À mesa, um despertador, à corda, barulhava no seu tic-tac-tic-tac a cada segundo que passava. No fundo, ele era também um relógio destinado a marcar apenas a hora do almoço.
3 Kaporroto.
= INFORMAÇÃO & CONHECIMENTO =
Desde 29/Abril/2005
Abordando FACTOS e IDEIAS
À mesa, um despertador, à corda, barulhava no seu tic-tac-tic-tac a cada segundo que passava. No fundo, ele era também um relógio destinado a marcar apenas a hora do almoço.
[Quem terá encontrado uma criança de sexo masculino?]
O tambor, uma lata de leite em pó de qualquer marca, agredido por um ferro, um pedaço de madeira ou uma pedra, gritava ao máximo de sua força e potência sonora. Pá-pá-pá-pá.
Atrás do som, uma, duas ou três senhoras, lábios secos e pés empoeirados de tanto gritar e caminhar, soltavam um coro, alegre para a nossa inocência de kandenges e preocupante para as mamães que podiam estar naquela situação um dia, a contar com as nossas travessuras e o seguidismo ao Mam-Brás, ao cavalo-tica-tica, e, sobretudo no tempo de Carnaval [que ainda era da vitória]. Essas, as mamães, confirmavam antes a presença dos seus tumbonga e prestavam-se em passar informação e pedir detalhes sobre o garoto ou garota desaparecida.
- Pá-pá-pá... O gritar intrépido da lata já ampliado ia deixando rasto na rua varrida, manhã cedo, pelas mamães que não permitiam o convívio com a imundície com que nos confrontamos hoje. Nisso de limpeza das ruas, cada mamã ou sua filha, adulta ou adolescente, atacava o seu lado. O lixo tinha lugar, o balde, no quintal, e depois o depósito com ou sem contentor.
Atrás do barulho da lata, ou quase em simultâneo, a manhã aflita e suas companheiras gritavam, quase já sem forças. Animava as apenas a esperança em reencontrar o filho amado.
_Nanyi wangibongela kambonga Ka dyaléééé? E a lata tambor continuava batucando.
É esse o Rangel do meu tempo, século passado, quarenta e cinco anos já.
E o som, as trambiquices, as magoelas na carroça do carro do vizinho ou dum visitante qualquer, as pescarias de "bagudas" na vala Senado da Câmara, junto ao Catetão, as cercanias da DTA para apanhar loiça descartável já descartada, os pinos na Chicala e ou na Praia do Mbungu, as castanhas de caju que só o comboio permitia chegar ao quilómetro trinta de Viana, tudo isso ainda no ouvido e na memória.
- Vocês, estão a ouvir né? É melhor tomarem cuidado. Se calhar quem se perdeu é vosso amigo da bola ou de brincadeiras. Quando a mamã fala não sai é mesmo para não sair.
Qualquer vizinha era tia. Era mamã no aconselhar, no repreender, se necessário, e acarinhar quando injuriado.
_ Filho 'lheio tem 'mbora razão dele. P'ra quê só fazer no filho da outra quando você também tem kambonga? - Acudiam, quando nos visse injustiçados.
Hoje, com escolas do povo, colégios privados, ATL e creches para todos os bolsos, media e redes sociais para todos, nem o pregão que procura o filho desaparecido, nem as brincadeiras são as mesmas. Tudo mudou. Até às razões das desapropriações dos meninos. Hoje a atenção redobrada é com raptores de menores. Porque a TV os jogos, as escolas e os quintais murados feitos prisões já não as leva tanto a caçar gafas, apanhar peixinhos para guardar em aquário de garrafão cortado, nadar inocentes no perigo da Chicala e Mbungu ou pendurar-se ao comboio para chegar à fonte de castanhas de caju. São outros os males e os remédios também.
=
Publicado pelo Jornal de Angola, a 30 de março de 2025.
![]() |
Sede do Gov Prov destruída pelos sul-africanos |
O 20° apanha-me em Ondjiva, Kunene, em missão de serviço.
Folgo em comemorar 20 anos de comunicação permanente e diversificada.
