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quarta-feira, maio 14, 2025

AKUKU, MAKAYA YATEMA!

À mesa, um despertador, à corda, barulhava no seu tic-tac-tic-tac a cada segundo que passava. No fundo, ele era também um relógio destinado a marcar apenas a hora do almoço.

Os meus conhecimentos, aos 4 anos, se limitavam à hora treze. Era naquele momento em que ele gritava furiosamente, como um comboio descarrilado.
_ Trimmmmmmmmmmmmmm! vibrava ensurdecedor, às vezes, que a avó Kikumbu, já no limiar da sua maioridade, chegava a não perceber o mundo à volta.
_ Ndeno kamwasene (1), vociferava a velha aflita.
O almoço, este, estava sempre pronto antes daquela sineta que nos punha voluntariamente de pé e a correr, rumo à baixa, ao riacho inseminado de peixe de água doce que meu pai se gabava de ter sido o obreiro.
Estávamos na Fazenda Kitumbulu do meu avô Fernando Dambi ou Ngana Muryango onde se diz me terem encomendado para nascer, no Mbango de Kuteka, no óbito doutro meu avô, o materno, Knyanga Mungongo ou Ñana Ñunji que era soba grande, exercendo o seu poder de régulo a partir da capital do território, Mbanze yo'Teka.
É pena que as minhas vivências com o avô Dambi tenham sido na primeira infância e o meu "saco" do passado carregar muito pouca informação, mas escreverei, um dia, sobre o toque de chamada daquele velho empenhado em trabalhos campestres ou consulta de adivinhação".
Primeiro tocava o despertador a que chamávamos de relógio de mesa, depois alguém tinha que pregar um enorme berro, à distância, com o código secreto:
_ Akukuééééé, o makaya yateméééé! (2)
E lá vinha ele, meio satisfeito por poder matar o bicho, meio aborrecido por não ter terminado a empreitada. E todos, filhos, netos e visitantes que eram frequentes, sentávamo-nos à mesa para o repasto, regado com makyakya(3) para os mais-velhos.
À tarde, normalmente, era passada em conjunto no terreiro (4) ou no corte de ngando (papiro) material para a confecção de esteiras e outros objectos de cestaria.
Aos sábados e domingos, os homens adultos (sempre o avô, o pai, o tio César e outros visitantes) iam à caça com arcos, flexas e cães. Nós, os miúdos, acompanhávamos as nossas mães à pesca com cestos ou aproveitávamos a ausência dos pais para as nossas aulas práticas de armadilhar perdizes, pacas, macacos, pássaros e pescarias com nassas e anzóis carregados de salalé e minhoca.
O Atenção, cão pastor alemão que meu pai tinha conseguido do patrão da Fazenda Roussel, era o que mais caçava e, por isso, o mais querido da comunidade. Mas havia ainda o Tigre, o Tunga Laô, o Kelula e outros de cujas façanhas me lembro pouco. O meu querido Atenção, que teve durante a minha infância muitos xarás, foi morto por uma onça depois de renhida peleja que deixou ambos em estado crítico. Tanto o meu pai o curou, mas, não resistiu aos ferimentos. Teve funeral humano com uma caixa e campa em reconhecimento dos seus feitos. Do lado oposto, os caçadores da comunidade encontraram a onça esquelética debaixo de uma árvore, onde eventualmente tentava, também, curar-se das mordeduras do Atenção.
Às noites, à volta da fogueira, os adultos eram autênticas bibliotecas de secular saber. Contavam-se adivinhas, estórias de animais e histórias de factos ocorridos num tempo de ouvir dizer. Da escrita pouca importância se dava, mas a “oralitura” era obrigatória. Saber desvendar a genealogia era uma perícia apenas dos bons filhos, aqueles a quem se dizia algo, ouviam, interiorizavam e materializavam ou replicavam. Eram esses os interpretes nas conversas adultas e nas longas viagens. Os mais velhos deixavam os monitores começarem com as perguntas e respostas dos mais novos... Uma aprendizagem que se processava por meio da repetição diária de um rosário costumeiro a que os anciãos acrescentavam novos elementos. Novos contos, novas fábulas e novas experiências que complementavam os já absorvidos pelos noviços... E havia pedagogia!
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1 Vão chamá-lo!
2 Avô, o tabaco à beira do lume quase que queima!
3 Kaporroto.
4-Local onde se secava e ensacava o café
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Publicado no Jornal de Angola de 19.01.2025

quinta-feira, maio 08, 2025

CONHECENDO VIZINHOS

Há mais de 15 anos que vou ensaiando travessias fronteiriças (por terra), tendo conhecido os postos de Dilolo Gare (Lwaw), Kasanda (Lunda wa kusangu), Luvu (Zadi), Masabi (Kabinda) e Santa Clara (Namakunde). 

O comércio, "motor de maior potência" é que, normalmente, dá vida aos movimentos fronteiriços pendendo estes mais para o lado forte. [Os laços familiares também têm influência, mas não são os que chamam as alfândegas, zungueiros, carteiristas, malabaristas e outros agentes do bem e do mal]. Quem tem mais a dar vende mais e recebe mais dinheiro que robustece a economia do seu país e povo.

Atravessei a fronteira, via Kasamba, saído de Dundo, por duas ou três vezes, tendo comprado bubus, vestidos e camisas congolesas chamado pelo pregão "basin de qualité". As bijuterias, maioritariamente, "banhadas" e passadas como verdadeiras, são deles. A comida, os combustíveis os electro-domésticos e os Kwanza são nossos, mas é deles a praça maior. Ou seja, há maior número de vendedores quando a praça é deles (do lado deles). 
Em Dilolo, a "visita" calhou-me em um dia de mercado aberto. Os angolanos vendiam kakeya, mandioca e outros produtos alimentares que não eram tantos. Os "zaikôs" tinham quinquilharia diversa e vestuário "made at home", apresentando-se ávidos de atravessar e ficar, enquanto os deste lado (mais ao mar), quando passassem os quilómetros permitidos (ou dentro do raio) era para buscar saúde ou visitar parentes. 


