COMUNIDADES SOB REGIME FEUDAL NO SECULO XXI
Nasci numa aldeia recôndita. Das mais recônditas do Libolo e da comuna da Munenga. Mbango-de-Kuteka fica na margem libolense do rio Longa. Para se lá chegar, tem de se atingir a aldeia de Pedra Escrita, no troço entre desvio da Munenga/Kalulu e Lususu (EN120), embrenhando-se pelo sertão, à direita até próximo do Rio Longa, numa distância entre 25 a 30 quilómetros.
Mbango-de-Kuteka tem uma aldeia satélite, Kabombo, onde ficava a fazenda duma senhora alemã, apelidada pelos nativos por “Senhora Kasenda”. Desconheço o seu nome de registo. A mesma foi raptada em 1984 pela UNITA, com outro alemão, seu parente, Walter Kruk, tb apelidado pelos nativos por “Ngana Mbundu”. Ambos nunca mais foram vistos.
A uns 5 ou 10 km da aldeia de Mbango, fica a capital de Kuteka, Mbanze-yo-Teka (Banza de Kuteka). Antes de se atingir a aldeia de Mbangu, encontramos o desvio para Hombo, aldeia também circunscrita à regedoria de Kuteka e depois de Hombo, atingimos a Kipela.
Embora muita gente dessas aldeias tenha migrado para junto da estrada asfaltada (Pedra Escrita), ainda restam alguns parentes da minha mãe. Há gente que não se aparta do rio Longa que é/foi fonte de vida para muitos. Na minha última viagem, efectuada há dois anos (2011) na companhia de um amigo Engº Geofísico Tiago Duarte, entristeceu-me não ter encontrado escola, nem posto de socorro médico. Vi crianças anémicas e desnudadas. Um autêntico período feudal em pleno séc. XXI.
Nos anos 70 e 80 do séc. passado, a região teve professores como Faustino Kissanga Bocado, Jorge Kakonda, entre outros que me escapam à memória. Alberto Garcia, terá sido dos melhores alunos de Mbango-yo-Teka, chegando, anos depois, já sem um ensino oficial, a ajudar os petizes com aulas particulares. Hoje nem Garcia, nem o Estado ensinam as crianças da minha aldeia natal.
Atravessando o Rio Longa, à distância de 30 a 35 Km, fica a aldeia de Mbwexi, comuna de Ndala Kaxibu (município da Kibala). Mbango-de-Kuteka, segundo a minha mãe, também fica próxima de Thumbu e Kilenda ou ainda da Kisama (se descer com o rio no sentido oeste). Ela conta que em tempos recuados iam à Kisama, a pé, vender tabaco. A ligação do Bango-de-Kuteka com as aldeias citadas é feita ainda a pé.
Pude identificar, instrumentos rudimentares como armadilhas de ferro, designados genericamente por “otuela”, do português ratoeira, embora sejam para apanhar animais de médio e grande porte; facas e flechas forjadas no fole pelo ferreiro; panelas e moringues de barro; pontes feitas a base de cordas e paus, designados por “ulalo”; redes piscatórias e anzóis artesanais; circuncisão ainda a sangue frio; cura de doenças baseada apenas em raízes e plantas medicinais; crença no feiticismo e na intervenção dos antepassados na vida, etc., situações já “enterradas e esquecidas", faz tempo, em outras comunidades mais avançadas.
A Medicina, a formação e a informação, comércio e estradas devem lá chegar para que haja um salto para a luz. Também se pode promover a aglutinação das aldeolas para permitir que investimentos em termos de infra-estruturas sociais básicas acima citadas e permitir que o sol os ilumine o mais cedo possível. Bastará as autoridades administrativas indicarem um espaço intermédio entre diversas aldeolas, lotear os terrenos (fazer arruamentos) para a construção dirigida, distribuir chapas de zinco, indicar o tipo de material a usar na construção (ideal que seja o adobe queimado como se faz no norte de Angola) e fornecer uma planta arquitectónica tipo. A própria comunidade ergue as residências, cabendo ao Estado construir o posto médico, a escola, o Jango com TV comunitária, as casas para professores e enfermeiros, posto de polícia, construir picadas em condições, instalar água e energia foto voltaica, etc. O comércio irá a reboque. Isso pode e deve ser levado a todos os pontos do pais onde ainda se verifique uma vida do tipo feudal em pleno séc. XXI.
Os governantes habituaram-nos, nos seus discursos a remeter todas as realizações infra-estruturais ao Presidente da República, com “Graças à orientação de Sua Excelência”. Sabendo que o chefe do Executivo não pode percorrer todas as aldeias do país, onde aqueles que o representam nada fazem sem que o chefe os mande, ofereço-me para “radiografar” desapaixonadamente a Angola desconhecida , a começar pela aldeia do meu cordão umbilical.
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