A página, inicialmente "olhoatento" (que equivale a "mesumajikuka", em Kimbundu), deu lugar a outros blogues temáticos como: olhoensaios [ensaios diversos], provérbios [aforismos], atura-liter-atura [esboços ficcionados], agricult'arte [dicas sobre plantio] e 10encantos [poesia].Dedico esses vinte anos aos meus leitores, os de sempre e os novos.
"Aqui travaram-se encarniçados combates pela defesa da pátria ameaçada. Aqui tombaram camaradas" de várias procedéncias do nosso vasto país". Aqui se conta, nos dias que correm, estórias sobre resistência ao colono, na Sub-zona da terceira Região Político-militar do Glorioso, estórias sobre a resistência heroica contra os invasores sul-africanos quando os homens de Roelof Pik Botha e Pieter Botha pretendiam fazer em Angola um "passeio turístico" militar em socorro a amigos angolanos que a história se encarregou de catalogar.
Hoje, a luta é reerguer o que se destruiu durantes as várias guerras (contra a ocupação colonial, contra a invasão sul-africana, contra a insurreição interna) e construir coisas novas. É produzir arroz, milho, leguminosas e tubérculos e aumentar o nível académico-cultural dos seus habitantes.
Longa, com os seus perto de cinco mil almas, é uma comuna que "perdoa o passado lúgrubre", mas que jamais o esquecerá para que não se repitam as atrocidades que apagaram vidas e transformaram em escombros casas, lojas, hospitais e outros haveres.
A carcaça de um helicóptero militar danificado na cabeceira da pequena pista de terra batida da comuna do Longa e alguns edifícios coloniais convertidos em pedaços pela aviação e artilharia "inimiga" são hoje registos históricos que devem ser legados de geração em geração.
Os meninos do Longa contam a História lida nos poucos livros existentes e jogam à bola num pedaço lateral do "campo de aviação".
A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a língua portuguesa a segunda língua, obrigatória apenas na escola que foi, felizmente, poupada e reconstruída.
"Outra maior, de 12 salas, construída de raiz, aguarda pela inauguração, devendo elevar o nível de ensino e o número de alunos escolarizados", contou João Mbambi, profesor do primeiro ciclo do ensino primário que ganhou um [livro] "Relógio do velho Trinta".
Os petizes, uns vestindo calções e camisolas amarelas e outros de tronco à mostra, imitavam, emotivos e sonhadores, os craques do Girabola.
_ Quero ser como Job ou Ary Papel, disse um deles quando convidados para a foto-testemunho.
O árbitro vestia calças jeans, uma tshirt e calçava chuteiras, ao passos que os pequenos "artistas da bola" poucos mostraram ter o privilégio de jogar com os pés calçados.
Alegres, sem temor, nem represálias. Hora pós-escolar, 5h30 da tarde, girava alegremente a bola no Longa, enquanto me aprumava para a viagem de regresso a Menongue que é longa, cerca de 90 km por cronometrar.
Moisés Sacinene, 14 anos, frequenta a sétima classe. Foi meu companheiro de conversas e fotógrafo de ocasião. Não se fez ao campo por consoderar aquele "um jogo de crianças". O seu campeonato é outro. Naquele pedaço de terreno plano roubado ao aeródromo militar, assiste apenas aos putos a se "trumunarem" ou é convidado a ajuizar os jogos dos kandenges.
"O nosso campo é no lado de lá da estrada, onde os colonos jogavam", contou.
Quem vai de Menongue ao Kwitu Kwanavale, tem no lado difeito do Longa a pista, parte da aldeia e o quartel. Do outro lado da Estrada Nacional 280 ficam os edifícios administrativos e equipamentos sociais como o mercado, as escolas, o posto médico e, por mais incrível que pareça, um campo relvado a reclamar por novas balizas.
"Esse campo foi sempre assim desde que nasci", conta o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos.
"O campo é mesmo do Governo. É ela quem manda cortar relva quando fica muito alta", esclareceu.
Podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitu" [lança rokets] já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde as laças e canhões que serviram a guerra poderão ser "transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e a pobreza.
Mais abaixo, junto ao rio que dá o nome à comuna e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, um vasto prado se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Rio Longa cujas águas na3o só me convidaram para matar a sede, mas também para lavar a "Maria Canhanga" [viatura] que me transporta nessa odisseia.
_ Tio não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. _ Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci.
Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.