Tal encontrei no Luvu [2014], quando a formalização de laços familiares entre o meu irmão e uma moça de Mbanza-a-Kongo me levou ao mercado fronteiriços à compra de "Or", malavu, sapato-sola-seca e outras coisas infalíveis em um pedido de casamento tradicional [bantu]. O gasóleo, petróleo, feijão, arroz, peixe fresco e seco eram nossos. Eles também vendem coisas, mas as habituais e acima descritas. 

Em todos os pontos fronteiriços visitados, há desequilíbrio entre quem vende o quê, mas nunca como vi na fronteira a Sul, onde os que mais vão e voltam somos nós [angolanos]. E dizem que a taxação alfandegária "desregrada?" afugentou os comerciantes empresariais, deixando o posto fiscal à mercê dos revendedores de rebuçados e maçãs. Não tive tempo para confrontar e não pode essa passagem ser tomada como verdade acabada, embora se notem cada vez menos compras empresariais. Isso é verificado e os moradores contam-no de boca desabrida. O que não diminui, porém, são as idas e vindas de angolanos para comprar coisinhas que devíamos já ter para consumo imediato ou encontrar algo que se venda no nosso lado para o consumo deles. Esse é um desejo ardente, mas o que é que eles, namibianos, não têm e que precisam de comprar em Namakunde/Santa Clara?

A planície com escassa vegetação é a mesma [nos dois lados]. A seca no tempo de estiagem e as zonas alagadas quando chove são as mesmas. A estrada sem buracos, as casas [grandes, médias ou pequnas] contruídas de forma ordeira, os campos de masangu e masambala à beira da estrada e das aldeias, as manadas sempre acompanhadas de pastores e fora da rodovia são deles. 







 


quinta-feira, maio 01, 2025

ANTIGAMENTE: NANYI WANGIBONGELA KAMBONGA KA DYALA?

[Quem terá encontrado uma criança de sexo masculino?]

O tambor, uma lata de leite em pó de qualquer marca, agredido por um ferro, um pedaço de madeira ou uma pedra, gritava ao máximo de sua força e potência sonora. Pá-pá-pá-pá.

Atrás do som, uma, duas ou três senhoras, lábios secos e pés empoeirados de tanto gritar e caminhar, soltavam um coro, alegre para a nossa inocência de kandenges e preocupante para as mamães que podiam estar naquela situação um dia, a contar com as nossas travessuras e o seguidismo ao Mam-Brás, ao cavalo-tica-tica, e, sobretudo no tempo de Carnaval [que ainda era da vitória]. Essas, as mamães, confirmavam antes a presença dos seus tumbonga e prestavam-se em passar informação e pedir detalhes sobre o garoto ou garota desaparecida.

- Pá-pá-pá... O gritar intrépido da lata já ampliado ia deixando rasto na rua varrida, manhã cedo, pelas mamães que não permitiam o convívio com a imundície com que nos confrontamos hoje. Nisso de limpeza das ruas, cada mamã ou sua filha, adulta ou adolescente, atacava o seu lado. O lixo tinha lugar, o balde, no quintal, e depois o depósito com ou sem contentor.

Atrás do barulho da lata, ou quase em simultâneo, a manhã aflita e suas companheiras gritavam, quase já sem forças. Animava as apenas a esperança em reencontrar o filho amado.

_Nanyi wangibongela kambonga Ka dyaléééé? E a lata tambor continuava batucando.

É esse o Rangel do meu tempo, século passado, quarenta e cinco anos já.

E o som, as trambiquices, as magoelas na carroça do carro do vizinho ou dum visitante qualquer, as pescarias de "bagudas" na vala Senado da Câmara, junto ao Catetão, as cercanias da DTA para apanhar loiça descartável já descartada, os pinos na Chicala e ou na Praia do Mbungu, as castanhas de caju que só o comboio permitia chegar ao quilómetro trinta de Viana, tudo isso ainda no ouvido e na memória.

- Vocês, estão a ouvir né? É melhor tomarem cuidado. Se calhar quem se perdeu é vosso amigo da bola ou de brincadeiras. Quando a mamã fala não sai é mesmo para não sair.

Qualquer vizinha era tia. Era mamã no aconselhar, no repreender, se necessário, e acarinhar quando injuriado. 

_ Filho 'lheio tem 'mbora razão dele. P'ra quê só fazer no filho da outra quando você também tem kambonga? - Acudiam, quando nos visse injustiçados.

Hoje, com escolas do povo, colégios privados, ATL e creches para todos os bolsos, media e redes sociais para todos, nem o pregão que procura o filho desaparecido, nem as brincadeiras são as mesmas. Tudo mudou. Até às razões das desapropriações dos meninos. Hoje a atenção redobrada é com raptores de menores. Porque a TV os jogos, as escolas e os quintais murados feitos prisões já não as leva tanto a caçar gafas, apanhar peixinhos para guardar em aquário de garrafão cortado, nadar inocentes no perigo da Chicala e Mbungu ou pendurar-se ao comboio para chegar à fonte de castanhas de caju. São outros os males e os remédios também.

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Publicado pelo Jornal de Angola, a 30 de março de 2025.

terça-feira, abril 29, 2025

DUAS DÉCADAS SEM PARAR

Sede do Gov Prov destruída
pelos sul-africanos


A 29 de Abril de 2005, criei desta página, em Lisboa, na Universidade Católica de Portugal.

O 20° apanha-me em Ondjiva, Kunene, em missão de serviço.

Folgo em comemorar 20 anos de comunicação permanente e diversificada. 

A página, inicialmente "olhoatento" (que equivale a "mesumajikuka", em Kimbundu), deu lugar a outros blogues temáticos como: olhoensaios [ensaios diversos], provérbios [aforismos], atura-liter-atura [esboços ficcionados], agricult'arte [dicas sobre plantio] e 10encantos [poesia].


Dedico esses vinte anos aos meus leitores, os de sempre e os novos.


segunda-feira, abril 28, 2025

LONGA: KWANDU NYI KUVANGU

"Aqui travaram-se encarniçados combates pela defesa da pátria ameaçada. Aqui tombaram camaradas" de várias procedéncias do nosso vasto país". Aqui se conta, nos dias que correm, estórias sobre resistência ao colono, na Sub-zona da terceira Região Político-militar do Glorioso, estórias sobre a resistência heroica contra os invasores sul-africanos quando os homens de Roelof Pik Botha e Pieter Botha pretendiam fazer em Angola um "passeio turístico" militar em socorro a amigos angolanos que a história se encarregou de catalogar. 

