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quarta-feira, novembro 29, 2023

LÁ & CÁ: PARQUES E TURISMO

Notas turísticas 

Escalar montanhas é um tipo de desporto de lazer que se encaixa perfeitamente no turismo. Quando se vai a Cape Town, uma das maiores atrações turísticas é a Table Moutain, cuja altitude é de mil e oitenta e seis metros. Um dos desafios dos turistas tem sido chegar aos 950 metros de altura, em atalho íngreme do Kloof Corner (a caminho da Table Mountain). Na minha aventura, os 950 metros pareciam insuperáveis, dado o facto de ser quase cinquentão e único entre uma vintena de jovens de vinte a trinta anos. Olhando para o desafio, escalar a montanha por um andarilho, o lado preguiçoso que, infelizmente, todos temos apelava à desistência.  

Sons estranhos vozeiravam em mim. "Kota, não vale apenas só. Vai p'ra casa, prepara tua prova e aprecia uma kisângwa. 

Procurei não ceder e o lado corajoso se sobrepôs, apelando-me ao foco no resultado e não no desafio.  


Quando, ofegante, a meio do percurso, sem saber se continuava ou desistia, com os vasos nasais a se mostrarem demasiadamente estreitos para levar aos pulmões a quantidade de ar que estes demandavam, abri a boca e levei-a mais próxima dos pulmões. Foi como se um veículo 4×4 tivesse ligado o turbo. 

Não tardou. Os jovens que me achavam de velho passaram a perguntar-me um a um: "Kota, de onde provêm toda essa tua energia"? 

A minha resposta foi curta e incisiva. Perante uma prova aparentemente difícil, foque-se no resultado e não no desafio! 

Mais uma vez, cansado, mas realizado, já no sopé e enquanto esperava pela chegada do Uber, encostei-me a um rochedo, tal qual George Washington, após a travessia do rio Mississipi, mas, não fazendo aquela memorável declaração "I'm tired" embora também estivesse, fiquei a pensar na (im)possibilidade de termos também andarilhos nas nossas serras e montanhas para "entreter" turistas e amealhar alguma pecúnia que muita falta nos faz. Vieram-me à cabeça todas as montanhas da minha infância e puberdade como o Morro do Moco, o Luvili, o Manyangwa (entre Muxixi e Lususu, cuja cordilheira se estende ao Kitumbulu), a Serra da Leba, a encosta do Cristo Rei (Lubango) a Tundavala, a Serra das Neves, o morro do Tongo, as montanhas do Kabutu (Kuteka ao Kikole), a Phaka (Kisongo), o Kalyematuji (Kalulu), o Lupange, o Morro do Xingo, as Serras da Kanda e Kusu e tantas outras elevações escaláveis. 

 

A 16 de Setembro de 2023 fui, pela terceira vez, ao cume da "Table Mountain", tida como uma das "sete melhores maravilhas turísticas do mundo", levado pelo teleférico ou "cable" na língua deles.  

Ao contrário das duas primeiras visitas, em que foram dias ensolarados e abertos, portanto, sem nuvens, desta vez a nuvens densas confundiam-se com chuva preguiçosa e a sensação térmica andava à volta dos 3° célsius, imprópria para um cidadão que vive regularmente próximo da Linha do Equador.  

Mesmo com essa adversidade (frio intenso), e depois de um café e um chocolate quentes, deu para me atrever a uma caminhada pelos andarilhos e pontos de observação cuidadosamente construídos no também Parque Nacional. Chamou-me à atenção a presença do damão-de-Cabo ou hyrox, um animal roedor que vive entre pedras, caminhando sobre elas como se tivesse cola entre as patinhas com três dedos apenas. É o kezu, no nosso Kimbundu, ou canta-pedra, como aprendi no Português Libolense da minha infância. 

Confesso. Já andei à caça destes mamíferos placentários e experimentei a missão árdua de os capturar e deliciar-me com o sabor de sua carne, num período de escassez de conduto. Lamento. Foi em uma época de total ignorância e carências, para além do facto de que o animal ainda se apresentava a cantarolar por todos os lados onde houvesse grutas e rochedos. 

No Libolo, por exemplo, a deslocação forçada pela guerra civil de muitas pessoas de suas aldeias, deixando para trás os seus meios de subsistência, empurrou-os à caça desenfreada, não só para se alimentarem, mas também para trocarem a carne por outros alimentos e bens. Como consequência, criou-se o vício da caça pelo dinheiro e ficou gravemente acometida a fauna, algo que tende a persistir, demandando mão firme e pesada. 

É triste que homens de hoje, alguns mais abastados, do ponto de vista de informação científica e materialmente, continuem a dizimar animais, legando a seus filhos e netos apenas estórias sobre animais (que estejam eventualmente) extintos da nossa fauna que já foi muito rica. 

Cada um, na sua aldeia, no seu bairro, na sua comunidade pode ser influenciador positivo sobre a necessidade de criarmos animais domésticos e pouparmos os selvagens.  

Já nos idos de 1980, o meu pai (de feliz memória) recomendava: 

- Só se mata uma fêmea se não puder ser identificada previamente. 

E justificava que "as fêmeas eram a continuidade da fauna". No dizer dele, embora com pouca instrução académica, "se as fêmeas acabassem já não teríamos animal nenhum e deixaríamos de caçar". 

É que se não tomarmos consciência agora, pode ser que os nossos netos tenham de ir, daqui a cinquenta anos, pedir à África do Sul um casal de canta-pedras para repovoar os nossos parques, devendo, entre tantos outros, ser incluída a instância turística de Tundavala, (já) declarada "Património Natural", depois de ter sido "classificada" como uma das 7 maravilhas turísticas de Angola. 

Pense nisso! 

 

Publicado pelo Jor. Angola de 24.09.23

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