Enfim, conheci a Comuna do Longa, fruto da paz que o povo tanto pedia. E não vim cumprir a "vida Kwemba", nem em serviço forçado numa cadeia pidesca do caputu ou disesca da ressaca revolucionária. Estou a desfrutar Angola e os benefícios da força da razão que sempre lutou mais forte do que a razão da força que fez de todos nós meros objectos.
Que saibamos todos dizer "tri-ti-ti nunca mais", porque agora que a paz já chegou "vamo mbora no Kwitu". E a visita ao Kwitu Kwanavale, perto de 100 quilómetros a leste de Longa, fica na agenda por cumprir nas próximas férias.
PS: Talvez a minha Cda Emília Kacongo Kacongo me convide um dia a conhecer a capital da nova província do Kwandu (texto de 2015 revisto a 21 de Fevereiro de 2025).
(Andando por Cape Town)
Esse "warning" |Don't rubbish our roads| muito nos serve e, se calhar, mais a nós do que a eles que grande parte da população juvenil e adulta já sabe que "as ruas e a higiene colectiva são para manter e preservar".
Nem os "bígamos", casados com "Mari & Joana", que por cá abundam, ousam em deitar as beatas em qualquer lugar ou nos contentores plásticos que se acham em boas quantidades ao longo das vias urbanas.
Os causadores de incêndios, urbanos ou florestais, são exemplarmente castigados e a fama corre, anos afim, em suas "villages" ou "contryside" de origem onde a moral pública não tolera desacatos à ordem social estabelecida.
Quem quererá ser rotulado como causador de um dano moral público repugnante que tenha chocado a sua família e a comunidade? Há honra a preservar!
Nós, por cá, nas passagens superiores os pedestres efectuam desavergonhadamente as suas travessias sobre a plataforma (via) confiada aos automóveis e, como se as nossas caras fossem tão largas para que nelas não coubesse sequer uma réstia de vergonha, já que sobre valores alguns entendem apenas de pecúnia, alguns agentes reguladores do trânsito automóvel ainda se dão ao desplante de pararem o trânsito para que os preguiçosos e violadores de normas atravessem a via como manadas. Os contentores plásticos, já insuficientes, são queimados por fogo posto. As rodas dos contentores plásticos e metálicos são simplesmente roubadas e vendidas aos olhos dos agentes de segurança e ordem públicas. As redes separadoras das vias como a 21 de Janeiro e Deolinda Rodrigues são desmanchadas, roubadas. Os bens públicos destruídos sob a inacção de quem tem a segurança como tarefa e silêncio dos que deviam denunciar, mas aplaudem com os glúteos. Só mesmo em terra "nostra"!
Mas, isso tem de acabar! Como?
1. Educação da nova geração por via de debates e conteúdos académicos;
2. Informação da sociedade em geral, por via de anúncios em media, panfletos e outdoors;
3. Punição, por via de multas administrativas (quando seja possível), trabalhos sociais (temos muitas fossas por desentupir e "montanhas" de lixo por desbastar e valas por desassorear.
4. A cadeia remota (a exemplo de Bentiaba ou outras colónias que devem ser criadas para os criminosos perigosos e reincidentes) não é excluída nesse exercício.
Afinal, fomos dotados de semelhantes capacidades intelectuais e desejo de usufruto de vidas seguras e sadias. Rebuçados e porrinhos, quando bem doseados, podem ser bons suplementos!
=
Texto publicado pelo Jornal de Angola, 27.04.2025
A "Paz de Abril" foi a principal conquista dos angolanos nos 50 anos de independência. Assim declarei em entrevista difundida pela LAC, na sexta-feira, 04 de Abril, em que estivemos a reflectir sobre os 23 anos da cessação da confrontação militar, pós-eleções de 1992, entre a rebelde Unita e o Governo angolano. A debitar ideias estivemos: Luciano Canhanga, Nadir Taty, Honorato Silva, Domingas do Monte, Alexandre Lucas, Lucinga Jamba e Álvaro Mendonça, sob co-moderação de Zé Rodrigues e Pedro Fernandes.
Defendi a minha colocação de que "a paz é a maior conquista dos 50 anos de Angola Independente", pelo facto de permitir-me que me possa deslocar ao Lubolu, Moxiku Leste, Kwimba ou Njamba Kweyo sem impedimentos e ou riscos de ataque ou accionamento de minas. E muitos terão concordado comigo, a contatar com a aprovação dos meus co-arguentes durante o debate.
Foi neste espírito que, na manhã do Dia da "Paz de Abril", rumei ao novel município da Munenga, em companhia da esposa (Irlanda Salongue Canhanga) e dos meus compadres (o casal Higilda e Joaquim Aveleira).A viagem despreocupada, que apelidámos de "turística", foi, na verdade, um kuñwalañwala [em Umbundu, andar sem rumo rígido]. O mote era ir passear à Munenga, pernoitar na Mukonga e afugentar ou, no mínimo, dispersar, alguns males derivados de trabalho intenso e contínuo, mas teve outros aditivos.
O almoço foi na Marginal do Dondo que estava apinhada de gente e viaturas de diferentes cilindradas, uns tendo o Dondo como destino e outros de passagem apenas.
A "Velha Cidade" tinha músicos de cartaz, com destaque para o Don Kikas que foi apresentado pelo animador, enquanto degustava umas boas kakusadas "doadas" pelo tangencial Kwanza que, naquelas bandas, escorrega pachorrento e profundo a caminho de Lwanda.
![]() |
Marginal do Dondo |
A sede da Munenga foi o ponto imediato, depois de forrar os estômagos com apetitosas chopas, regadas de pomada do dourense e água angolana.
Antes, agentes da polícia, em acção preventiva, mandaram-me parar e estacionar, à chegada do Desvio da Munenga [4 quilómetros do vilarejo].
O homem alto, pele enegrecida pela melanina e sóis de muitos dias de trabalho na estrada, estrela única no ombro, fez-se diligente e respeitoso.
_ Bom dia, caro automobilista!
_ Bom dia, senhor Inspector! _ Respondi-lhe, baixando de imediato a música e os vidros.
O subinspector policial abeirou-se o mais próximo possível, tentando interceptar algum odor que se aproximasse ao consumo etílico. Estudei-lhe as maneiras.
_ Então, como vai a viagem, qual é o destino e vossa procedência?
_ A Vamos à sede municipal falar com a camarada Fátima Cunha, a administradora municipal. A nossa procedência é Lwanda e pensamos em passar a noite aqui, na Mukonga, caso haja espaço e condições.
_ Vão para pedir terrenos, chefe? _ Voltou a indagar, ao que lhe respondi:
_ Sou daqui. A minha aldeia é o Kuteka que fica atrás daquela montanha, porém os meus parentes vivem na aldeia de Pedra Escrita. Viemos para mostrar umas ideias à administradora a quem pretendemos e temos já estado a ajudar para erguer o município que é novo. Quanto a terras, "tenho algumas à venda". _ Brinquei.
![]() |
Aldeia de Pedra Escrita |
Mostrei-lhe uma imagem com Emblema e Slogan da Munenga, projectados por mim, que pareceu gostar, tendo agradecido com a frase "é bom que todos os filhos ajudem a sua terra".
Confirmado também de onde ele era [Kalulu], liberou-nos sorridente e fizemos os 4 quilómetros que separam o desvio e a sede municipal em estrada (Munega-Kalulu) que mostrou obras em curso.
Na colina em que se acham as residências da administradora e seus dois adjuntos, assim como o antigo comissariado [por uma questão de hábito recorrente, os mais velhos ainda chamam a administração de comissariado] e o Posto Médico, cuja sala de espera são uns bancos de betão implantados debaixo de pequenos arbustos, encontrámos apenas a jovem secretária que nos informou sobre um jogo amistoso de futebol entre os mistos da Munenga e de Kalulu [a antiga capital do Lubolu que também foi elevada a município, absorvendo a comuna da Kabuta].
_ A chefe está no campo. Se me derem quinze minutos, posso levar-vos até lá. _ Explicou, solícita.
Conhecendo a Munenga desde os anos em que a jovem secretária sequer era projecto de seus pais, rumamos à procura do campo.