Hoje, a luta é reerguer o que se destruiu durantes as várias guerras (contra a ocupação colonial, contra a invasão sul-africana, contra a insurreição interna) e construir coisas novas. É produzir arroz, milho, leguminosas e tubérculos e aumentar o nível académico-cultural dos seus habitantes. 

Longa, com os seus perto de cinco mil almas, é uma comuna que "perdoa o passado lúgrubre", mas que jamais o esquecerá para que não se repitam as atrocidades que apagaram vidas e transformaram em escombros casas, lojas, hospitais e outros haveres.

A carcaça de um helicóptero militar danificado na cabeceira da pequena pista de terra batida da comuna do Longa e alguns edifícios coloniais convertidos em pedaços pela aviação e artilharia "inimiga" são hoje registos históricos que devem ser legados de geração em geração.

Os meninos do Longa contam a História lida nos poucos livros existentes e jogam à bola num pedaço lateral do "campo de aviação". 

A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a língua portuguesa a segunda língua, obrigatória apenas na escola que foi,  felizmente, poupada e reconstruída. 

"Outra maior, de 12 salas, construída de raiz, aguarda pela inauguração, devendo elevar o nível de ensino e o  número de alunos escolarizados", contou João Mbambi, profesor do primeiro ciclo do ensino primário que ganhou um [livro] "Relógio do velho Trinta".

Os petizes, uns vestindo calções e camisolas amarelas e outros de tronco à mostra, imitavam, emotivos e sonhadores, os craques do Girabola. 

_ Quero ser como Job ou Ary Papel, disse um deles quando convidados para a foto-testemunho.

O árbitro vestia calças  jeans, uma tshirt e calçava chuteiras, ao passos que os pequenos "artistas da bola" poucos mostraram ter  o privilégio de jogar com os pés calçados. 

Alegres, sem temor, nem represálias. Hora pós-escolar, 5h30 da tarde, girava alegremente a bola no Longa, enquanto me aprumava para a viagem de regresso a Menongue que é longa, cerca de 90 km por cronometrar.

Moisés Sacinene, 14 anos, frequenta a sétima classe. Foi meu companheiro de conversas e fotógrafo de ocasião. Não se fez ao campo por consoderar aquele "um jogo de crianças". O seu campeonato é outro. Naquele pedaço de terreno plano roubado ao aeródromo militar, assiste apenas aos putos a se "trumunarem" ou é convidado a ajuizar os jogos dos kandenges.

"O nosso campo é no lado de lá da estrada, onde os colonos jogavam", contou.

Quem vai de Menongue ao Kwitu Kwanavale, tem no lado difeito do Longa a pista, parte da aldeia e o quartel. Do outro lado da Estrada Nacional 280 ficam os edifícios administrativos e equipamentos sociais como o mercado, as escolas, o posto médico e, por mais incrível que pareça, um campo relvado a reclamar por novas balizas. 

"Esse campo foi sempre assim desde que nasci", conta o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos. 

"O campo é mesmo do Governo. É ela quem manda cortar  relva quando fica muito alta", esclareceu.

Podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitu" [lança rokets] já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde as laças e canhões que serviram a guerra poderão ser "transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e a pobreza.

Mais abaixo, junto ao rio que dá o nome à comuna e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, um vasto prado se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Rio Longa cujas águas na3o só me convidaram para matar a sede,  mas também para lavar a "Maria Canhanga" [viatura] que me transporta nessa odisseia.

_ Tio não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. _ Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci. 

Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.

Enfim, conheci a Comuna do Longa, fruto da paz que o povo tanto pedia. E não vim cumprir a "vida Kwemba", nem em serviço forçado numa cadeia pidesca do caputu ou disesca da ressaca revolucionária. Estou a desfrutar Angola e os benefícios da força da razão que sempre lutou mais forte do que a razão da força que fez de todos nós meros objectos. 

Que saibamos todos dizer "tri-ti-ti nunca mais", porque agora que a paz já chegou "vamo mbora no Kwitu". E  a visita ao Kwitu Kwanavale, perto de 100 quilómetros a leste de Longa, fica na agenda por cumprir nas próximas férias.


PS: Talvez a minha Cda Emília Kacongo Kacongo me convide um dia a conhecer a capital da nova província do Kwandu (texto de 2015 revisto a 21 de Fevereiro de 2025).

terça-feira, abril 22, 2025

NÃO SUJE NOSSAS RUAS!

(Andando por Cape Town)

Esse "warning" |Don't rubbish our roads| muito nos serve e, se calhar, mais a nós do que a eles que grande parte da população juvenil e adulta já sabe que "as ruas e a higiene colectiva são para manter e preservar". 

Nem os "bígamos", casados com "Mari & Joana", que por cá abundam, ousam em deitar as beatas em qualquer lugar ou nos contentores plásticos que se acham em boas quantidades ao longo das vias urbanas. 

Os causadores de incêndios, urbanos ou florestais, são exemplarmente castigados e a fama corre, anos afim, em suas "villages" ou "contryside" de origem onde a moral pública não tolera desacatos à ordem social estabelecida. 

Quem quererá ser rotulado como causador de um dano moral público repugnante que tenha chocado a sua família e a comunidade? Há honra a preservar!

Nós, por cá, nas passagens superiores os pedestres efectuam desavergonhadamente as suas travessias sobre a plataforma (via) confiada aos automóveis e, como se as nossas caras fossem tão largas para que nelas não coubesse sequer uma réstia de vergonha, já que sobre valores alguns entendem apenas de pecúnia, alguns agentes reguladores do trânsito automóvel ainda se dão ao desplante de pararem o trânsito para que os preguiçosos e violadores de normas atravessem a via como manadas. Os contentores plásticos, já insuficientes, são queimados por fogo posto. As rodas dos contentores plásticos e metálicos são simplesmente roubadas e vendidas aos olhos dos agentes de segurança e ordem públicas. As redes separadoras das vias como a 21 de Janeiro e Deolinda Rodrigues são desmanchadas, roubadas. Os bens públicos destruídos sob a inacção de quem tem a segurança como tarefa e silêncio dos que deviam denunciar, mas aplaudem com os glúteos. Só mesmo em terra "nostra"!

