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sexta-feira, junho 29, 2018

O NEGÓCIO DOS TPA

Já havia "descoberto" e relatado como decorria o "negócio dos borderaux" que se desenvolve dentro ou próximo de algumas repartições públicas que têm o utente como foco. Na altura em que publicámos o texto nessa coluna, o nosso apelo foi para que houvesse terminais de pagamento nas lojas de registo civil e similares, para que se pusesse cobro ao "negócio dos borderaux". Incógnito restava ainda "o negócio dos tpa" que descrevemos abaixo.
A fome, quando aperta, é como a chuva que não avisa nem escolhe quem molhar, quando ela "decide" cair. Basta estar desprevenido. 
O local de concentração  predileta desse novo negócio são aos mercados paralelos, oficiais e semi-oficias, onde existam vendedeiras de comida feita e algo para saciar afugentar a sede. Muitos são os cidadãos que, famintos ou acossados pela sede, se dirigem às barracas para atender a necessidade fisiológica sem que tenham as cédulas físicas, exibindo, para o efeito, o cartão de débito, também conhecido como cartão multicaixa ou multibanco. Em presença de negócio formal, nada haveria de especial, senão o acto de "riscar" o cartão na maquineta, descontar o valor correspondente e cada um seguir o seu propósito.
Porém, tratando-se de mercado muitas vezes informal, é aqui que se juntam o empresário "falido" ou aquele que tenha invertido o cor business e aqueles que apenas querem satisfazer a necessidade do momento e partir para a vida que resta viver.
Na ilha de Luanda, por exemplo, encontramos em vários locais portadores de tpa que nada vendem. Servem apenas de facilitadores, possuindo um terminal automático de pagamento (tpa) e algumas reservas em dinheiro físico. Como funcionam as operações?
Quando o comprador de produto ou serviço não tenha dinheiro físico e o fornecedor de produto ou prestador de serviço não possua terminal de pagamento, surgem os "negociantes dos tpa". Estes prestam-se em autorizar o desconto por via da sua "maquineta, obtendo uma comissão do comprador e outra do fornecedor, embora a factura total, quase recaia exclusivamente a quem esteja forçado pela necessidade de compra.
Por exemplo, numa barraca de venda de peixe, à Chicala, o individuo pede uma refeição ao custo de Kz 2500. Não tendo ele dinheiro físico, nem a vendedora um terminal de pagamento automático, o  proprietário do mecanismo cobra Kz 500 pela operação, valor que  pode ou não ser partilhado pelo comprador e fornecedor do produto.
Ao que pude apurar, esse negócio não se fica por aí. "Há zungueiros que já usam tpa nas suas transações, assim como meretrizes que também usam esse sistema de pagamento", disse Manuel Kissari frequentador da chamada praça do peixe, à Chicala.
Quando a necessidade se junta ao engenho, uns ganham mais e outros não permitem que a fome se acerque deles.

Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 07.06.2018

sexta-feira, junho 22, 2018

NADAR E VOAR


Dois conhecidos, já na terceira idade, homem e mulher, cruzaram na Ilha de Luanda, num "amistoso" daqueles que se organizam para se sair da mesmice do bairro. O homem foi com seus amigos e ela estava a procura de emprego. Ainda nem tinham acabado de matar a saudade, nem ela tinha explicado ao curioso do André o que a levara al´, de concreto. A saliva e os suores dos beijos estampados em rostos húmidos ainda nem haviam secado. De repente, ouviu-se um grito saído de não muito longe, à beira-mar .
- Ai Wé, socorro, wé! Moça stá se afogá. Alguém que acode só?
A mana Belita olha para o compadre dele e diz.
- Compadre vai lá salvar a moça. Imagina é tua filha a precisar de socorro. O mano mesmo que nasceu aqui na ilha fica mbora assim zututu, não vai lá ajudar? Tira a camisa e as calças e nada.
André olhou para Belita e, não querendo enfrentar a desaprovação colectiva emitiu um muito baixo murmúrio:
- Belita, não sei nadar.
- O quê, compadre André? Isso é gozo ou quê? Você que nasceu e mora na ilha não sabe nadar? Anda a fazer então quê só nesse mundo?
André, sorvia o seu terceiro trago de usabem (walende das ponteiras feito de usambe). Empurrou com pressa o que restava na caneca, e como que toma a decisão de fazer o que dele se solicitava, ergueu o peito, amaciou com saliva os lábios, olhou para Belita e retorquiu.
- Comadre Belita me diz ainda. Tu que nasceste e vives ao lado do aeroporto, por ventura, sabes voar? Me diz ainda!

