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terça-feira, dezembro 29, 2020
domingo, dezembro 20, 2020
DOS HOMENS AOS PÁSSAROS
Paranhos, terra do Silva tido como fundador do Kwitu, kaphutu cikolonya. Esse fontanário já serviu homens num passado que a geração actual de jovens não faz ideia. Muitos a entrar aos cinquenta também. A água encanada chegou à casa. Porém, lá está o fontanário, construído em pedra, cal e ferro. Persiste no tempo, desafiando-o tenazmente. Nem a lumpenagem põe mão ao que serviu o público, é público e memória colectiva.
terça-feira, dezembro 15, 2020
A REPRESSÃO DEBAIXO DE ESPINHOS
Nos anos 80 do Sec XX, com a guerra crescendo de intensidade, raptos perpetrados pela guerrilha de farda verde, fome e deslocados, passar noites na mata para escapar à surpresa madrugadora era dia sim, semana também no meu Limbe¹.
Uma das situações incômodas que conservo na memória era o facto de se ter colectiva e familiarmente imposto que "aqueles que tivessem tosse não deviam tossir e as crianças não deviam sequer reclamar a teta através do choro".
- Omona wu otujibisa!² - Dizia-se ao primeiro ai.
Minha mãe, viúva na casa dos trinta, ainda alimentava a Emília e havia pessoas com gripe e constipação, fruto das intempéries climatéricas a que nos submetíamos. E fazíamos o esforço em não tossir nem soltar um espirro.
Quão duro era reprimir um espirro ou tosse, manifestações espontâneas difíceis de esconder!
Hoje, de baixo de coroas espinhosos que envolvem o vírus do momento, viajei 8 horas com dois senhores (mãe e filho) que engripados ou sofrendo de doenças respiratórias que os convidavam a espirrar e ou tossir, não podiam soltar tal momento espontâneo e sublime, por respeito aos demais co-passageiros e também por receio de possível estigmatização.
Lembrei-me do meu sofrimento há trinta e sete anos no Libolo e durante a viagem inteira sofri com eles.
Afinal, um tossir espontâneo ou um espirro seguido de um "santinho" fazem parte da natureza humana e dão fôlego aos homens viventes.
Que se vá embora esse corona!
¹ Aldeola agrícola da comuna de Munenga na EN120. Foi extinta pela emigração dos seus habitantes e ficava a dois quilômetros da actual Aldeia de Pedra Escrita.
² Esta criança vai levar-nos à morte (Kimbundu).
terça-feira, dezembro 08, 2020
A CICATRIZ E O CAFEEIRO
Certo dia encontrávamo-nos no rio ou à beira. Calculo que teríamos ido "kanyunar"¹ muzwa². O rio, povoado em bagres e tuqueias pelo meu progenitor, já ia conferindo autossuficiência à família em termos de peixes e caranguejos. Esses, os hala, apareceram antes da minha família.
terça-feira, dezembro 01, 2020
OS ESCOMBROS DE JANJO E A PICADA DE CASSONGUE
A manhã era fria, 15 graus Celcius, e no Horizonte estava marcada a cidade de Luanda. A viagem seria longa: Huambo-Cuito e voltar ao Huambo (Chicala Choloanga) e rumar em direcção ao Cuanza-Sul ou seguir do Cuito ao Andulo, Mussende, Quibala-Luanda.
À volta do imóvel podem ser vistos outros escombros sinalizando uma forte presença missionária (escola, hospital e outras dependências habituais).
domingo, novembro 29, 2020
QUANDO A MÃE TE CHAMA "MESTRE"
Um dia antes de me submeter ao júri, ordenei minhas duas irmãs:
domingo, novembro 22, 2020
DO PORTO A LISBOA
A senhora estava fina. Bem, não sei se fina ou finória. De corpo, tenho certeza. Era fininha.
domingo, novembro 15, 2020
DE LUANDA AO LIBOLO
Íamos pela estrada com pontes em alargamento no meu NISSAN Almera. Uma placa indicava desvio a 500 metros, quando na verdade eram 50. Por pouco caia num rio cuja passagem hídrica havia sido desactivada para ser substituída por outra mais larga. Travei a custo e fui chamar um "nervo" ao "capataz" da obra.
