Por: Nguimba Ngola
Setembro é o mês em que nasceu Agostinho Neto e no dia 17
nosso poeta transita. O povo lembra-se dele nas várias dimensões da sua vida,
como poeta e político. Na Cidade
Diamante, a cidade da Pedra Brilhante, Neto também foi lembrado. Várias foram
as actividades.
Na manhã do dia 16, o anfiteatro da Escola Média
Politécnica, transbordou literalmente de alunos. Sim. Plateia jovem ouve atentamente
a governadora, Cândida Narciso, palestrando sobre Agostinho Neto. Em seguida,
vem a apresentação do terceiro (O Sonho de Kaúia, Manongo-Nongo, 10encantos)
livro do escritor Soberano Canhanga, jovem de Libolo, onde nasceu há 37 anos… A
mim coube a missão, desnecessária (?), de apresentar o livro que, depois de
alguma relutância, aceitei porquanto tinha sido indicada outra apresentadora
que por motivos alheios não se fez presente.
Poetas: Soberano Canhanga e Nguimba Ngola |
Soberano é um dedicado “bloguista”. Tomei inicial contacto
com seu texto poético no seu blog “10encantos” que é o título do mais recente
livro publicado. Já na sua forma gráfica, cuja apresentação não deixa a
desejar, peguei o “filhinho” do Soberano entre mãos, acariciei-o, senti-lhe o
cheiro agradável, passeei brevemente nos textos, para constatar o modo de
arrumação. Enquanto isso, a voz no microfone anunciava o nome Nguimba Ngola para
tomar o lugar. Um friozinho toma conta de mim, é grande a responsabilidade,
câmaras, olhares atentos expectantes da apresentação, “é o tio dos livros do
tchilar…” ainda ouvi da plateia. Som e palavra é igual a poder. Ganhei o poder
e comecei. Tirei partido da apresentação para o aconselhamento dos jovens sobe
a importância da leitura. No final, as palmas. Ah, que alívio! Acabou, não é
nada fácil falar ao público. Já no aconchego dos lençóis, eis que meu anfitrião
comunica que lhe foi pedido o texto da apresentação. Não o tinha. Antes as notas
rabiscadas em papel qual esboço orientador do pensamento. Um pequeno lap top
foi-me entregue. Agora escreva o texto, disse-me Soberano Canhanga.
10encantos do Soberano
Analiso a
poesia desencantada do Soberano em três dimensões: Dimensão textual, dimensão
social e dimensão espiritual.
Os textos
do Soberano se nos apresentam com uma estrutura externa não tradicional, não
encontraremos formas fixas como o soneto. Sim. Os textos são desprovidos de
métrica, impera porém o verso livre que deixa margens para maior criatividade e
liberdade ao poeta.
Ainda
assim, elementos poéticos básicos podem ser observados como a rima “Revejo/ num
quarto agora vazio/ esse teu corpo tão esguio// Recrio/ emoções e amores
loucos…/ voltam à vida aos poucos// Reencontro/ espalhados pelo chão/ roupas,
beijos e paixão!” (in Sem medo, pg 85). O ritmo também confere beleza nos
vários textos 10encantados. É sentir, por exemplo, “À fala com os meus botões”
onde “tarda o sono/ nos sonhos a traição…” (pg 103), ou ainda “tórrida e
sofrida/ minha pátria/ dorida…” (pg 53).
A linguagem
poética, em muitos textos, torna-se expressiva pelo recurso de figuras e
tropos, assim que encontraremos “pretinha cor de nuvens”, “espertinha na
quilometragem da idade”, “o sol já brinca no quintal”, “fustigai-vos ó ventos/ maltratai-vos
ó águas/ façam-se remoinhos”, “no além da curva sanitária/ morre o sémen
preguiçoso”.
A dimensão social dos poemas do Soberano Canhanga, reveste-se de textos, alguns dramáticos, porém apontado esperanças, “e sonhos de liberdade”. Sinto isso no poema “Êxodo” (pg 29). Quem não constata hoje, o drama nas vidas de muitos que “ontem/ na sanzala/ gente farta gritando/ canções alegres, intrépidas!”? E “Hoje/ na cidade/ gente magra/ esfarrapada/ entoa baladas tristes”… Profunda para todos, pois o contrário seria como diz o sujeito lírico do Soberano Canhanga apenas “paz podre” (pg 61), “paz sem perdão/ é tentar esquecer/ sem dar o braço a torcer/ não é paz, é podridão”.
A dimensão social dos poemas do Soberano Canhanga, reveste-se de textos, alguns dramáticos, porém apontado esperanças, “e sonhos de liberdade”. Sinto isso no poema “Êxodo” (pg 29). Quem não constata hoje, o drama nas vidas de muitos que “ontem/ na sanzala/ gente farta gritando/ canções alegres, intrépidas!”? E “Hoje/ na cidade/ gente magra/ esfarrapada/ entoa baladas tristes”… Profunda para todos, pois o contrário seria como diz o sujeito lírico do Soberano Canhanga apenas “paz podre” (pg 61), “paz sem perdão/ é tentar esquecer/ sem dar o braço a torcer/ não é paz, é podridão”.
Eis então
que no que depender de todos nós, devemos buscar sempre a paz. Sensível, o
poeta, ante o drama da transição (morte), pede a que se chore a “mãe-grande”,
mãe de seu “grande kota José Caetano”, “com prosa e poesia…// com pintura e
escultura/ choremo-la com realidades e ficções/ choremo-la com ARTE!” (pg 33).
São os 10encantos do poeta, desabafos e choros, “o mundo enfrentar/ sofrer
(?)”.
O fenómeno
prostituição também é motivo lírico pois pululam ao vento “kitata kuribeka”,
que deixam suas tetas moribundas serem sugadas “no leito da morte”. Hoje é
intensa a correria ao “álcool barrigudo” e, despudoradamente, vão “xaxatando
nádegas flácidas” “mbunda ya kitadi”, “mbolo ya kizwa/ kufwa kidi!” (in na cama
de hotel, pg 18).
O falante
lírico vive intensamente suas paixões, descrevendo-as com nostalgia,
rememorando sonhos e traições, e muitas vezes encantando-se com a beleza
da(s) sua(s) amada(s).
Na dimensão
espiritual, vejo o poeta convocar-nos para o cultivo. “Vinde e cultivai/ que é
próprio o memento!” É o momento de amar verdadeiramente pois “ o nosso amor é a
importância que nos atribuímos”. Todos aqueles que se furtarem ao verdadeiro
amor devem perceber “que é chegada a ceifa” , “é chegado o julgamento/ do
Cefeiro que chega à hora”, eis a infalível reintegração cósmica. O eu lírico
confronta-se com a realidade mística “há vezes/ em que não sou eu quem age/ mas
o oculto” (pg 44). Sim. É a inteligência universal comunicando.
Saurimo, 16.09.2013.
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