Mangodinho, dicionário no sovaco, lapiseira enfiada no farto cabelo e bloco de notas na mão, parece investigador. Pelas ruas de Windhoek tudo que vê busca tradução, ensaia as perguntas no "português de lá" e as executa, embora o momento mais chato dessa peripécia seja ao receber as respostas. Porém, vivo como é, Mangodinho atencia os gestos e as palavras parecidas ao Oshiwambu e Português. Os seus ouvidos são também autêntico gravador, o que lhe permite consultar o ndunda de paragem em paragem.
Quando viu a placa a indicar Association for Local Authorities of Namibia, Mangodinho quase pulou de contente.
- Epá, meus colegas, sobas d'aqui?!
Quis entrar para conversar e colher experiências, mas o português que domina e o inglês que não fala inibiram-no.
- Vou voltar com o tradutor ou noutra oportunidade.
Continuou a marcha e reparou que os ardinas, os putos que vendem jornais pelas ruas e avenidas, estavam todos garbosamente trajados: calças juarte com reflectores, uns bonecos desenhados e sinal de stop.
- Para organizar um país assim é preciso Unidade no pensamento, Liberdade na acção e uma Justiça para todos. É necessária muita ciência e coragem para mudar e melhorar, pouco populismo ou rebuçados de hoje que se tornem em fel para amanhã. - Disse para si mesmo, ajeitando as últimas notas e preparando-se para o almoço que o levará a Katutura, uma espécie Rangel-Sambizanga-Kazenga de cá, de onde o povo se organizou na contestação ao colono segregacionista e onde os bantu e pré-bantu mantiveram as suas vidas tradicionais. É onde se vende pirão branco de milho com carne de vaca assada na brasa.
Teimoso como é, no bom sentido, depois de se refastelar, Katutura, de um pirão e beef de carne tenra e fresca, com quabos e molho de tomate ajindungado, Mangodinho voltou ao local em que esperava encontrar os seus colegas da autoridade tradicional. Bateu palmas e nada. Seguiram-se uma tantas "com licença" e nada!
- Será que é da língua ou quê? - Verbalizou. Lembrou-se da campainha que accionou de imediato, ao que de dentro ouviu-se um "whell come".
Por sorte, o boss, já velhinho, tinha sido autoridade tradicional num dos campos de refugiados em Angola, de 1975 a 1990. Major Oshikembwa, que ainda conserva o Português aprendido no exílio, recebeu-o com cordialidade e explicou como eles funcionam.
- Não chegamos a dois mil Majors e Auxiliares. Aqui, na Association, servimos de interlocutores com os colegas nas províncias e o poder político. Onde, por força da tradição, o direito positivo não encontra espaço, nós somos chamados a intervir em favor dos cidadãos e em respeito à Constituição.
Mangodinho, ouvido atento.
- Vocês, aqui, Soba Major, têm colegas em todas embalas e aldeolas? - Questionou Mangodinho.
- Local Authorities here only in big comunities and villages. In family village not (Aqui, autoridades tradicionais só nas grandes aldeias e vilas e não nas aldeolas familiares).
Essa frase fê-lo, de repente, voltar para Angola e pensar na realidade que bem conhece, enquanto membro do Fórum das Autoridades Tradicionais do Libolo.
- Haka! É assim, afinal? Estúpido é quem não kabula o que os outros fazem bem. Mal pouse as malas no chão irei propor ao MAT a fusão das aldeolas em "big comunities and villages" para diminuir os encargos do Estado com salários de sobas, proporcionar mais atenção dos sobas ao povo e cooperação com as administrações locais. Long life my collegues from Damara! - Proclamou à
saída do encontro.
Texto publicado no Jornal de Angola, Fev. 2018
Texto publicado no Jornal de Angola, Fev. 2018
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