Mas, isso tem de acabar! Como?

1. Educação da nova geração por via de debates e conteúdos académicos; 

2. Informação da sociedade em geral, por via de anúncios em media, panfletos e outdoors; 

3. Punição, por via de multas administrativas (quando seja possível), trabalhos sociais (temos muitas fossas por desentupir e "montanhas" de lixo por desbastar e valas por desassorear. 

4. A cadeia remota (a exemplo de Bentiaba ou outras colónias que devem ser criadas para os criminosos perigosos e reincidentes) não é excluída nesse exercício. 

Afinal, fomos dotados de semelhantes capacidades intelectuais e desejo de usufruto de vidas seguras e sadias. Rebuçados e porrinhos, quando bem doseados, podem ser bons suplementos!

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Texto publicado pelo Jornal de Angola, 27.04.2025

quinta-feira, abril 17, 2025

ESCULTURAS NA AREIA LEVAM PÃO À CASA DE VITA


O jovem na foto
é Joaquim Vita Jorge, natural de Benguela, onde aprendeu a esculpir na areia com o "mestre Fernando", um angolano.

Joaquim faz as suas esculturas de areia há nove anos (sendo 4 anos em Benguela e outros 5 em Luanda).
A entrada da "Ilha" de Luanda (junto à Casa do Desportista) e no Ponto Final têm sido os seus locais predilectos.
"As pessoas ficam impressionadas, fazem fotos e aqueles que gostam da arte e têm dinheiro dão alguma coisa", avançou o "artista", acrescentando que "dá para comprar pão e, às vezes, fuba e conduto".
Tem sido nos fins-de-semana que mais recebe ofertas, todavia "depende da qualidade dos visitantes". Os turistas estrangeiros, regra geral, são os que mais "peso" colocam no seu "balaio". O "mestre" Vita levou 1 ano a aprender a fazer as estruturas e confessa que "cada obra é uma nova aprendizagem" que o leva a aperfeiçoar os detalhes e a encurtar o tempo.
Claúdio, 19 anos, sem registo de nascimento, é aprendiz há um mês. A sua tarefa é retirar água salgada do mar e ajudar a molhar a areia, antes da modelagem. Contou que já vai fazendo algumas pequenas coisas. Cláudio diz que, se nada o atrapalhar, poderá também ganhar autonomia em um ano.
Aproximando-se a Páscoa, data memorável para os cristãos, encontrei Joaquim Vita Jorge e o seu ajudante Cláudio a esculpirem o "último repasto" entre Jesus e seus mais dilectos discípulos, uma obra que pode perdurar perto de duas semanas, sendo tempo de calor.
"Em tempo seco, as esculturas em areia podem estar intactas até 2 meses", segundo os "artistas" que podem ser localizados no "Ponto Final da Ilha" de Luanda ou Farol da "Ilha".

sábado, abril 12, 2025

PRIMEIRA VISITA À MUNENGA MUNICÍPIO

A "Paz de Abril" foi a principal conquista dos angolanos nos 50 anos de independência. Assim declarei em entrevista difundida pela LAC, na sexta-feira, 04 de Abril, em que estivemos a reflectir sobre os 23 anos da cessação da confrontação militar, pós-eleções de 1992, entre a rebelde Unita e o Governo angolano. A debitar ideias estivemos: Luciano Canhanga, Nadir Taty,  Honorato Silva, Domingas do Monte, Alexandre Lucas, Lucinga Jamba e Álvaro Mendonça, sob co-moderação de Zé Rodrigues e Pedro Fernandes. 

Defendi a minha colocação de que "a paz é a maior conquista dos 50 anos de Angola Independente", pelo facto de permitir-me que me possa deslocar ao Lubolu, Moxiku Leste, Kwimba ou Njamba Kweyo sem impedimentos e ou riscos de ataque ou accionamento de minas. E muitos terão concordado comigo, a contatar com a aprovação dos meus co-arguentes durante o debate.

Foi neste espírito que, na manhã do Dia da "Paz de Abril", rumei ao novel município da Munenga, em companhia da esposa (Irlanda Salongue Canhanga) e dos meus compadres (o casal Higilda e Joaquim Aveleira).

A viagem despreocupada, que apelidámos de "turística", foi, na verdade, um kuñwalañwala [em Umbundu, andar sem rumo rígido]. O mote era ir passear à Munenga, pernoitar na Mukonga e afugentar ou, no mínimo, dispersar, alguns males derivados de trabalho intenso e contínuo, mas teve outros aditivos.

O almoço foi na Marginal do Dondo que estava apinhada de gente e viaturas de diferentes cilindradas, uns tendo o Dondo como destino e outros de passagem apenas. 

A "Velha Cidade" tinha músicos de cartaz, com destaque para o Don Kikas que foi apresentado pelo animador, enquanto degustava umas boas kakusadas "doadas" pelo tangencial Kwanza que, naquelas bandas, escorrega pachorrento e profundo a caminho de Lwanda. 

Marginal do Dondo

A sede da Munenga foi o ponto imediato, depois de forrar os estômagos com apetitosas chopas, regadas de pomada do dourense e água angolana. 

Antes, agentes da polícia, em acção preventiva, mandaram-me parar e estacionar, à chegada do Desvio da Munenga [4 quilómetros do vilarejo].

O homem alto, pele enegrecida pela melanina e sóis de muitos dias de trabalho na estrada, estrela única no ombro, fez-se diligente e respeitoso.

_ Bom dia, caro automobilista!

_ Bom dia, senhor Inspector! _ Respondi-lhe, baixando de imediato a música e os vidros.

O subinspector policial abeirou-se o mais próximo possível, tentando interceptar algum odor que se aproximasse ao consumo etílico. Estudei-lhe as maneiras.

_ Então, como vai a viagem, qual é o destino e vossa procedência? 