Publicado pelo jornal Nova Gazeta a 22/03/18

sexta-feira, junho 15, 2018

QUATRO NOTAS PARA PERCEBER A LINGUA DOS KWANZA-SULINOS

Quando a 9 de junho de 2012 o político Serafim Maria do Prado, nas vestes de governador do Kwanza-sul, escreveu à Ministra da Comunicação Social, Carolina Cerqueira, hoje titular da Cultura, solicitando intercedência desta junto da RNA para proceder a troca da designação erroneamente atribuída à variante Kimbundu falada no Kwanza-Sul, nas rádios provincial e Ngola Yetu, não o fez sem razão. Havia sido realizados, sob sua governação, dois encontros em que se discutiu a problemática linguística na província.
Serafim do Prado, na sua missiva, sugeria que os aludidos programas tivessem a designação "Kimbundu Kyetu"(nosso Kimbundu) ou Kimbundu do Kwanza-sul, indo de encontro àquilo que a população autóctene responde quando perguntada "eye oji lyahi wondola?" (Que língua você fala?). A esse questionamento, a resposta é sempre: Kimbundu ngondola/Kimbundu Kyetu/ Kimbundu ky'Epala...(FALO KIMBUNDU, FALO O NOSSO KIMBUNDU, KIMBUNDU DA KIBALA).

Na senda do debate que vimos provocando nas redes sociais e nos jornais convencionais (Cruzeiro do Sul, 3-10 Maio 2008, Jornal Cultura, 2016, www.olhoensaios.blogspot.com, etc),  o meu conterrâneo Tony Mora, avisado por um outro "conterra" e amigo comum, reagiu com hombridade aplausível, por me ter notificado, a que retiro e partilho 4 pontos para uma nova reflexão. Diz, o Tony Mora, no texto que me remeteu que:
1- O ermo ngoya, como designativo da língua falada em grande de parte do KS, foi introduzido na rádio provincial em 1993.
2- As Tentativas para gravar o programa com a designação Kimbundu não surtiram efeito.
3- Sob a governação de Serafim do Prado, realizaram-se dois encontros para analisar as línguas faladas no Kwanza-Sul.
4- ... Kanyanga (um intruso no debate?) surgiu apenas em 2018...
Perguntas:
1- a) Por que omite a primeira rádio a emitir um programa com esse nome que foi a VORGAN em finais dos anos 80 do século XX?
b) Que estudos fizeram na altura do lançamento do programa para concluir que a língua não era Kimbundu mas sim ngoya?
c) O Ministério que atende pelas questões linguísticas foi ouvido em 1993?
2- a) Por que não conseguiram, em 1993, lançar o programa com a designação Kimbundu?
b) É a rádio quem determina a autonomização das línguas em Angola?
3- a) Sabia que Serafim do Prado escreveu, a 9 de Junho de 2012, à Ministra da Comunicação Social (a mesma pessoa que atende hoje pelo pelouro da Cultura), pedindo a troca da designação do Programa, retirando a expressão ngoya, por considerara que ela não era aceite?
4-a) É a idade que determina o conhecimento?
b) A discussão sobre a designação da língua que se fala no Kwanza-Sul é matéria exclusiva dos que surgiram em 1993?
5- Não estaremos perante um caso de "investigar" para justificar o nome (ngoya) quando a investigação devia ser prévia à criação do programa?

