TURISMO/KONDA/KWANZA-SUL
Mário Santos e o cronista |
Dizíamos, eu e meus companheiros de viagem, nas duas vezes que por lá passamos, que "a Konda não possuía sequer um albergue para o indivíduo se acoitar em noite friorenta de kasimbu".
Não me bastando a desatenção, à terceira, mensageei o meu amigo kondeense residente em Luanda há já largas décadas "se me podia recomendar um lugar para pernoitar", pois dirigia-me, em missão de trabalho, ao seu mui propalado município em tertúlias inter-kwanza-sulinas e "imelistas", ao que respondeu amável e sarcasticamente "chega cedo, paquera uma jovem e dorme em casa dos putativos sogros".
Caí na galhofa, mas encontraria surpresa pela frente.
Conhecedor do que há e pode haver, o Honorato Kondjassili, geólogo kunenense e com muitos anos de kwanza-sulismo, já conhecia o "Velho Mário" e as maravilhas da "sua" fazenda-hospedaria, herdada do tio Waldemar Pereira da Costa.
O que encontrei é um oásis, um encanto afugentador de doenças profissionais e agitacionais urbanas, escondido entre arvoredo e nevoeiro permanente, numa elevação próxima da vila de Konda.
À entrada, há um edifício alto, inestético por fora, mas que se apresenta altivo e guardador de muitas estórias e história.
_ O que é e o que terá sido?" _ São as perguntas que invadem o neófito visitante.
Às paredes altas da antiga moageira apresentam-se anexos distribuídos pelas redondezas e que são hoje "os aposentos dos donos" e toda a área de catering, incluindo os demais serviços como a área de processamento de café, dois njangu (aberto e fechado), jardins, alfobres, gaiola, etc. Perto de légua e meia ficam os hóspedes, a piscina, a quadra de jogos e outros serviços mais ligados à parte agrícola (aprisco, capoeira, pocilga, etc.).
Restos da antiga moagem "Canini" |
A casa alta e inestética, aos olhos do visitante de primeira, foi, nos anis 50 do século XX, moagem de fuba de milho amarelo, conhecida entre os kwanza-sulinos de meia e alta idade como fuba "canini", antes de a marca "canini" passar, na década de 70, para a Caima, na Kibala. O edifício que estamos a retratar tinha ainda uma secção de bolacharia, ou seja, a "fábrica de bolachas". Lá estão ainda as máquinas que, com a ajuda do "Velho Mário", contam toda a história.
"Até hoje, muitos mais velhos daqui me tratam por Waldemar, em alusão ao meu tio que foi o fundador da Fazenda Wiri", conta o "general".
Mário Santos, 73 anos, idoso na idade, mas jovem nas ideias e na vontade férrea de viver e fazer as coisas acontecerem como fruto do seu trabalho, é investidor em hotelaria, "há nove anos", na fazenda Wiri que ganha o nome do rio que a rega. É próximo da vila sede da Konda. Diz que é também "proprietário de um restaurante com o selo Tokota", junto ao HMP, em Luanda, gerido pelas filhas e acrescenta: "o nome Tokota foi igualmente levado a um empreendimento em Portugal", onde estão os netos.
Natural do Ebo e criado na Gabela, Mário Santos combina a hotelaria rural à fazenda e não deve nada ao turismo que se faz, por exemplo, em Cape Town.
No Wiri estão 22 quartos que registam uma média de ocupação de 75%.
O antigo militar das FAPLA, ostentando, na reserva, uma alta patente que não revelou (embora sendo tratado por gente que o conhece há longos anos por "general") diz ter jogado no ARA da Gabela, passando por todas as categorias: juvenil, júnior e sénior tendo vivido no clube muitas glórias.
"Já na tropa, fiquei nos gabinetes, era miúdo e franzino e fiquei na recta-guarda, mas sempre atendo e a servir os da linha de frente".
E como é que um ebwense-gabelense chegou a converter em restaurante e exposição agro-comercial a "primeira unidade a produzir a fuba canini", antes de a moageira ser transferida para a Caima, na Kibala?
Conta que "foi por insistência do General Serafim do Prado", um kondense que pretendia imprimir mais vida à sua terra natal.
"Eu dizia-lhe que não gostava de tratar papéis, mas ele insistiu e acabei por cá vir, inicialmente a fazer agricultura e depois (já leva 09 anos) a fazer também agro-turismo".
O mais velho Mário Santos, mostrou uma área da antiga moagem que foi fábrica de bolachas e explicou como se processava.
"Eu via como se fazia, mas não trabalhava ainda. Eram os meus pais".
Nos seus 73 anos, lembra as longas viagens, da Gabela a Luanda, em viatura de marca Chevrolet, que chegavam a durar até um mês.
"Era uma eternidade". Lembra que as estradas não estavam ainda asfaltadas e a velocidade das "máquinas" de então também era muito diminuta.
"Essa estrada que liga o Sumbe a Benguela não existia ainda", advertiu, sendo que o trajecto fazia-se via Kibala-Dondo-Luanda.
Na quarta-feira, 15 de Novembro 2023, contou Mário Santos, a fazenda-hospedaria "despediu-se de uma delegação do "instituto das cobras" (CIMETOX-Malanje), recebendo, depois, uma família de seis integrantes, saída da África do Sul e, posteriormente, uma delegação de 12 pessoas saídas de Luanda e Sumbe.
"Amanhã vem uma delegação de diplomatas. É assim o nosso dia-a-dia. É isso que ajuda a compensar a crise da agricultura", explicou.
A dona Odete Waldemar, a esposa, está sempre por perto. É ela quem cuida zelosamente da alimentação e das inúmeras plantas decorativas. A kizaka confeccionada pela dona Odete tem um sabor indiscritível. Só provando. A receita é somente dela.
"Ela é muito exigente e cautelosa no que faz", descreve-a o marido para quem "sem a presença dela seria impossível manter a fazenda, a hospedaria e tudo o que brota a volta".
Pois é. Ao lado de um homem de sucesso está ou deve sempre estar uma companheira alinhada e comprometida.
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Publicado pelo Jornal de Angola a 31.12.2023
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