_ Só pode ser na Banza de Munenga, junto à antiga Junta [instalações da JAEA¹ e posteriormente MCH²]. _ Informei aos meus três companheiros na viatura, para os confortar, e lá fomos conhecer e saudar a Administradora Fátima que nos recebeu diligente e informou que a "Munenga esta a vencer Kalulu por 2-0". Aditou o seu plano para reabilitar a quadra de jogos de salão e estender a energia para aquele espaço que se acha fora da zona habitada, embora a poucos metros.
_ Com luz, à noite, os jovens poderão jogar futebol de salão, basquetebol e outras modalidades. Vamos fazer um esforço e procurar estar sempre com eles. _ Justificou a mais alta entidade no município, recebendo os meus elogios e palavras de conforto.
Seguimos à Mukonga, antiga Estalagem do Ngana Mbundu, o alemão Walter Kruk, assim baptizado pelos nativos e raptado, sem volta, pela Unita, em Fevereiro de 1984. As camas estavam limpas e mostravam-se confortáveis. Pagámos e decidimos ir jantar na Kibala, cerca de 94 quilómetros, a caminho do Wambu, com paragem breve na Aldeia de Pedra Escrita onde residem muitos meus parentes.
_ Passar pela aldeia sem cumprimentar a velha Nzumba [Alcinda Soares Kazenza] é quase pecado. _ Expliquei aos meus compadres, detalhando o que ela representava para mim. Adentramos e aproveitámos ver futura casa de campo.
Com o jantar já encomendado ao amigo Luís Perninhas, tendo o estômago e os olhos que contemplavam a natureza verdejante em sintonia, tudo corria sem pressa, tirando o tempo que é alheio, bastando bem administrá-lo.
"Kipala kya Samba" recebeu-nos às sete da noite, deixando-a para trás às vinte e duas e qualquer coisa, com chegada à Mukonga a roçar à meia-noite.
Sábado, dia acordado para o regresso a Lwanda, tínhamos de fazer os vinte e dois quilómetros até, novamente, Pedra Escrita para pegar uma "soca" de bananeira rocha encomendada ao sobrinho Nelo que a fora buscar na aldeia de Lususu. Todavia, a minha esposa estava dividida entre ir, antes, a Kalulu ou outro destino.
_ É preciso tirar proveito do tempo que nos restava, antes de encetar a viagem de regresso à capitalíssima (Lwanda). _ Disse ela sob concordância de todos nós.
Nisso, a irmã dela, nossa comadre Higilda Salongue Aveleira, perguntou por chouriço caseiro, despertando a mana mais nova a sugerir o almoço no Waku Kungu que distava 150 quilómetros percorridos sob chuva incessante e velocidade moderada e contemplativa. Em algumas rectas e descidas que pediam ao motor maior velocidade, o capim, as árvores e os rochedos que ladeiam a EN 120 pareciam empurra-nos para frente, enquanto eles, fixos, pareciam correr apressados para trás.
![]() |
Waku |
Atendido o aparelho digestivo e a necessidade de aquisição de produtos campestres, despedimo-nos da antiga Santa Comba-Dão, [assim baptizada em homenagem à terra onde nascera José de Oliveira Salazar] quando o sol minguante se despedia entre a montanha leste. O tempo, "uma invenção dos capitalistas para vender relógios", segundo Karl Marx, anunciava dezassete horas. Luanda ficava a mais ou menos quatrocentos e vinte quilómetros superados até às vinte e três horas e cinco minutos, entre conversas, várias, e paragens, algumas.
Corpo cansado, mas mente lavada para mais extenuantes dias de labor, num feito que só a paz pode proporcionar.
=
1- Junta Autónoma de Estradas de Angola
2- Ministério da Construção e Habitação
Nota prévia:
Essa é a pergunta, ponto de partida, para o "mahezu" de hoje.
A comuna do Kwale (os portugas e angotugas decidiram escrever Cuale) foi elevada a município, com efeito a 01 de Janeiro de 2025. Na condição do Kwale, novo município de Malanji, cuja vila sede completa este ano cem anos, estão várias localidades, a exemplo da minha Munenga, perfazendo perto de 150 novos municípios.
Por causa das guerras que o país viveu, não se tendo poupado sequer uma localidade, muitos dos novos municípios possuem "diáspora" numerosa e que cria desenvolvimento em terras de acolhimento.
