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terça-feira, dezembro 15, 2020

A REPRESSÃO DEBAIXO DE ESPINHOS

Nos anos 80 do Sec XX, com a guerra crescendo de intensidade, raptos perpetrados pela guerrilha de farda verde, fome e deslocados, passar noites na mata para escapar à surpresa madrugadora era dia sim, semana também no meu Limbe¹.
Uma das situações incômodas que conservo na memória era o facto de se ter colectiva e familiarmente imposto que "aqueles que tivessem tosse não deviam tossir e as crianças não deviam sequer reclamar a teta através do choro".
- Omona wu otujibisa!² - Dizia-se ao primeiro ai.
Minha mãe, viúva na casa dos trinta, ainda alimentava a Emília e havia pessoas com gripe e constipação, fruto das intempéries climatéricas a que nos submetíamos. E fazíamos o esforço em não tossir nem soltar um espirro.
Quão duro era reprimir um espirro ou tosse, manifestações espontâneas difíceis de esconder!
Hoje, de baixo de coroas espinhosos que envolvem o vírus do momento, viajei 8 horas com dois senhores (mãe e filho) que engripados ou sofrendo de doenças respiratórias que os convidavam a espirrar e ou tossir, não podiam soltar tal momento espontâneo e sublime, por respeito aos demais co-passageiros e também por receio de possível estigmatização.
Lembrei-me do meu sofrimento há trinta e sete anos no Libolo e durante a viagem inteira sofri com eles.
Afinal, um tossir espontâneo ou um espirro seguido de um "santinho" fazem parte da natureza humana e dão fôlego aos homens viventes.
Que se vá embora esse corona!

¹ Aldeola agrícola da comuna de Munenga na EN120. Foi extinta pela emigração dos seus habitantes e ficava a dois quilômetros da actual Aldeia de Pedra Escrita.
² Esta criança vai levar-nos à morte (Kimbundu).

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