_ A Vamos à sede municipal falar com a camarada Fátima Cunha, a administradora municipal. A nossa procedência é Lwanda e pensamos em passar a noite aqui, na Mukonga, caso haja espaço e condições.

_ Vão para pedir terrenos, chefe? _ Voltou a indagar, ao que lhe respondi:

_ Sou daqui. A minha aldeia é o Kuteka que fica atrás daquela montanha, porém os meus parentes vivem na aldeia de Pedra Escrita. Viemos para mostrar umas ideias à administradora a quem pretendemos e temos já estado a ajudar para erguer o município que é novo. Quanto a terras, "tenho algumas à venda". _ Brinquei.

Aldeia de Pedra Escrita

Mostrei-lhe uma imagem com Emblema e Slogan da Munenga, projectados por mim, que pareceu gostar, tendo agradecido com a frase "é bom que todos os filhos ajudem a sua terra".

Confirmado também de onde ele era [Kalulu], liberou-nos sorridente e fizemos os 4 quilómetros que separam o desvio e a sede municipal em estrada (Munega-Kalulu) que mostrou obras em curso. 

Na colina em que se acham as residências da administradora e seus dois adjuntos, assim como o antigo comissariado [por uma questão de hábito recorrente, os mais velhos ainda chamam a administração de comissariado] e o Posto Médico, cuja sala de espera são uns bancos de betão implantados debaixo de pequenos arbustos, encontrámos apenas a jovem secretária que nos informou sobre um jogo amistoso de futebol entre os mistos da Munenga e de Kalulu [a antiga capital do Lubolu que também foi elevada a município, absorvendo a comuna da Kabuta].

_ A chefe está no campo. Se me derem quinze minutos, posso levar-vos até lá. _ Explicou, solícita.

Conhecendo a Munenga desde os anos em que a jovem secretária sequer era projecto de seus pais,  rumamos à procura do campo. 

_ Só pode ser na Banza de Munenga,  junto à antiga Junta [instalações da JAEA¹ e posteriormente MCH²]. _ Informei aos meus três companheiros na viatura, para os confortar, e lá fomos conhecer e saudar a Administradora Fátima que nos recebeu diligente e informou que a "Munenga esta a vencer Kalulu por 2-0". Aditou o seu plano para reabilitar a quadra de jogos de salão e estender a energia para aquele espaço que se acha fora da zona habitada, embora a poucos metros.

_ Com luz, à noite, os jovens poderão jogar futebol de salão, basquetebol e outras modalidades. Vamos fazer um esforço e procurar estar sempre com eles. _ Justificou a mais alta entidade no município, recebendo os meus elogios e palavras de conforto. 

Seguimos à Mukonga, antiga Estalagem do Ngana Mbundu, o alemão Walter Kruk, assim baptizado pelos nativos e raptado, sem volta, pela Unita, em Fevereiro de 1984. As camas estavam limpas e mostravam-se confortáveis. Pagámos e decidimos ir jantar na Kibala, cerca de 94 quilómetros, a caminho do Wambu, com paragem breve na Aldeia de Pedra Escrita onde residem muitos meus parentes. 

_ Passar pela aldeia sem cumprimentar a velha Nzumba [Alcinda Soares Kazenza] é quase pecado. _ Expliquei aos meus compadres, detalhando o que ela representava para mim. Adentramos e aproveitámos ver futura casa de campo.

Com o jantar já encomendado ao amigo Luís Perninhas, tendo o estômago e os olhos que contemplavam a natureza verdejante em sintonia, tudo corria sem pressa, tirando o tempo que é alheio, bastando bem administrá-lo. 

"Kipala kya Samba" recebeu-nos às sete da noite, deixando-a para trás às vinte e duas e qualquer coisa, com chegada à Mukonga a roçar à meia-noite.

Sábado, dia acordado para o regresso a Lwanda, tínhamos de fazer os vinte e dois quilómetros até, novamente, Pedra Escrita para pegar uma "soca" de bananeira rocha encomendada ao sobrinho Nelo que a fora buscar na aldeia de Lususu. Todavia, a minha esposa estava dividida entre ir, antes, a Kalulu ou outro destino. 

_ É preciso tirar proveito do tempo que nos restava, antes de encetar a viagem de regresso à capitalíssima (Lwanda). _ Disse ela sob concordância de todos nós.

Nisso, a irmã dela, nossa comadre Higilda Salongue Aveleira, perguntou por chouriço caseiro, despertando a mana mais nova a sugerir o almoço no Waku Kungu que distava 150 quilómetros percorridos sob chuva incessante e velocidade moderada e contemplativa. Em algumas rectas e descidas que pediam ao motor maior velocidade, o capim, as árvores e os rochedos que ladeiam a EN 120 pareciam empurra-nos para frente, enquanto eles, fixos, pareciam correr apressados para trás.

Waku

À semelhança do Dondo e Kibala, a refeição fora encomendada ao telefone. Quem faz frequentemente o mesmo caminho tem de possuir contactos e poder encurtar o tempo de espera.

Atendido o aparelho digestivo e a necessidade de aquisição de produtos campestres, despedimo-nos da antiga Santa Comba-Dão, [assim baptizada em homenagem à terra onde nascera José de Oliveira Salazar] quando o sol minguante se despedia entre a montanha leste. O tempo, "uma invenção dos capitalistas para vender relógios", segundo Karl Marx, anunciava dezassete horas. Luanda ficava a mais ou menos quatrocentos e vinte quilómetros superados até às vinte e três horas e cinco minutos, entre conversas, várias, e paragens, algumas.

Corpo cansado, mas mente lavada para mais extenuantes dias de labor, num feito que só a paz pode proporcionar.


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1- Junta Autónoma de Estradas de Angola

2- Ministério da Construção e Habitação

segunda-feira, abril 07, 2025

AS CHALADICES DO "BEBÊ"

Nota prévia:

O meu primo de quem me fui despedir pela última vez (ele em outra dimensão da vida e eu nesta prevalecente e ainda racional) nasceu Kitumba. Uma razão terá existido para que lhe fosse atribuído um nome relacionado a amuleto feiticista. No registo civil, entenderam os pais dar-lhe um "pomposo" nome português e passou a Adriano Kambota. Quando fosse a Luanda, tratávamos-lhe por "Guerra fiz mal", em alusão a uma de suas calinadas quando se comunicava em língua portuguesa, dado que toda a sua comunicação era feita, essencialmente, em Kimbundu.

Também soube, da minha mãe, que o antropónimo Kambota está relacionado a uma praga de gafanhotos que aconteceu em um ano qualquer da década de 20 ou 30 do século XX. Primeiro surgiram os gafanhotos, vindos "dos céus" que devoraram tudo o que esverdecia. Chamaram ao fenómeno Ikoho [gafanhotada] e todos os que nasceram naquele ano ganharam o nome de Kikoho [grande gafanhoto ou gafanhotada].

Aditou ainda a septuagenária que depois de devorarem as lavras e o mato incultivado, "os gafanhotos ovificaram e nasceram outros menores em tamanho e quantidade. A estes insectos, menos 'agressivos' e lesivos aos interesses agrícolas do que os precedentes, tendo sido usados para 'forrar os estômagos', enquanto 'conduto', foram apelidados de kambota. Assim, grande parte dos rapazes nascidos naquele ano que a iliteracia não registou foram apelidados de Kambota".

O meu tio, que no registo civil ganhou o nome Xavier Kambota, nasceu no tal ano em que eclodiram os gafanhotos kambota, depois do ano dos kikoho.
Bem, a prosa é sobre Bernardo, rapaz do Dondo [Marginal], que me encontrou junto à barraca [cacussaria] da dona Páscoa, onde, normalmente paro para fazer a minha refeição de "meio-da-viagem" ou encomendo algo para abocanhar à chegada ao destino. Desde que o meu filho Arlindo entornou o frasco da dona Páscoa contendo a "farinha museke" que paro para adentrar a barraca dela, para pegar a encomenda feita previamente ou indico parentes e amigos a frequentar o sítio dela. Estão já transcorridos dez ou mais anos.
_ Papá, deixa-me lavar os teus ténis, é só duzentos. _ Atirou o bernardo, algo simpático e marketeiro.
_ Filho vou à lavra. _ Respondi, afagando-lhe os ombros.
_ Pai, pode limpar os ténis. É para os macacos te estranharem. _ Insistiu o Bernardo, com elevado sentido de humor.
Recebida a encomenda da Dona Pascoa, pois seguia apressado para a aldeia de Pedra Escrita [Munenga] para assistir ao óbito do meu primo Kitumba e não havia tempo para sentar e apreciar a chopa, levei a mão à algibeira das calças e a minha mão conseguiu "pescar" uma moeda de kz 50 que dei ao Bernardo. Este, sempre bem-humorado voltou a recomendar.
_ Papá, cuidado com buracos na estrada que estão a ser tratados como frangos.
_ Como frangos? Como assim? _ Retorqui.
_ Sim, Papá. Primeiro, deixam engordar, depois é que abatem [tapam].
Só quando estava a trafegar entre o desvio da hidroeléctrica de Kambambi e o [novo] Kyamafulu [ponte sobre o rio Kwanza] me apercebi que havia um trabalho de tapa-buracos que tinham deixado engordar.
...

Episódios ocorridos a 18 de Março de 2025. Texto publicado no Jornal de Angola a 23.03.2025.

terça-feira, abril 01, 2025

KWALE: PONTO DE PARTIDA E DE CHEGADA

_ O que tens feito pela aldeia, vilarejo, vila ou cidade em que nasceste?

Essa é a pergunta, ponto de partida, para o "mahezu" de hoje.

A comuna do Kwale (os portugas e angotugas decidiram escrever Cuale) foi elevada a município, com efeito a 01 de Janeiro de 2025. Na condição do Kwale, novo município de Malanji, cuja vila sede completa este ano cem anos, estão várias localidades, a exemplo da minha Munenga, perfazendo perto de 150 novos municípios.

Por causa das guerras que o país viveu, não se tendo poupado sequer uma localidade, muitos dos novos municípios possuem "diáspora" numerosa e que cria desenvolvimento em terras de acolhimento.

_ O que tens feito pela terra que te viu nascer ou que viu teus pais nascerem?

Bem, os filhos e descendentes do Kwale residentes em Lwanda e Ikolu nyi Mbengu (nova província de Icolo e Bengo) reuniram, este domingo, 30 de Março, no Zango Zero. A razão congregadora foi "discutir as contas da Cooperativa Kudisagesa [sociedade], rever os estatutos e eleger os órgãos sociais".

Se calhar, você pergunte:  Como foi lá um munengense parar? Recebi um convite do meu amigo-como-irmão Alberto Colino Cafussa [no nosso Kimbundu vernacular devia grafar-se Kafusa] de quem conservo muitas similitudes vivenciais. Nascemos na aurora da independência. Fomos à escola no mesmo período e coincidem as andanças a pé [forçadas pela guerra civil], o refúgio em Lwanda, a busca pelo saber, a profissão de jornalismo, o amor pela cultura e pela terra que nos viu nascer e [nos últimos tempos] a assessoria de imprensa a que fomos emprestados. Portanto, o Cafussa, que preside à mesa da Assembleia Geral da Cooperativa Kudisangesa é um amigo-como-irmão que mereceu a minha resposta afirmativa ao convite.

Todavia, quem mais se beneficiou fui eu. Pude "aprender" com os kwalenses o dever de cada um olhar para a terra que guarda o seu cordão umbilical, a necessidade de todos os que, por razões diversas, deixaram a sua terra umbilical pensarem naquilo que foi o seu ponto de partida e pensarem no seu crescimento e desenvolvimento.

Particularmente, há muito tenho estado a reflectir: os portugas que saíram de suas terras distantes [na época, dois a três meses a navegar pelo Atlântico] fizeram coisas maravilhosas em terra alheia: construíram estradas, habitações, fazendas etc., onde a imaginação do citadino destes tempos não penetra. E nós, que nascemos no interior e crescemos em grandes cidades, o que temos feito pelas localidades em que nascemos?