domingo, novembro 08, 2020
OS LICENCIADOS DE LUANDA E OS DE BOLONHA
O Tratado ou Processo de Bolonha (19 Junho 1999) estipula, entre outros, a integração europeia (e outros signatários como Rússia e Turquia) e a reforma do ensino universitário dando maior responsabilidade ao estudante e diminuindo o tempo lectivo.
domingo, novembro 01, 2020
"PLATÃO DA KIBALA"
quinta-feira, outubro 29, 2020
KATALAMBA
Watungu kukunda Kwenganga wobata (Literalmente: quem constroi atrás seguiu a Kinganga)
O aforismo kibala-lubolense reporta-se, entre outros, a uma vertente do crescimento populacional das aldeias kwanza-sulinas.
A genesis das aldeias rurais tem como base o núcleo familiar. Regra geral, um emigrante em busca de terra fértil, pasto, faina ou paz espiritual depois de atritos na aldeia de origem, constitui uma nova comunidade residencial.
Esse patriarca, com seus filhos, esposas e sobrinhos, funda a aldeola que, com o tempo, cresce (à medida que os filhos e sobrinhos forem constituindo famílias e atraírem outros parentes e amigos para o novo conglomerado habitacional.
A relação consanguínea faz com que os casamentos dos constituintes, regra geral, se façam com pessoas de outras aldeias próximas e/ou distantes que não sejam de mesma linhagem.
Surge aqui a figura de katalamba¹ que é incontornável num kixobo².
Parente e ou amigo/a do casal, o/a katalamba é o/a emissário/a do noivo que, no dia do kixobo, se mete a caminho da aldeia de da noiva, levando-a, em companhia da tia desta ou outra representante de sua família, à casa do noivo.
Pelo caminho, mostra-lhe e conta-lhe estórias e história sobre os hábitos e costumes da sua família , sobre os rios, coutadas, bens físicos e espirituais, permissões e proibições, famílias amigas e inimigas, entre outros aspectos de vida familiar e comunitária.
A/o katalamba é geralmente bem recebido em casa da nubente e tratado como interlocutor válido/a do seu representado.
Há outros ritos de baixa variabilidade de aldeia em aldeia que, regra regal, consistem em entornar um pouco de kisângwa³ e óleo de palma em cada entroncamento, representando o manifesto de paz com todos quantos trilharam e venham a trilhar aquele caminho e fartura à nova família.
Terminada a cerimônia matricial, uma noite dançante, com fartura em funji de carne, regada com makyakya⁴ e wala⁵, algumas peças do enxoval da noiva são entregues como lembrança a/o katalamba, como prato, garfo, faca, copo e outros possíveis objectos.
O autor desta crônicas foi katalamba no kixobo de Rosa José, em 1996, em Luanda, tendo recebido como lembranças: um prato, garfo, faca, colher e copo de vidro.
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1- Emissário/a do noivo.
2- Cerimônia matrimonial.
3- Sumo feito de farinha de milho e adocicado com seiva de uma raiz designada por muxiri ou mbundi (Umbundu).
4- Destilado alcoólico também designado por kaporroto.
5- O mesmo que kisângwa. Garapa.
sexta-feira, outubro 23, 2020
A FALASTRONA E A CANECA DE CAFÉ
Ukãe wanditukãnla. Ati* "essa hora com caneca"?
Dez horas de domingo. O sol anunciava-se preguiçoso, apesar de o kasimbu ter ficado, oficialmente há 24 horas atrás. A vila, que também chamam de centralidade sem nada centrar, tirando o reencontro dormitorial de cada semana, tinha movimento lento e contável.
Uns regando jardins, outros varrendo os passeios e bermas e outros, sobretudo outras, entregues a conversas de quem tivesse trabalho em falta.
