Em Maio,
de 1992, um ano depois da assinatura dos Acordos de Bicesse, tinha acabado de
fazer dezoito anos cronológicos. Porém, a necessidade do adiamento da minha
convocação para o serviço militar, que era obrigatório, levou a minha mãe a
diminuir dois anos à minha data de nascimento, ficando no registo o anos de
1976 como o do meu nascimento.
Cartão de eleitor: CNE 1992 |
Entre Junho
ou Julho do mesmo ano fiz o registo eleitoral. Fi-lo no Cazenga (Luanda), numa
brigada de registo que actuava nas imediações da Sonefe. Uns parentes que conheciam
a minha idade real convenceram-me a fazer o registo, sendo eles testemunhas,
conforme postulava a lei eleitoral (aqueles
que não possuíssem documentos podiam ser testemunhados por angolanos adultos, bem
identificados). Lá fiz o registo eleitoral e não tardou para a campanha,
realizada com muita euforia e troca de mimos entre os políticos, durante o mês
de Setembro (não faltam microvídeos no
youtube).
MPLA,
UNITA, FNLA, PAJOCA, PDP-ANA, PRD, PSD, AD-Coligação, FpD, PLD, PAI, PDA, MDIA-PCN,
FDA, entre outras forças políticas, expuseram argumentos, durante 30 dias, para
convencer o eleitorado (até 27 de Setembro). O dia seguinte, 28 de Setembro, foi
o de reflexão ou recolhimento.
Foi também
dia de correria às cantinas e praças para o aprovisionamento logístico. O
endurecer dos discursos entre os Partidos-Movimentos que tinham acabado de “desmobilizar”
as suas forças armadas levava os angolanos a temer por dias de jejum. Era
preciso encher as despensas. Havia sintomas de que algo correria mal ou que
viesse a faltar comida. E aconteceu dias depois do pleito com os adiamentos do
anúncio dos resultados e as escaramuças que se lhe seguiram, um pouco por todo
o país.
As famigeradas
lojas do povo tinham dado lugar às
cantinas que, num abrir e fechar de olhos, brotaram como cogumelos em época
chuvosa, mas ainda abastecidas pela mesma ENSUL que fornecia o mesmo arroz,
feijão e óleo vegetal aos recém-finados "Supermercados" da sexta básica.
Eu e outros angolanos estávamos ansioso em eleger, pela
primeira vez, os nossos governantes e ver Angola de forma diferente, “Novos
Rumos” como se dizia.
A 29.
Set. 1992, eram enormes as filas nas escolas para borrar o dedo indicador direito
de tinta indelével e perfurar os cartões de eleitor. Filas intermináveis,
nalguns bairros de Luanda, mas de forma ordeira, enquanto uns iam votando
outros iam suando e acompanhando emocionados as noticias pela rádio... Eu, meu
tio e meus primos passamos a manhã numa fila no bairro dos CTT, km7, em Luanda. Todavia, só pude votar à
tarde, no escola Ekuikui II, ao Rangel.
E, a 30 de Setembro ainda se votava em regiões onde o acesso por terra (estrada) era difícil ou impossível. E todos viviam a mesma alegria. A alegria de poder ser deste ou daquele partido, de exercer o direito de escolha, de ser útil, pela primeira vez, na definição da governação do país.
Mau agouro o que se sucedeu semanas depois. Adiamentos do anúncio do resultado da votação, ameaça de "somalização" de Angola caso os resultados fossem divulgados, discursos musculados e respostas à medida. Das ameaças verbais passou-se ao uso do músculo e do gatilho. E o país descampou em nova guerra, essa, mais sangrenta e com elevadíssima destruição do pouco que tinha sobrado Dos 14 anos de luta para a independência, ao que se seguiram outros 15 anos de guerra civil. Foram mais 10 terríveis anos que, felizmente, ficaram para a história...
As primeiras eleições multipartidárias em Angola aconteceram há 21anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário