Se para chegar a Luanda, saído do seu Kuteka interior, levou tempo, mais ainda levou para atravessar a fronteira sul do país. Numa saída relâmpago com seu tio Sabalo, havia chegado à Santa Clara, porém, ir mesmo ao outro lado, nada!
Desde que se tornou administrador de Pedra Escrita, aldeia onde é mais respeitado pelas suas ideias, que dizem brilhantes, e seus feitos, do que pela estatura de meia-cuca, Mangodinho já viajou pelo Congo Democrático e até ao Putu. Mas, aqui na Namíbia ainda não. Foi a mulher que o "forçou" a ir com a doença dela das "miudezas" que era preciso retirar, juntamente com a nenê kasule de todos. E, numa altura em que se mostrava meio renitente, com um pouco de birra pelo caminho, a mulher, outra trungungueira de meter os makulu de boca aberta, comprou-lhe o bilhete de passagem e marcou-lhe viagem.
- Vou com os miúdos. Me encontra lá no dia xis.
Antes mesmo de viajar, a mulher ainda ligou para avisar:
- Alô, Mangodinho! Me anteciparam a operação (cirurgia), se não vieres no dia xis os miúdos vão ficar sozinhos.
Mangodinho pensar é pensar. Ele que não queria ir à Namíbia naquele ano. Teve de pedir urgentemente ao chefe que o deixou seguir sem mais quês nem porquês.
Parece já é hábito ou mania dele. Mesmo depois de conhecer Angola inteira, na companhia, sempre, do tio Sabalo, Mangodinho, para conhecer Kaxitu, que fica no sovaco de Luanda, foi custoso. Fincava o pé. A mulher a exigir que quer conhecer, ele mesmo com carro a por pé no travão das ideias e a dizer, ora o carro não está bom, ora a cabeça está ocupada com os assuntos da administração da aldeia. Mangodinho é assim. Quando a ronha lhe sobe à cabeça, ideia é só a dele que vale, mas, costumam dizer, Mangodinho é também boa pessoa. Coração dele é aberto. Na cabeça muitas ideias para a melhoria da vida do povo e mão dele também não fecha muito quando as pessoas têm preocupação.
Quando chegou em Luanda de lá, portanto na capital da Namíbia, Mangodinho, o primeiro susto foi a quentura. Levantou os olhos e, na frente só via colinas. Sem perguntar ainda às pessoas à volta, começou a triturar os seus botões.
- E a cidade está onde? Os prédios, arranha-céus, os palácios do governador e do Presidente, as câmaras municipais, as pomposas sedes dos tribunais, o wion-wion da polícia, os fiscais-kwata-zungueira, a zunga do cerca-avenida-desce-sobe- cidade, os batedores dos nguvulu-com poder-na-barriga, o isto e aquilo está onde?
- Epá, está assim tipo é no Sahara Ocidental? Possas, pessoa "caloria" e não fica molhada?
Continuou a viagem, já de carro, nos quarenta quilómetros que separam Hosea Kutako da cidade grande, não muito grande como Luanda de cá. Luanda deles não tem mar. Tem árvores só kafitofito e uns rastos onde passa a água quando chove.
- Epá, tipo no sul do Lubango, na Humpata. Aqui se está a chover sai no caminho da água. Vão te chorar! - Dessa vez Mangodinho não se coibiu e falou mesmo alto no seu português. Aos que o ouviram, todos angolanos mas que dominam a veicular de lá meteram mão na boca para não rir. Mas Mangodinho só disse verdade dele.
Quando chegou então na cidade, começo a ver, tipo estava em Jobo, na "Soute". Cidade tipo é mata, mas mata bem cuidada. Casas, uma aqui e outra acolá, mas todas bonitinhas, ruas tipo é aeroporto ou pista de fórmula um.
- Xê, aqui nem só mosca, nem mosquito não tem? Será falta de água ou mesmo falta de porquice? E luz vem d'onde, se rio não há. Água, mesmo de beber, fazem cacimba ou é furo? Dia de trabalho tipo cidade tem lá manifestação e o povo tem medo de andar? Assim esse povo vive como?
Mangodinho de indagações em indagações, sem respostas ainda, algo a que se propõe pesquisar e responder nos próximos capítulos, recordou-se do convívio, curto, que manteve com alguns refugies do Sudoeste Africano, sob tutela da Swapo, em Kabuta, no seu Libolo.
- Andámos só a "lhes" mangar. Vivem mbora tipo são brancos da Europa e nós é que encravámos!
Viva a inteligência e abaixo o braço-compridismo na coisa alheia!
Publicado no Jornal de Angola, 04.02.2018
Publicado no Jornal de Angola, 04.02.2018
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