Man- Quarenta acordara cedo, como sempre, e estava dividido entre o balde de água para regar o jardim que plantou no passeio, a caneca de café que fazia o vai e vem (algumas vezes ficava na grade, para ser movimentada quer de dentro como de fora do muro de um metro) e a pá e vassoura para diminuir a areia na berma da estrada que, no seu dizer, "estragava o looking da moradia".
- Bom dia vizinho, bom dia vizinha, bom dia menino, bom dia menina ... - Era hábito dele cumprimentar enquanto homem do nascido no interior, cultivado a manter relações de boa vizinhança, mas sem a confiança de se pedir sal ou jindungu.
Depois de um "bom dia" um um condômino que se fazia desfilar em voz alta, foi agraciado caralmente com uma pérola.
- Kitangana kyeniki nyi neka bu mako?**
- Arra xisa! Essa pessoa vou lhe pôr na crónica. Pessoa não pega mais caneca é bêbado. E mesmo que fosse bêbado, domingo, dez horas, à espera de Kumbi Lixya-njila kanjimbi e companhia é pecado que Cristo não perdoaria? Está a me ofender pô-cá-di-quê?! - Bravou, mas só no coração.
Man-Quarenta, nascido numa aldeia organizada, embora rural, cedo mudou-se para um dos musseques de Luanda, onde ainda encontrou mulheres que varriam as ruas manhã cedo e ensinavam os filhos a observarem os bons costumes. Mesmo no "mato" onde nasceu, o espaço à volta de casa era limpo, o lixo enterrado ou queimado e a vizinhança era família. Se calhar foi isso que o pôs fulu.
- Porra, café na jatona é kapuka? - Rabujou autra vez em solilóquio, enquanto rebuscava uma boa música para descrever a pessoa faltadora de respeito.
Entre Bangão e o Trio Kusanguluka, veio-lhe "Vizinha yô vizinha, wabeta mon'ami. Ki ngamubwidisa mukonda, wangilomlolola ndaka. Vizinha yô kamaka!"
Continuou a rega e a varredura da berma da estrada que se tornara imunda pela acção da inicivilização humana e foi cantando sem pronunciar:
- Kutunga nê wijya... vizinha yô kamaka...***
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* A senhora ofendeu-me. Disse:
** Essa hora com caneca na mão? (Kimbundu)
*** ser vizinha deles é preciso ter cuidado. A vizinha é "makeira".
quinta-feira, outubro 15, 2020
"O MEIO É A MENSAGEM"?
Porém, não era ainda tudo. A internet e as redes sociais, vieram dar velocidade e maior alcance, atingindo um público global e eliminando os condicionamentos de distribuição. É, deverás, impactante.
Quando o filósofo MacLuhan diz que "o meio/veículo é a mensagem" não o diz de forma literal, pois, é consabido que mensagem é mensagem e o meio é o canal por onde ela, a mensagem, é feita circular (desde a antiguidade que não se confunde a mensagem e o mensageiro).
quinta-feira, outubro 08, 2020
BATATEIRA DESFOLHADA
Entre o frio e a necessidade de dar vida à vida, lá estava também eu, fumador passivo da kangonya do motoqueiro que recolhia o lixo do quarteirão P do Zango 5. Mangueira na mão e pá à porta do quintal, eis que me visita um jovem alto e magro, em passo apressado.
quinta-feira, outubro 01, 2020
QUEM DISSE QUE HOMEM ADULTO (NÃO) CHORA?
A fila não era longa. A manhã é que já levava quilómetros.
terça-feira, setembro 29, 2020
QUERO-VOS PERNAS!
Há duas semanas que vou fazendo a pé o percurso Zango V vs entroncamento com a Estrada Kalumbu-Via Expressa, ora de manhã, ora ao dealbar do dia.
*tremer.
** cheios de força, vigorosos.
terça-feira, setembro 22, 2020
AMBULÂNCIA NO BAIRRO
- Xê, sabes duma coisa, Joana?
- Coisa de quê então, Belucha? Me conta então.
- Falaram então aquele vizinho acusou.
- Lhe acusaram quê? Assim já é fitiço nê?
