quando vista à distância.

Distanciada 50 quilómetros da vila de Kibala, Kariango é um vilarejo que ensaia os primeiros passos, depois do impacto nefasto da guerra que afectou toda a sua infra-estrutura. Pouco sobrou da guerra (1975-2002) e da força destruidora da natureza.

Com excepção da administração comunal que beneficiou de reparos com cimento e tinta, as casas mais vistosas são aquelas reabilitadas pela construtora que ganhou a empreitada da Estrada Nacional 140, utilizando-as como alojamento para os seus trabalhadores não locais. 

Os pequenos serviços e o pequeno comércio só agora vão dando sinais, fazendo adivinhar dias melhores. Em Kariango está projectada uma mini-hídrica que, ao sair do papel, poderá revolucionar a vila, pois a energia eléctrica é um factor de desenvolvimento.

Sendo Kariango uma comuna potencialmente agrícola e onde despontam fazendas como o Projecto Terras do Futuro, é de crer que, com a estrada asfaltada concluída e a energia eléctrica projectada transformada em realidade, surjam na circunscrição pequenas ou médias indústrias agrícolas que podem revitalizar a economia familiar e regional.

Kariango é ponto de passagem entre os municípios kwanzassulinos de Kibala e Mussende, ligando esse último ao Bié, através de Andulo, e a Malanje, passando por Kalandula.
 
Obs: Texto redigido a 12.12.2012 que se confirma actual.

quarta-feira, outubro 25, 2017

OXALÁ CUMPRAM SONHOS

O parque automóvel é pertença de Oka (José Carlos Cunha). A aldeia é Cambau, na comuna libolense de Quissongo (Kisongo). Manuel Cunha, pai de Oka, aqui fez sua vida comercial e agrícola, tornando-se num dos homens mais respeitados pelos nativos. Oka que nasceu "acidentalmente" na vila de Calulo (Kalulu), perto de 35 km, cedo ganhou o gosto pelo conhecimento da terra, dos processos produtivos e de suas gentes. Os coetâneos e os makulu (mais velhos) contam que aos 13 anos já era "um dos motoristas do pai", metendo-se ousadamente em picadas com a sua Ford em busca de café e makoka dos postos comerciais e de recolha. Muitas vezes ficou "perdido pela mata" com a Ford enterrada na lama até o pai aparecer em socorro. "Há vezes em que a comida da viagem acabava e o rapaz, embora habilidoso e corajoso ficava a chorar. Afinal filho de patrão era também nosso patrão". - Conta o antigo cozinheiro.
- Filho alheio do velho Cunha e dona Marília, tem dias em que passa e a gente vê só o carro passou. Assim é porque tem pressa ou vai se encontrar com alguém. Outras vezes, pára mesmo para nos saudar e conversar. Todos, aqui no Quissongo sede, somos amigos dele. - Conta o septuagenário que diz ter estudado a iniciação com o Oka ou Sô Cunha.
As palavras elogiosas não vêm apenas de homens. As mulheres imitam um antigo pregão da "mãe comerciante", dona Marília: wenjié, wenjié! mbiji ya matona yeza kyá!
No Cambau, uns 18 km depois da sede do Quissongo, fica a fazenda e uma casa-acampamento. Os rapazes olham para os carros, tractores e retro-escavadeiras e fabricam sonhos. Tal como na infância dos quarentões de hoje, os rapazes de Cambau não desperdiçam as latas de óleo, margarina e até de conservas de sardinha. É com essas que reproduzem fielmente os equipamentos do parque, constituindo-se nos seus prediletos brinquedos do dia a dia.
Zito e Mingo são dois desses rapazes. Hábeis no ver, "gravar" as características e reproduzir. Zito tem um monta equipamentos e Mingo um camião cisterna. Ambos têm dez anos e estudam a primeira classe.
- A escola (construída pelo FAS) só abriu esse ano. Contam.
Mingo, Zito e demais meninos de Cambau alimentam o sonho de ser grandes, "assim como sô Cunha", dizem. Pensam em um dia conduzirem os tractores, buldozers, motoniveladoras e carros da fazenda. Por isso, estudam e sonham.
No ano passado, explicaram, todos os meninos e meninas receberam "brinquedos de fábrica": carros, motos, bolas, bonecas, fogões e muitas coisas. Mingo é quem mais fala.
- Alguns brinquedos já se estragaram e outros guardamos. Há vezes em que o Sô Cunha nos dá também rebuçados, leite e papas.
Os rapazes contam tudo sem reserva. Falam também dos medos em frequentar o rio em tempo de chuva por causa do Jacaré que "bate com a sua cauda e arrasta as vítimas para seus matuku (esconderijos sob a água)".
- É por isso que Sô Cunha meteu aqui chafariz de furo (artesiano). relataram.
São mais de uma dezena de fontanários espalhados pelas aldeias da região onde Cambau se destaca com as suas casas alinhadas, todas cobertas de chapas de zinco, mantendo, à entrada, equipamentos sociais como a escola, lavandaria, o posto médico e o jango social. A aldeia tem luz eléctrica 24horas ao dia.
- Esse senhor tem bom coração. A luz dele divide com o povo. Na fazenda dele, todos os trabalhadores (perto de 50) são mesmo daqui de Cambau. As chapas ele mesmo é quem ofereceu. Oxalá Deus "lhe" abra ainda mais as portas. Hoje, nem mesmo o Quissongo sede torra farinha com Cambau em termos de boniteza. - Finalizou Velho Joaquim, abordado à passagem do parque automóvel.
Oxalá que na próxima visita Cambau e arredores tenham rede telefónica para que a minha crónica não seja publicada em Calulo nem haja necessidade de regressar apressadamente à vila. Oxalá que Oka e os cambauenses realizem sonhos e continuem a crescer juntos.

Texto publicado no Caderno "Fim-de-semana" do Jornal de Angola do dia 19/11/2017

domingo, outubro 22, 2017

BENGUELA QUE OS MEUS OLHOS VÊM

Por três vezes, e com um intervalos de 2 em 2 anos, estive em Benguela (cidade) para actividades profissionais  e de lazer.
Benguela parece-me, à primeira vista, (aquilo que chama a atenção do visitante no primeiro contacto visual), uma cidade com:
- Ruas limpas, sem contentores apinhados de lixo, mesmo com os gritantes problemas de pagamento aos operadores já anunciados publicamente pelo então governador Isaac dos Santos. Até aqui, parece que ainda se vai aguentando (ou não será?);
-Jardins verdes, com rega permanente e bem cuidados;
- Árvores que não cheiram urina nem abraçam o lixo de mãos e pernas preguiçosas. Parece que os fiscais andam ainda atentos e os moradores conscientes de que "a cidade mais limpa não é a que mais se limpa, mas aquela que menos se deposita lixo em lugares impróprios";
- Valas de drenagem sem lixo, nem capim. Sim. Dá gosto ver e tomara que as demais cidades aprendam com ela;
- Continuidade estética: onde termina o asfalto não é (ao meu olhar não muito profundo) o início da confusão ou desordem habitacional;
- Casas não muito gradeadas e com crescimento do vidro: pareceu-me que ainda se vive livre, sem que as casas se tornem nas prisões voluntárias a que se submetem muitos dos habitantes de Luanda, "forçados" a levantarem os muros, gradeá-los e, às vezes, encobrir os quintais;
- Um super (que já foi nosso) a reclamar por clientes: será pelo facto de os produtos hortofrutícolas, cereais, pecuários e piscícolas se encontrarem antes da loja?
Verifiquei ainda:
- Um aeroporto a reclamar por mais aviões: vai-se bem por estrada, apesar dos seiscentos quilómetros de Luanda;
- Moto-táxis até à madrugada, todos ordeiros e cumpridores das regras de trânsito: tomara que fosse assim também em Luanda e outras cidades, sem receios;
- Mulheres e homens “da vida” como em todas as urbes angolanas do litoral: Por que não?!
Por tudo isso que tem sido um regalo para mim, as minhas felicitações aos benguelenses que têm sabido cuidar do seu património.
Que Luanda e demais cidades com estruturas decadentes lhe sigam o exemplo!

Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta de 13/07/2017

segunda-feira, outubro 16, 2017

UM MINUTO NO DESVIO DO GRABRIEL

Ruínas do jazigo fúnebre de Gabriel
No entroncamento entre as picadas do Luati e Quissongo, junto à travessia do rio Luha, o café já não vai ao terreiro nem enche sacos que davam dinheiro a Portugal, quando Angola era ainda Província Ultramarina de Portugal. Quem por lá passa sente o perfume das flores de café e ouve o chilrear dos beija-flores. Esses sim. São os mesmos, entra década, sai década. Mas o café não! Antes de phaka (desfiladeiro da cadeia montanhosa que cerca o Quissongo), na fronteira entre a Comuna de Calulo e a do Quissongo, à entrada do rio Luho, está uma fazenda cujo dono atendia por Gabriel.
Primeiro foram os portugueses que assassinaram o dono da fazenda. Depois foi a guerra civil que tornou impraticável a cafeicultura em grandes extensões do Libolo. Mas como a desgraça chama desgraça, os fogos descontrolados de todos os anos dizimaram as plantas de café robusta que se abrigavam debaixo do muxitu (mata).
Os aldeões da região da phaka (desfiladeiro) dizem que Gabriel foi o homem negro mais rico dos anos cinquenta, rivalizando com os alemães e portugueses que se haviam estabelecido no Libolo. 
- Tem um filho que vive em Luanda. Temos ouvido apenas falar. Seria bom se viesse retomar a fazenda. - Conta António Kixindo, cujo pai trocou força por dinheiro no cafezal em que hoje só restam poucos exemplares que ajudam a reconstituir a história.
Kixindo, catana na mão, seguia à lavra e repousava no cruzamento em que se enxergam dois pilares que suportavam um antigo alpendre ou algo parecido.
- Kota, esse lugar é sagrado. Aqui tem estória que quando os mais velhos contam você perde fôlego. - Disse provocador, depois de se aperceber que éramos caçadores de estórias incógnitas.
Contou que os brancos do tempo colonial invejavam o sucesso do Sô Gabriel, o negro que torrava farinha com os brancos em termos de café.
Oka indicando a outra picada que vai ao Luati
- Quando os brancos comprassem Chevrolet ou Ford ele também comprava. Um dia, quando a guerra (pela independência) rebentou, os PIDE "lhe fizeram" uma kikonda (emboscada) e jogaram o corpo dele mesmo aqui (apontava para a bi-forcação). A família aflita e sem saber o que fazer, ficou em volta do corpo ainda quente. Naquele tempo, chegar a Calulo era custoso. Quando um amigo do falecido Sô Gabriel chegou, vindo da vila (de Calulo), disse: o corpo enterrem mesmo aqui no jiphambo (bi-forcação) para que os malfeitores tenham peso de consciência ao passarem por aqui. É assim que esse lugar passou a chamar-se Sepultura do Sô Gabriel.
Antes do ponteco sobre o rio Luha, na picada que corta a phaka, está esse lugar de triste memória, cuja ousadia do "mártir" nos encoraja a trabalhar de igual para igual e a lutar pelo país.
 
Texto publicado no jornal Nova Gazeta de 23/11/2017

domingo, outubro 15, 2017

E AGORA?

Viram-se crianças. Ele mais adiantado na idade do que ela. Namoraram ao iniciar a juventude plena, ele,  e ela a findar a adolescência. Madó e Loló, naquele tempo assim conhecidos, seus pais e até seus avós nasceram e sempre viveram no Margoso. Estudaram em escolas diferentes, encontraram outros cônjuges com os quais juntaram trapos e formaram famílias. Viveram, porém, e vivem no mesmo bairro. Ele em um edifício de três andares, construído ainda no tempo colonial. Ela em habitação térrea.

             Já a caminho da senilidade, ele pai de menina, a Tininha, prendada por Deus e pela herança biológica. Uma "estraga sapatos" ao passar. Qual homem que se depara com sua carga e não tropeça? Ela, dona Madalena, Madó em tempos de menina, é hoje mãe de rapaz.

As conversas de comadre, entre Madó e amigas de juventude, levaram o Totó a se aperceber que no passado houvera um "affaire" entre a sua mãe e o pai da jovem que ele ardentemente cobiçava. Sentiu-se encorajado ao ouvir aquela conversa e conseguiu cravar o primeiro beijo à Tininha.

Com o tempo, conversas daqui e dacolá, Totó contou à namorada o que foram a adolescência e os factos marcantes entre seus progenitores. Outros factos lhes chegariam aos ouvidos, por meio de tios e tias com que os pais conviviam.
- Teu pai deflorou minha mãe! - Disse um dia Totó, despretensioso e a seco.
Tininha nem sim, nem não. Era ainda uma flor imaculada. Rolaram os tempos, cada vez mais eram vistos de mãos dadas.
- Esses meninos estão mesmo a seguir as peugadas dos pais. - Diziam os mais velhos do bairro que sabiam mas nada diziam.
Dias depois. Noite de pouca luz. Depois da telenovela das vinte e trinta, Tininha chegava a casa banhada de lágrimas. Saia, quase a cambalear, do terraço do prédio onde fora vista a conversar com o Totó.
- O que foi, filha? - Questionou o pai preocupado.
- Foi o Totó, pai.  Fez-me o que o papá fez à mãe dele!
 Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 29/06/17 
 
 
 
 


 

domingo, outubro 08, 2017

A GEOGRAFIA DO GIRABOLA E AS VIZINHANÇAS

Já imaginou alguém não ter vizinho para "brincar", desabafar quando haja desgraças ou comemorar as vitórias? Assim se apresneta a nossa "santa de cássia". Enclausurada, sem vizinhos da mesma competição.
Siga o raciocínio.
O Girabola (campeonato angolano de futebol de primeira divisão) joga-se na Huíla (Desportivo), que faz fronteira com Huambo (Cahála e JGM) e Benguela (1º de Maio e Académica do Lobito).
Benguela faz vizinhança com Kwanza-Sul (recreativo do Libolo). O K-Sul liga-se a Luanda (Petro, D´Agosto, Kabuscorp, Inter e Progresso do Sambila).
 
O Moxico, onde desponta a equipa Bravos do Maquis, está ligada à Lunda Sul (Progresso) e essa à congénere Lunda Norte onde a Esperança é Sagrada.
 
Uije está sem vizinho girabolista. A "Santa Rita" é wandalika!

quarta-feira, outubro 04, 2017

HERÓIS DE KWITU KWANAVALE

Sabalo Cambota, em vida também conhecido por Zito, foi soldado das FAPLA, inicialmente na 108 Brigada de Desembarque e assalto. Foram eles que "cuidaram" do famigerado Tembi Tembi (general da Unita), numa batalha, no Moxico, em que acabou baleado na perna. Regressado a Luanda, foi de novo "rusgado" e destacado em Mavinga e depois no Kwitu Kwanavale. Regressou desmobilizado, em 1992, com duas medalhas ao peito, outorgadas pelos governos de Angola e de Cuba.
Para mim, o primo Zito era a personificação do "nosso herói" e símbolo da nossa participação (familiar) nos eventos militares de maior visibilidade em Angola.
Infelizmente, Sabalo Cambota morreu de forma inglória, vítima de um acidente de viação, quando viajava, por cima de um camião lotado, do Libolo a Luanda.
Desmobilizado, sem como dar jeito à vida, nem mesmo um kit profissional, o primo Zito virou negociante de macroeira até "se dar encontro com a morte".
O governo angolano rendeu a merecida homenagem aos seus bravos heróis de Kwitu Kwanavale, erguendo no local um monumento que eterniza os feitos militares ali decorridos. Eu faço-o em relação e memória a Sabalo Cambota, filho primeiro de meu tio Xavier (Cambota) Canhanga.
 
Texto escrito a 20 de Setembro de 2017

domingo, outubro 01, 2017

A AVENIDA BRASIL

Quando a conheci era estreita, uma lombriga comparada às avenidas de hoje em dia. Vinha do Zé Pirão (ou mais abaixo). Aliás, até à Fazenda (Minfin), era ainda, no dizer do meu tio Ferreira Nganga, a Avenida Brasil, estendendo-se à ligação com a Quinta Avenida, lá pelos lados do Ajuda Marido (hoje Asa Branca).
Entre os locais e paragens que deixaram fama, destacavam-se: Cine Loanda, Zé Pirão, Alpega (Minars), Pica-Pau, Bombas da Segurança, Cáritas, lixeira do Kaputu (hoje largo do triângulo do Kaputu), linha férrea, Bombeiros do Kariangu, Imbondeiro do Cazenga...
Voltei a percorrer o troço da Avenida Brasil, hoje Avenida Hoji ya Henda, do Alpega ao Asa Branca. Está larga, do Beiral à cidade. Mas as obras nunca terminam. O nó sobre a passagem da linha férrea parece estar esquecido. A lentidão do trânsito automóvel faz-nos recuar dez anos...
Do antigo Imbondeiro ao Centro de Formação do Cazenga já não há Avenida Brasil. Aquilo é uma rua qualquer. Hoje, a Avenida Brasil parte do Imbondeiro à baixa. A rua das Comandos (Cuca-Deolinda Rodrigues) tem um troço alargado. Do Imbondeiro ao nó (passagem superior), a Avenida Brasil também foi alargada e resselada. O que resta, lá pela continuidade do Marcelo Caetano, até à praça Ajuda Marido (Asa Branca) é só poeira e buracos quando não é agua. É só...
Amputaram (a avenida) Hoji ya Henda, nosso herói juvenil?!
Que continuassem a designa-la Avenida Brasil. Ao menos doeria menos!