Sem demérito àquilo que os signatários do “anguoia que significa vai por aqui”(?), publicam no Jornal de Angola e retomado pelo Portal de Angola a 15/07/2011, uma melhor compreensão do assunto passaria por fazer um levantamento com metodologia aplicável à ciência social nos municípios do norte e centro do Kwanza-Sul, como o fizeram Héli Chatelain, Maia, Redinha, Vinte e Cinco, entre outros. Ademais, toda a ciência que envolva a antropologia, história e etnografia deve sempre ter o campo como ponto de partida.

O dinamismo das línguas pode levar algumas variantes à emancipação, aí onde as correntes forem mais heterodoxas do que ortodoxas. Porém, todo nome tem de ter um sentido etimológico e semântico, o que me parece não existir no caso dos proponentes do ngoya para a designação de uma suposta língua (que pretendem autónoma do Kimbundu) falada no território norte e central do kwanza-sul. Há, por isso, que separara as águas e definir o que se pretende: autonomização ou redesignação?

Como nota final, convido o (a) leitor (a) a colocar aos Kwanza-sulinos (norte e centro) maiores de quarenta anos as seguintes indagações:
1- Ouve rádio com frequência?
2- Ouve a rádio Kwanza-Sul e a rádio Ngola Yetu?
3- Quando começou a ouvir o termo ngoya como língua que se fala no Kwanza-Sul?
4- Antes disso que língua falava?
5- A língua que se fala no Kwanza-Sul (com excepção do Seles, Kassongue e Sumbe) é Kimbundu, Umbundu ou Ngoya?

Resumido e publicado pelo jornal Nova Gazeta de 28 junho/18
 

sexta-feira, junho 08, 2018

ENTRE MANUTENÇÃO E AUTONOMIZAÇÃO: NGOIA DESCONFORTA K-SUL


A 9 de junho de 2012, o militar e político Serafim Maria do Prado, nas vestes de governador do Kwanza-sul, escreveu à ministra da Comunicação social, Carolina Cerqueira, hoje titular da Cultura, solicitando intercedência desta junto da RNA para que fosse revista a designação errônea atribuída à variante Kimbundu falada no Kwanza-Sul, nas rádios provincial e Ngola YETU. O assunto não teve o provimento esperado, pois ao q...ue se sabe, ou o Ministério que tutela a rádio não orientou ou essa não acatou. Estávamos em vésperas de eleições gerais, as terceiras, depois de 1992, 2008.
Serafim do Prado, na sua missiva, sugeria que os aludidos programas tivessem a designação "Kimbundu Kyetu" (nosso Kimbundu) ou "Kimbundu do Kwanza-sul", indo de encontro àquilo que a população autóctone de maior idade responde (ainda) quando perguntada "eye oji lyahi wondola?" (Que língua você fala?). A esse questionamento, a resposta é sempre: Kimbundu ngondola/Kimbundu Kyetu/ Kimbundu ky'Epala... (falo Kimbundu/nosso Kimbundu/Kimbundu da Kibala...).
Canhanga, Vinte e Cinco, A.Felismino, C.Cerqueira e JPedro 
Esse contributo (Canhanga: 2016) recolhido da oralidade nos municípios do norte e centro do Kwanza-Sul deve ser valorizado e adicionado ao que escreveram Heli Chatelain, Redinha, Vinte e Cinco, entre outros. Ademais, nas circunstâncias de Angola em que não abundam os trabalhos escritos, toda a ciência que envolva a etnografia, antropologia e história deve sempre ter o terreno e a oralidade como ponto de partida (laboratório) e o gabinete como fábrica (para multiplicação e difusão do conhecimento experimentado).

