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quarta-feira, dezembro 29, 2021

OS VEÍCULOS E OS PA NA VILA DO EBO

São raros os carros, na vila do Ebo. Mais comuns, embora também poucas, se comparadas a outras cidades e vilas mais movimentadas como Kibala e "Sela" (ex Santa Comba Dão), são as motorizadas. Essas parece que vão conquistar espaço, agora que a rodovia de Condé ao Ebo (vila) foi alcatroada.

Quanto ao combustível, parece não ser ainda um negócio muito rentável para o proprietário do Posto de Abastecimento, dado que um consumo lento leva tempo a terminar o negócio.
O grande consumo pertence à administração municipal que tem a missão de fornecer, para além do hospital municipal e serviços administrativos, também às poucas casas electrificadas que contribuem com um valor mensal de Kz 5mil. Esta, a administração, não recorre aos Postos de Abastecimento para atender a demanda dos seus geradores.
Note-se que a energia para o consumo domiciliar é fornecida apenas das 18horas às 23horas, quando não há chuva que interrompa a segurança da prestação do serviço.
Passeando pela rua longitudinal saída de Condé e que morre junto à administração municipal do Ebo (foi-lhe acrescido um traço de aproximadamente 100 metros, fazendo um T), vemos duas bombas de combustível: a do Bairro Dongo (na imagem) que é o primeiro, à entrada, e outro Posto de abastecimento, já velhinho, com as cores da companhia nacional e que, dizem, "raras vezes tem os líquidos combustíveis".
Mesmo assim, algo despertou a nossa atenção: o turismo que se vê na imagem carregado de recipientes de 20 litros que eram cheios e levados para Condé e outras paragens.
Seguindo o rasto, pudemos nos informar que, mesmo nas barbas da vila, há gente que não se apercebe que as bombas têm combustíveis, comprando o litro de gasóleo a Kz 200 e o de gasolina a Kz 250. É o mesmo preço praticado na circunscrição administrativa de Condé, que fica a 25 km, em dias fastos, subindo o preço para Kz 250 e 300 em dias nefastos.
Se calhar, fosse bom instalar mais um Posto de Abastecimento, nem que contentorizado, no Condé, dada a importância do vilarejo que se situa na rodovia entre Kibala e Gabela.
Longe do asfalto deve haver outras estórias!

quarta-feira, dezembro 22, 2021

DISTÂNCIA DESINIBE QUEM QUER TRABALHAR

Entre Kakuzu e Kizenga, está Kambunze, um sector administrativo com edifícios (muitos) em ruínas que mostram a grande e viva vila que foi em tempos idos, quando o comboio era o principal meio de transporte colectivo no corredor Luanda-Malanje.
Pelo que já andei desta Angola, há sedes municipais que nunca tiveram um conjunto de infraestruturas ao quilate de Kambunze. A vila está afastada uns 2 ou 3 quilómetros da rodovia asfaltada que nos leva a Malanje. Mas é a 30 quilómetros de Kambunze, a caminho do rio Lukala, que um mukwaxi¹ foi "plantar sua árvore", de cuja sombra espera abrigar-se quando se reformar definitivamente.
Diferente dos que procuram terras para cultivo somente ao pé do asfalto, o mukwaxi adentrou o sertão 30 quilómetros até encontrar terra com mais planura do que declives que lhe permitiram instalar pivots de rega.
"A agricultura de sequeiro é insegura e pouco produtiva nesses tempos de secas e estiagem", disse.
A água permanente e em abundância era outro desafio. Aproveitou as formações do relevo que permitiram construir diques em pequenas nascentes e ou zonas de possível retenção de água pluvial, como também foi ao Lukala, 12 quilómetros do centro da fazenda, para alimentar os pivots que já vão a dezena e meia.
Uma conduta de 500 milímetros alimenta os diversos tanques e diques espalhados pelos milhares de hectares. O bombeamento é feito por potentes dínamos, movidos à energia eléctrica da rede pública que fez chegar a todos os pontos do empreendimento.
Só de olhar para os investimentos em energia e água é de se lhe aplaudir a ousadia até rachar as mãos.
"Hoje pagamos uma factura mensal de energia que vai a volta de 4 milhões de Kwanzas, mas não a deixamos por liquidar sequer 24 horas, pois, quando comparado ao que se gastava em gasóleo e manutenções, é um grande alivio", confidenciou o gerente do Projecto Pipe que existe desde 2010.
A soja e o milho, às vezes comprados antes de ser semeados, são as culturas mais visíveis, mas há um pouco de tudo: mangueiras, morangueiras, bananeiras, abacateiros, citrinos, nespereiras e batateira.
O empreendedor apoia a comunidade local, organizada em cooperativas, que beneficiam de preparação mecanizada de terras e sementes melhoradas de batata-doce que cuidam e colhem, repartindo os lucros da venda.
"Nós empregamos nossas máquinas que cuidam de toda a preparação da terra e fornecemos as sementes melhoradas. Eles têm gastos com o plantio, sacha, colheita, transporte e venda. É só depois de descontarem os seus gastos que vêm para dividirmos os lucros", contou o gerente, acrescentando que "há agricultoras cooperantes que já compraram carrinhas, fruto desta parceria".
Difícil seria toda essa empreitada sem estradas interiores em condições. O que observámos foram picadas largas (perto de 20 metros) em manutenção permanente e com varias ramificações, conferindo conforto e segurança ao condutor e durabilidade aos meios rolantes. Se a distância entre Kambunze ao rio Lucala é de perto de 45 quilómetros, a malha rodoviária interna pode chegar aos duzentos quilómetros.
É isso que alegra a todos e fazem todos crescerem juntos. Ao contrário dos que se confinam à berma da estrada asfaltada, pleiteando terra escassa com os aldeões nativos, não há distância que impeça quem tenha vontade de empreender.
A vontade de fazer vence a mata cerrada e faz nela emergirem autênticas rodovias que invejam cidades litorais!
=
¹ Nacional, natural, local.
Foto: rio Lukala.

quarta-feira, dezembro 15, 2021

OS TECTOS QUE O VENTO LEVA

Andei por Malanje e Kwanza-Norte. Adentrei municípios, comunas e aldeias interiores, onde os passageiros de carros que passam apressados não se dão conta da existência de gente que trabalha, que devia estudar em condições melhores e que luta contra o sol, contra a fome, contra a falta de rodovias e contra o frio.

Em Kambunze (Malanje) e Ndanji-ya-Menya (Kwanza-Norte), só para exemplificar, vi imagens como esta (foto tirada na comuna de Ndanji-ya-Menya ou Dange ya Menha). Repare o tecto do equipamento social erguido pelo Fundo de Apoio Social, FAS. Ninguém faz nada?!
Como este vi muitos: mercados comunitários (em maioria), escolas e equipamentos escolares (alguns ainda com tinta fresca) estão sem tectos. Levado pelo vento, pelas mãos larápias ou por ambos?
E a comunidade vê e não reage? A autoridade do Estado inexiste? A administração local não repõe, quando é acção de força natural do vento? Não põe ordem com as forças para a manutenção da ordem, quando são mal intencionados destruidores de coisa pública quem arrancam os tectos?
É conhecido o destino de carteiras, quadros, secretárias, sanitas e outros meios das escolas sem cobertura?
É amparado o material médico de postos e centros de saúde visitados pelo vento e ou mãos gatunas de cidadãos que podem ser localizados e castigados à medida dos seus actos?
Infelizmente, tenho apenas olhos que vêem e mente que pergunta.

quarta-feira, dezembro 08, 2021

OFERTAS E CARÊNCIAS DE KALANDULA

Cascata encantadora!

O Lukala, nascido no Negaje, cai de uma elevação superior a cem metros, criando um cenário visual raro.

Enquanto a água enfeita de "branco" as paredes pedregosas, cá abaixo é o hongolo¹ que nos mostra "quantas cores tem o mundo"!
À chegada, os rapazes que se apresentam como "guias turísticos", uns maltrapilhos e outros exibindo t-shirts com essa inscrição, apontam três locais para contemplar a beleza ímpar: o miradouro, a parte baixa do rio, onde a água se reorganiza, após a quada, e a pousada do Sr. Faísca, única naquela instância, que se acha no lado oposto, sendo que a entrada é antes do desvio para Kakuzu.

João Domingos Manuel é guia. Tem 20 anos e estuda a décima segunda classe no institutos médio da igreja católica. Explicou o porquê da ausência de iluminação junto ao miradouro, "construído em 1927".
De sua voz, soube que "primeiro deixaram de pagar aos guardas e depois os populares de uma aldeia próxima roubaram as baterias e as placas solares".
Mesmo identificados, continuou, "não foram repostos os bens surripiados, pois as lâmpadas também reclamaram substituição".
O jovem explicou ainda que "não há taxa fixa" para o acesso ao local.
"O visitante paga o que puder/tiver", valores que "vão às mãos do soba".
- Ah! Não é a administração de Kangandala quem cobra e cuida do local? - tentamos ainda indagar.
- É com o soba que me divido o dinheiro. - rematou.

Havia outro infante que trajava uma camisola escura, já sem cor exacta, se foi preta ou castanha. Era um pouco veluda e trajada no avesso. Seus pés mostravam o quão ele e a água não se comunicam com frequência. Perdi-lhe o nome. Foi o primeiro a se apresentar como guia. Dizia-me que "o rio nasceu na província do Negaje, município do Uije" (inverteu). Não o dispensei, mesmo depois de encontrar o João Domingos Manuel, mais hábil e com conhecimentos melhor estruturados.

- Estuda, anda com os mais velhos para saberes e, quando fores grande, te tornares num bom guia. - Dei-lhe conselho e Kz 500, antes de deixar o recinto.

Naquele domingo, 31.10.2021, o local estava cheio. Viam-se até expatriados. Não vi apenas tonalidades de pele. Ouviam-se vozes em línguas europeias e asiáticas. A beleza e raridade do "acidente natural" são convidativos. Os filósofos deixaram escrito e clarificado que "o belo deve ser contemplado". Faltava, entretanto, algo que fizesse o visitante demorar: os serviços de restauração e toilette.
Tirando jinguba mal torrada com banana assada na brasa e umas kabwenyas fritas num óleo que nunca se deitava, nada mais havia. Nada mesmo!
- Que turismo é esse que apenas engorda o olho sem atender ao estômago e às necessidades da bexiga?


Do outro lado, na pousada que repousa majestosamente no morro, dizem que uma noite custa Kz 130 mil e paga-se também pelo acesso ao local e parqueamento da viatura.
- Come-se bem e há sono tranquilo. A vista também é maravilhosa! - Contou-me um mwadyakime² que agriculta pelos lados de Kakuzu.
Por isso, a Pousada de Kalandula será o próximo roteiro, ates de visitar outras quedas, menores, nomeadas Museleji que ficam a uns poucos quilómetros à jusante de Kalandula.
=
¹ Arco-íris.
² Mais velho.
Obs: crónica publicada no Jornal de Angola, 14.11.2021

quarta-feira, dezembro 01, 2021

VIANA REAL

É sábado. Dirijo-me a uma barbearia que fica nas imediações da Igreja Metodista e, mal pus o corpo no passeio, a saudação do barbeiro é:

- Kota, tens mais uma máscara?!
- Para quê? - Indaguei surpreso.
- Para tô kasule, mô pai. Sei que se eu não me mascarar, o pai não vai cortar cabelo!
Sem pedir a dedução do valor da máscara ao serviço que me prestaria, fui ao carro e peguei mais duas: uma para a minha reserva e outra para ele.
Hora e vinte depois, quando tinha pedicure feita, cabelo e barba aparados, procurei sair para o carro.
Um rapaz, franzino, meio sujo, cara de quem sofre um sofrimento alheio, pois crianças deviam ser felizes na sua inocência... o rapaz levava uma caixa para engraxar sapatos e aguardava-me junto à porta do carro, se calhar, para pôr-me a ver o meu rosto no sapato limpo.
- Papá, por favor, pode pagar-me uma pomada? - Disse, quase implorando, ao mesmo tempo que mostrava a fome, os ossos que lhe restavam do corpo e a vontade de ganhar seu pão justo.
Travei as lágrimas para puxar a minha fita, dos idos anos de 84-87, e atender-lhe ao pedido.
- Espera aí. Quanto é a graxa? - Questionei para puxar conversa.
- É cem.
- E a pomada?
- É trezentos, pai.
O rapaz parecia começar a perder a paciência. Li-lhe nos olhos que procuravam cliente que desse sapatos a engraxar ou por um patrocinador para a requerida pomada.
- Espera filho. Onde é que vives?
- Na Boa Fé?
- Tu deves ter sete ou oito anos. Me parece...
- Não pai. Tenho 11 anos.
- Com quem vives?
- Vivo com a minha mãe.
Para prender a sua atenção, eu vasculhava o carro, aos olhitos acesos dele, a ver se encontrasse dinheiro.
- Que faz tua mãe? - Voltei a indagar.
- Não faz nada.
- E teu pai?
- Não vivemos com ele.
Não perguntei se tinha irmãos.
Peguei em duas notas de duzentos Kwanzas e pedi que se aproximasse.
- Tens cem?
- Não. Mas vou procurar.
Era a vez dele de vasculhar a caixinha e os bolsos até encontrar uma moeda que me entregou.
- Os trezentos são teus e tens a pomada paga.
- Muito obrigado, papá! Posso limpar poeira nos teus ténis?
- Não precisas. Ainda irei ao campo e voltam a sujar. Mas responde uma coisa.
- Estudas?
- Sim. Estudo à tarde na escola ao lado dos Escorpiões da Boa Fé.
- Muito bom, filho. Ouve. Vou te contar uma verdade. Nos anos oitenta, para ti é já há muito tempo. Havia guerra e eu sai do Libolo com dez anos. Posto em Luanda, também vendia para ajudar a mãe que era viúva e comprar cadernos. Estou aqui hoje, como me vês. Estuda. Está bem? Se estudares, podes ser administrador de Viana, governador de Luanda ou mesmo ministro. Estás a ouvir bem, nê?
- Sim papá!
- Toma os cem Kwanzas que me deste de troco. Pensa sempre no conselho que te dei. Não fica bandido por causa do trabalho ou da estiga dos colegas e amigos. Eu também passei por isso.
O rapaz recebeu a moeda e meteu-se na padaria, que se achava a metros, para comprar pão. Afinal, já tinha dinheiro para a pomada!
Parti em direcção à administração municipal para me encontrar com o chefe da "Brigada kamartelo". Há muito que os fiscais do Zango brincam como javalis na minha lavra.
Nem por voz nem por mensagem o encontrava. Parti para a obra. A entrar para a rotunda do Zango 2, surge um motoqueiro da polícia e outro que me mandam, arrogantemente, retirar o carro da via porque vinha uma coluna de civis que, no pensar deles, "tinham mais direitos do que todos".
Abri o vidro e disse ao polícia:
- Carros deles têm dois eixos como o meu. Também vou trabalhar e ninguém vai ao piquenique.
O jovem polícia mostrou educação mas estava a cumprir ordens. Continuou accionando a sirene e mandando abrir o caminho para os "donos da estrada" passarem.
Os apressados e poderosos lá se foram. Era uma coluna de uma dúzia de jeeps.
- Quem era o todo importante mobilizador de batedores?
A resposta ficou perdida na floresta da arrogância renascente que alguns patriotas de ocasião vão impondo ao povo heroico e sempre generoso para com os passageiros de última carruagem.
Segui atrás do fumo deixado por eles que se perderam no horizonte. Parecia terem ido ao Kalumbu ou proximidades.
De regresso, aborrecido, com os "assaltos" semanais à minha obra por parte dos fiscais de Viana e do Zango, sou novamente apanhado no mesmo local pela mesma coluna.
O primeiro batedor mandou-me retirar o carro. Ignorei-o. Veio o segundo, o mesmo que me abordara em voz. Baixei o vidro e mostrei meu crachá. Mas ele não tinha tempo. Outro polícia de trânsito, que se achava fora daquela patrulha a fiscalizar os candongueiros, fez-me sinal para que eu acostasse, sem no entanto parar. Entendi-lhe a elevação. Parei ao pé dele e disse-lhe em voz doce:
- Meu jovem, também estou a trabalhar. Se eles têm pressa que arranjem boas estradas ou que saiam cedo de casa!..
O jovem polícia aprumou-se e "ofereceu-me" uma continência a que agradeci prontamente.
Salvou o meu dia de um pecado por palavras asquerosas.

Texto publicado no Gazeta: Lavra & Oficina (UEA), ed. Out-Dez. 2021