_ O que tens feito pela terra que te viu nascer ou que viu teus pais nascerem?
Bem, os filhos e descendentes do Kwale residentes em Lwanda e Ikolu nyi Mbengu (nova província de Icolo e Bengo) reuniram, este domingo, 30 de Março, no Zango Zero. A razão congregadora foi "discutir as contas da Cooperativa Kudisagesa [sociedade], rever os estatutos e eleger os órgãos sociais".
Todavia, quem mais se beneficiou fui eu. Pude "aprender" com os kwalenses o dever de cada um olhar para a terra que guarda o seu cordão umbilical, a necessidade de todos os que, por razões diversas, deixaram a sua terra umbilical pensarem naquilo que foi o seu ponto de partida e pensarem no seu crescimento e desenvolvimento.
Voltemos ao Kwale, cuja administradora, nova no cargo e na idade, fez-se presente no "Encontro do Zango", acompanhado de autoridades do poder tradicional e religiosos que propagam a fé cristã no município. Calculadamente bem assessorada, a jovem administradora Cidalina Chamassango [na casa de seus trinta a quarenta anos, se tanto] meteu-se à estrada, percorrendo mais de 400 quilómetros, consciente de que para erguer o Kwale, enquanto município, deverá ir ao encontro daqueles que possuem conhecimentos científicos e técnicos e, sobretudo, daqueles que, amando a sua terra umbilical, pensem em lá investir as suas moedas conseguidas por via de trabalho árduo [por décadas] em outras localidades de Angola.
Os kwalenses reuniram-se para abordar o presente e o futuro da cooperativa Kudisangesa, entretanto, o momento serviu para reflectirem sobre o retorno das pessoas e de investimentos ao ponto de partida, assim como matar saudades.
"Cada povo tem a sua Canaã", sua origem e [que deve ser] destino [terra prometida]. E foi bom vê-los e ouví-los, sempre moderados pelo meu amigo-como-irmão Cafussa que é um dos precursores do "retorno ao Kwale".
Ajamos como os pássaros que voam durante o dia, mas que nunca se esquecem do seu ninho!
_ O que tens feito para desenvolver a terra em que nasceste?
Os kwalenses residentes em Lwanda e Ikolu nyi Mbengu transmitiram-nos um exemplo que merece ser aplaudido em pé e ruidosamente!
Ó PAI, com todo o respeito ainda, meu quase culegu.
Tambula hãndi ovilamo vyange.
Dizem que o pai ainda estudou lá direito. Eu não.
Se estudou mesmo direito positivo, então o pai sabe que o costume e a tradição não podem "se chocar" com a Constituição e a Lei.
Essa parte ainda eu só ando a ouvir a falarem nos doutores de lei que estudaram.
Então, se o pai estudou mesmo Direito, se o pai sabe, se sabe também que Angola é Rés Pública e não monarquia (salvaguardado o respeito à remanescente autoridade pré-Estadual), como é que o pai foi se "ferrar" através daquele "julgamento mortal" que não salvaguardou o direito sagrado VIDA, e agora vem ameaçar seca severa ao coitado povo sofredor? Ainda bem que já choveu!
Assim mesmo que o "fitiçu" falhou, muitos estão a dizer que a "bazuca encravou ou explodiu na própria arma do bazuqueiro", nesse caso o próprio pai mesmo.
Na remessa das talas para a "sua inimiga juíza" será que já não sobrou nenhuma?
Assim, o pai quer mesmo só andar à pé, do Wambo a Lwanda, tipo é Xavimbi que voltou e ocupou de novo "Nova Lisboa"?
Pai, me ouve só ainda, faxavor!
Cada sete dias de caminhada, o teste da covid-19 caduca. Se onde o pai completar a semana não houver testadores, não vai avançar. E se o pai conseguir chegar à capital (que é mbora território do seu culegu kamundongu), mas encontrar o Chefe Grande foi gozar férias dele, fica como?
E se os pés do pai ficarem inflamados de tanto marchar e o povo pensar que "a tala virou contra o talador" fica como?
Papá, fica mbora na sua Embala de Mbalundu.
Não aceita só agitação desse povo que tem mais ar do que juízo na cabeça. Às vezes ter cabeça grande não é ser grande cabeça!
[01.03.2022]