Voltemos ao Kwale, cuja administradora, nova no cargo e na idade, fez-se presente no "Encontro do Zango", acompanhado de autoridades do poder tradicional e religiosos que propagam a fé cristã no município. Calculadamente bem assessorada, a jovem administradora Cidalina Chamassango [na casa de seus trinta a quarenta anos, se tanto] meteu-se à estrada, percorrendo mais de 400 quilómetros, consciente de que para erguer o Kwale, enquanto município, deverá ir ao encontro daqueles que possuem conhecimentos científicos e técnicos e, sobretudo, daqueles que, amando a sua terra umbilical, pensem em lá investir as suas moedas conseguidas por via de trabalho árduo [por décadas] em outras localidades de Angola.

Os kwalenses reuniram-se para abordar o presente e o futuro da cooperativa Kudisangesa, entretanto, o momento serviu para reflectirem sobre o retorno das pessoas e de investimentos ao ponto de partida, assim como matar saudades.

"Cada povo tem a sua Canaã", sua origem e [que deve ser] destino [terra prometida]. E foi bom vê-los e ouví-los, sempre moderados pelo meu amigo-como-irmão Cafussa que é um dos precursores do "retorno ao Kwale". 

Ajamos como os pássaros que voam durante o dia, mas que nunca se esquecem do seu ninho!

Sendo que a tarefa de promover o desenvolvimento das nossas terras de "uvalukilu" pede cooperação e imitação de boas práticas, aproveitei mandar umas mensagens à camarada Fátima, administradora do novel município da Munenga [região do Lubolu repartido em três], informando-a que a colega do Kwale estava perto de Lwanda a mobilizar sinergias para erguer a sua jurisdição, ao que ela, a administradora da Munenga, acolheu o apontamento, transmitindo "saudações calorosas" à colega edil e aos kwalenses reunidos.

_ O que tens feito para desenvolver a terra em que nasceste?

Os kwalenses residentes em Lwanda e Ikolu nyi Mbengu transmitiram-nos um exemplo que merece ser aplaudido em pé e ruidosamente!

sábado, março 29, 2025

SOBRADOS DE CASÓRIO


Verdade ou mentira, Sembe cumpriu. Recebido com sobrados do repasto anterior, fez do estômago um saco elástico. Aliás, antes serviu uma aguardente para "matar as lombrigas".

_ É para abrir o apetite, manos. Não me olhem só assim. _ Argumentou.
Seguiu-se a pratada regada com vinho que degustou até ao fim. Quando o “mwene-a-bata” (dono de casa) chegou e se sentou à mesa da sala interior, o puto Sembe foi chamado também.

_ Come um pouco de funji. Ontem estavas muito ausente e quase ninguém te viu. _ Disse o comissário Sabalu, pai da noiva e tio de Sembe e Mangodinho.

Entre um dedo de conversa, uma garfada e um gole, tragou o que lhe fora apresentado. Uns copos de vinho e outros de aguardente que não o deixaram ébrio de momento.
Já no avião, máquina de ferro no ar, Sembe não se emporcou, mas no assento se transformou em pedra e roncador. Dormitou até que o pássaro poisou no chão da Ngimbi, não se dando conta que a sua carteira de documentos caíra para debaixo do banco.

Ao transpor a migração, mão no bolso, carteira com bilhete nada. Revista na pasta de mão, nada. Revista na pasta de roupa, nada.
_ Ai wê, môs docs! – Gritou.
Um polícia de fronteira se abeirou e sentiu o alambique em que sembe se tinha transformado.
_ O moço tem o canhoto da passagem?
- Sim chefe, tenho. Faxavor, me ajuda só ir nas aeromoças procurar debaixo do banco.
_ O moço tem certeza que veio com os documentos em mão?
_ Sim, sô polícia. Exibi o bilhete ao entrar no avião.

Diligente, o agente, três riscos em vê no ombro, subiu no pássaro e deu-lhe o achado, fazendo o sinal do “pode passar!”
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Publicado pelo JA a 02.02.2025

segunda-feira, março 24, 2025

CARTA AO REI MBALUNDU

Ó PAI, com todo o respeito ainda, meu quase culegu.

Tambula hãndi ovilamo vyange. 

Dizem que o pai ainda estudou lá direito. Eu não.

Se estudou mesmo direito positivo, então o pai sabe que o costume e a tradição não podem "se chocar" com a Constituição e a Lei. 

Essa parte ainda eu só ando a ouvir a falarem nos doutores de lei que estudaram.

Então, se o pai estudou mesmo Direito, se o pai sabe, se sabe também que Angola é Rés Pública e não monarquia (salvaguardado o respeito à remanescente autoridade pré-Estadual), como é que o pai foi se "ferrar" através daquele "julgamento mortal" que não salvaguardou o direito sagrado VIDA, e agora vem ameaçar seca severa ao coitado povo sofredor? Ainda bem que já choveu!

Assim mesmo que o "fitiçu" falhou, muitos estão a dizer que a "bazuca encravou ou explodiu na própria arma do bazuqueiro", nesse caso o próprio pai mesmo.

Na remessa das talas para a "sua inimiga juíza" será que já não sobrou nenhuma?

Assim, o pai quer mesmo só andar à pé, do Wambo a Lwanda, tipo é Xavimbi que voltou e ocupou de novo "Nova Lisboa"?

Pai, me ouve só ainda, faxavor!

Cada sete dias de caminhada, o teste da covid-19 caduca. Se onde o pai completar a semana não houver testadores, não vai avançar. E se o pai conseguir chegar à capital (que é mbora território do seu culegu kamundongu), mas encontrar o Chefe Grande foi gozar férias dele, fica como?

E se os pés do pai ficarem inflamados de tanto marchar e o povo pensar que "a tala virou contra o talador" fica como?

Papá, fica mbora na sua Embala de Mbalundu.

Não aceita só agitação desse povo que tem mais ar do que juízo na cabeça. Às vezes ter cabeça grande não é ser grande cabeça!