Na senda do debate que vimos provocando nas redes sociais e nos jornais convencionais (Cruzeiro do Sul, 3-10 Maio 2008, Jornal Cultura, 2016, www.olhoensaios.blogspot.com, etc),  o meu conterrâneo Tony Mora, avisado por um outro "conterra" e amigo comum, reagiu com hombridade aplausível, por me ter notificado, a que retiro e partilho 4 pontos para uma nova reflexão. Diz, o Tony Mora, no texto que me remeteu que:
1- O termo ngoya, como designativo da língua falada em grande de parte do KS, foi introduzido na rádio provincial em 1993.
2- As Tentativas para gravar o programa com a designação Kimbundu não surtiram efeito.
3- Sob a governação de Serafim do Prado, realizaram-se dois encontros para analisar as línguas faladas no Kwanza-Sul.
4- ... Kanyanga (um intruso no debate?) surgiu apenas em 2018...
Perguntas:
1- a) Por que omite a primeira rádio a emitir um programa com esse nome que foi a VORGAN em finais dos anos 80 do século XX?
b) Que estudos fizeram na altura do lançamento do programa para concluir que a língua não era Kimbundu mas sim ngoya?
c) O Ministério que atende pelas questões linguísticas foi ouvido em 1993?
2- a) Por que não conseguiram, em 1993, lançar o programa com a designação Kimbundu?
b) É a rádio quem determina a autonomização das línguas em Angola?
3- a) Sabia que Serafim do Prado escreveu, a 9 de Junho de 2012, à Ministra da Comunicação Social (a mesma pessoa que atende hoje pelo pelouro da Cultura), pedindo a troca da designação do Programa, retirando a expressão ngoya, por considerara que ela não era aceite?
4-a) É a idade que determina o conhecimento?
b) A discussão sobre a designação da língua que se fala no Kwanza-Sul é matéria exclusiva dos que surgiram em 1993?
5- Não estaremos perante um caso de "investigar" para justificar o nome (ngoya) quando a investigação devia ser prévia à criação do programa?
 
Sem demérito àquilo que os signatários do “anguoia que significa vai por aqui”(?), publicaram no Jornal de Angola e retomado pelo Portal de Angola a 15/07/2011, uma melhor compreensão do assunto passaria por fazer um levantamento com metodologia aplicável à ciência social nos municípios do norte e centro do Kwanza-Sul, como o fizeram Héli Chatelain, Maia, Redinha, Vinte e Cinco, entre outros. Ademais, toda a ciência que envolva a antropologia, história e etnografia deve sempre ter o campo como ponto de partida.
 
O dinamismo das línguas pode levar algumas variantes à emancipação, aí onde as correntes forem mais heterodoxas do que ortodoxas. Porém, todo nome tem de ter um sentido etimológico e semântico, o que me parece não existir no caso dos proponentes do ngoya para a designação de uma suposta língua (que pretendem autónoma do Kimbundu) falada no território norte e central do kwanza-sul. Há, por isso, que separara as águas e definir o que se pretende: autonomização ou redesignação?
Como nota final, convido o (a) leitor (a) a colocar aos Kwanza-sulinos (norte e centro) maiores de quarenta anos as seguintes indagações:
1- Ouve rádio com frequência?
2- Ouve a rádio Kwanza-Sul e a rádio Ngola Yetu?
3- Quando começou a ouvir o termo ngoya como língua que se fala no Kwanza-Sul?
4- Antes disso que língua falava?
3- A língua que se fala no Kwanza-Sul (com excepção do Seles, Kassongue e Sumbe) é Kimbundu, Umbundu ou Ngoya?
 
REDINHA, José (1984). Distribuição Étnica de Angola, 8.ª ed., Luanda, Centro de Informação e Turismo de Angola.
Semanário Cruzeiro do Sul, ed. 3-10 Maio 2008- Língua dos Kibala: Kimbundu ou Ngoya?

Texto publicado pelo Jornal Cultura de 19.06.2018, pg 06.
 
 

sexta-feira, junho 01, 2018

ENTRE O CONSERTO E O DESCARTE