À chegada, dois cães de aparência saudável e uns galináceos que se confundem com a cor do areal despertam a atenção de quem acosta a embarcação, antes mesmo de ir ter com os makwenze da polícia que guardam e garantem a inviolabilidade da nossa fronteira fluvial.
Há uma vênia que se cumpre: a saudação que é sinónimo de educação e bons costumes e a identificação do objecto da visita, mesmo tratando-se de local de interesse turístico-histórico.
Os jovens, filhos alheios, não complicam ninguém e são bons cicerones pelos três principais motivos daquela península (no passado conhecida por mwan-a-nkukutu) o marco em betão da Administração do Soyo, que dizem ser católico; as "tendas" dos protectores de tartarugas e o marco deixado por Diogo Cão num longínquo ano do século XV.
- Ir ao Soyo sem chegar à Ponta do Padrão - dizem - equivale a ir a Roma e não chegar ao Vaticano!
Será?!
Ainda a pensar no ditado, ergui a cabeça, para além da água farta e da areia. Mangais fechados com raízes que "caem dos céus", figueiras, mangueiras, palmeiras, acácias e vegetação rasteira fazem parte da flora marcante.
- Kota, ali, antes do marco deixado pelo Cão, é um símbolo da Igreja. Os gajos xindaram em língua estrangeira. - Explicou o jovem polícia de guarnição fronteiriça que se diz natural do Rangel, em Luanda.
- Podemos ver o que escreveram? Se calhar, com o google translator, eu consiga dizer-vos o que está gravado. - Disse-lhe, procurando convencê-lo a mostrar a placa em betão que não ficava distante do acostamento.
- Kota, escreveram em italiano. - Ripostou em sua defesa.
Aproximamo-nos. Confirmei a inscrição, nítida na língua modernizada por Camões, o conterrâneo de Diogo Cão que por lá passara em 1482.
"MUNICÍPIO DO SOYO
POR AQUI PASSAM OS CAMINHOS DA HISTÓRIA
1490-1491".Li, com a ajuda da mulher, 5 anos mais nova e com a visão ainda em dia.
- Oh! Como é que o kota leu sem traduzir? Ou fala também o italiano dos padres?! - Indagou o jovem admirado.
- Em cima usaram mesmo Português. A numeração é a romana que se aprende na quarta classe. - Elucidei-o.
O jovem balbuciou umas palavras imperceptíveis, uns resmungos a soar "no meu tempo isso não se ensina na escola".
Caminhámos alguns metros até ao marco deixado pelo Diogo. O que se vê é a reconstituição feita há 102 anos (1919), pois o original "foi levado pelo bravo mar", deixando pela trás "apenas as correntes". - Explicou paciente o jovem cicerone.
- Aliás, kota, você foi nosso Prof° e sabe das coisas. Mas, olha! Aquilo que falou que ensinam-lhe na quarta classe (numeração romana), deve ser apenas no tempo do kota. No nosso tempo é só já vuzar. Relógio é no telefone. Os números que ensinam são somente esses da tuga...
- Pois é, jovem. Compreendo. Nasci ao tempo de Spínola. Comecei a estudar ao tempo de Neto e quando fiz a quarta, Zé-Du ainda era jovem. Nós começamos a aprender a numeração romana na segunda classe, quando nos ensinaram a ver as horas (Ciências Integradas). Aprofundamos na quarta classe onde acrescemos a potenciação aos números romanos. - Expliquei-lhe paternalmente, ao que acolheu com um convite.
- Chefe! - Virou-se para o meu irmão polícia que nos levou à Ponta do Padrão. - Quando o pai voltar ao Soyo, "lhe traz" novamente aqui! - Rematou, ao que anuímos.
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