- Não lhe acusaram feitiço, sua distraída.
- Então fez quê, roubou ou meteu filho na mulher do outro? Também da maneira que bebe e pega nos rabos das mulher'alheia não s'esperava outra coisa.
- Joana, você és mesmo distraída. Parece ainda estás em Kangandala. Abre o olho, pá.
- Mas, ó Belucha, você conversa que inicias nunca terminas. Assim eu é que vou adivinhar o teu mahezu. Começa então ja a boatar você que te nasceram na cidade. Mesmo aquele tô bairro Kangambo de Malanji também é quê? Comparando com Kangandala onde me nasceram ainda é mais melhor. Vai conta já.
Belucha mão na bochecha e outra nas costas, como que aquecendo o mona que trepidava de frio. Caminhavam ao chafariz.
- Pronto já Joana. Só não te arrespondo mais porque eu é que dei iniciada de abusar teu bairro. É assim. Estás a ver o vizinho Januário, nê? Disseram ambulância foi em casa dele lhe buscar.
- Belucha, assim é quê? Será que fez acidente? Nós, em Kangandala, se pessoa vê ambulância foi socorrer acidente na via.
- Mas aqui é Luanda, Joaninha. Não andas a ouvir Covid? Disseram acusou!
- Má, má, má! Belucha, faz favor. Viste bem? Ouviste mesmo bem ou estás só incriminar homem lheio?
- Vi a ambulância, Joaninha. Também ouvi aqueles moços que ficam na rua a falarem que agora quando ambulância te vai buscar é porque acusou covid-19.
- Belucha, sei mesmo que você estudaste mais do que eu que parei na terceira classe e também vieste já há muito tempo em Luanda. Mas vou te dizer, minha irmã. Discriminar as pessoas é crime. Pior do que isso é estigmatizar que tem doença que não foi buscar. O tal corona não é como a sida. Às vezes lhe encontrou mbora no trabalho, assim como pode ser mentira.
- Tens razão, mirmã. As pessoas, às vezes exageram.
terça-feira, setembro 15, 2020
UM VIVER RURAL À VOLTA DO ZANGO V
terça-feira, setembro 08, 2020
NGOYA: CONSTRUTO INACABADO OU ADIANTAMENTO NA ACULTURAÇÃO?
Um dia depois do Live no Kubico que juntou Kumbi Lixya, Man-Prole e Bessa Teixeira, um dos programas de entretenimento da Televisão que "É nossa" estendeu o sinal ao Sumbe para perguntar ao jornalista local sobre o impacto do Live na capital cwanza-sulina, tendo a jovem apresentadora iniciado por perguntar "como se dizia boa tarde em língua local".
O jovem, sem pestanejar ou recorrer ou que já teria ouvido bastas vezes, atestou que "em ngoya é mesmo mboa tali" , quanto a mim, uma kimbundizacão de boa tarde (Pt).
Perante tal desfeita aos mais velhos, cultores de nossas línguas (principal elemento dignitário de um povo), aos investigadores e cientistas das línguas; tal "desfeita" e tão banal quanto foi só me pode levar às seguintes hipóteses:
a) Que a língua ngoya que se apregoa existir no Sumbe, e que pelas ondas da RNA pretendem tornar extensiva a todo o Kwanza-Sul, é uma invenção inacabada, portanto, inexistente;
b) Que, caso mui remotamente tivesse existido, seria a língua angolana mais avançada na sua perda de identidade ou acomodação de lusitanismos, ao ponto de deixar de conter no seu léxico uma simples saudação; ou, na pior das hipóteses;
c) Que tal povo e língua "ngoya" são pós-dependência de Angola e a tatear ainda na construção e composição do seu "corpus identitário" em que se posicionam a língua autónoma e demais elementos identitários periféricos.
Uma casa inacabada é um projecto que pode dar em casa ou em nada. Portanto, não façam os incautos "pescar" um pedaço de canoa náufraga, confundindo-o com bagre. As línguas têm léxico próprio, têm vida...
Eme nganange. Eye phe?
Muphe nga, kwimuna kwi?