[01.03.2022]

terça-feira, março 18, 2025

VISITA RELÂMPAGO AO LONGA

(Comuna que passou à categoria de município)

Atraído pelas notícias sobre a fazenda que produz arroz em boas quantidades, ainda no tempo de Kwandu-nyi-Kuvangu, decidi chegar ao famigerado Longa, visto estar na capital "Menonge". Abro parêntesis para assinalar que grafo os topónimos como devia ser, em obediência ao que demanda a parca regulamentação angolana e a do CICIBA sobre as línguas bantu. A visita aconteceu há já dez anos, e foi durante as minhas férias de 2015, tendo saído a solo da "capital das capitais", Luanda" à sede da província do Sudeste angolano. 
Como antigo estudante de Didáctica de História, no ISCED que era anexo ao Mutu Yá Kevela e colaborador [entrevistador] no Projecto "Angola nos trilhos da Independência", tive de ir conhecer o local aonde muitos dos obreiros da nossa independência haviam sido "desterrados e a sofrer sofrimento" por terem ousado usar (por outras palavras) que "Angola é dos angolanos!".
Conhecer o passado é maravilhoso, pois quem conhece a história só tropeça nos erros registados se for tolo. Todavia, as estórias sobre o arroz impeliram-me a meter-me ã procura do Longa. Não se trata do rio que nasce no Lonye, atravessa Karyangu e se afunda no Atlântico, separando Lwanda do Kwanza-a-Sul. Falo do Longa que vem do Moxiku e empresta as suas águas ao Kalahari. 
_ Aqui travaram-se encarniçados combates pela defesa da pátria ameaçada. "Aqui tombaram camaradas" de várias procedências do nosso vasto país. Aqui se conta, nos dias que correm, estórias sobre resistência ao colono, na Sub-zona da terceira Região político-militar do Glorioso, estórias sobre a resistência heroica contra os invasores sul-africanos quando os homens de Roelof Pik e Pieter Botha pretendiam fazer em Angola um "passeio turístico" militar em socorro de amigos angolanos que a história se encarregou de catalogar. Hoje a luta é reerguer o que se destruiu durantes as várias guerras (contra ocupação colonial, contra a invasão sul-africana, contra a insurreição interna) e construir coisas novas. É produzir arroz, milho, leguminosas e tubérculos e aumentar o nível académico-cultural dos seus habitantes. _ Estas foram as palavras de boas-vindas do Professor primário com quem mantive curtos, mas inolvidáveis momentos de prosa.

Longa, com perto de cinco mil almas, era, à data, "uma comuna que perdoa o passado lúgubre", mas que "jamais o esquecerá para que não se repitam as atrocidades que apagaram vidas e transformaram em escombros casas, lojas, hospitais e outros haveres". 
A carcaça de um helicóptero militar danificado na cabeceira da sua pequena pista de terra batida e alguns edifícios coloniais convertidos em pedaços pela aviação e artilharia sul-africanas são registos históricos que devem passam de geração em geração, desconfortando-me o facto de ver muitos destes "documentos históricos" estarem a ser recortados e levados à fundição.

Os meninos do Longa contavam a história lida nos poucos livros existentes e jogavam à bola em um pedaço lateral do "campo de aviação". A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a língua portuguesa a segunda língua, todavia, obrigatória na escola que foi felizmente poupada e reconstruída. 
Uma outra maior, de 12 salas, construída de raiz, aguardava pela inauguração, "devendo elevar o nível de ensino e o número de alunos escolarizados", contou João Mbambi, professor do primeiro ciclo do ensino primário que ganhou um livro "O relógio do velho Trinta".
Os petizes, uns vestindo calções e camisolas amarelos e outros de tronco à mostra, imitavam, emotivos e sonhadores, os craques do Girabola.
_Quero ser como Job ou Ary Papel, disse um deles quando convidados para a foto-testemunho.
O arbitro vestia calças jeans, uma t-shirt e calçava chuteiras, ao passo que os pequenos "artistas da bola" poucos mostraram ter o privilégio de jogar com os pés calçados. Alegres, sem temor, nem represálias. Hora pós-escolar, 5h30 da tarde. Girava alegremente a bola no Longa, enquanto me aprumava para a viagem de regresso a Menonge que é longa, cerca de 90 quilómetros de distância.
Moisés Sacinene, 14 anos, frequenta(va) a sétima classe. Foi meu companheiro de conversas e fotógrafo de ocasião. Não se fez ao campo por considerar aquele "um jogo de crianças".  O seu campeonato é outro. Naquele pedaço de terreno plano roubado ao aeródromo militar ou assiste apenas os putos a se trumunarem ou é convidado a ajuizar os jogos dos kandenges.
_ O nosso campo é no lado de lá da estrada, onde os colonos jogavam. _Contou.
Quem vai de Menonge ao Kwitu Kwanavale tem, no lado direito do Longa a pista, parte da aldeia e o quartel. Do outro lado da Estrada Nacional 280 ficam os edifícios administrativos e os equipamentos sociais como o mercado, as escolas, o posto médico e, por mais incrível que pareça, um campo relvado a reclamar por novas balizas.
_ Esse campo foi sempre assim desde que nasci. Contou o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos (à data).  O campo é mesmo do Governo. É ele quem manda cortar a relva quando fica muito alta. _Argumentou.
Podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitu" (lança rokets) já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde as "laças e canhões que serviram a guerra serão transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e a pobreza.
Mais abaixo, junto ao rio que dá nome à circunscrição e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, um vasto prado se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Longa cujas águas não só me convidaram para matar a sede, mas também para lavar a "Maria Canhanga" que me transporta nessa odisseia.
_ Tio não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. _ Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci.
Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.
Enfim, conheci a [então] Comuna do Longa, fruto da paz que o povo tanto pedia. E não fui em cumprimento da "vida Kwemba", nem em serviço forçado numa cadeia pidesca do kaputu ou disesca da ressaca revolucionária. Fui em desfrute desta nossa Angola e os benefícios da força da razão que sempre lutou mais forte do que a razão da força que fez de todos nós meros objectos. Que saibamos todos dizer "tri-ti-ti nunca mais", porque agora que a paz já chegou "vamos 'mbora no Kwitu, porque a guerra Já acabou". E a visita ao Kwitu Kwanavale, perto de 100 km a leste de Longa, fica na agenda a cumprir nas próximas férias de um ano por determinar.