Apesar da chuva que caiu
em Saurimo, na tarde de sábado, 08 Fev. 2014, cerca de meia centena de pessoas
presenciaram ao acto de apresentação do poemário de Brigitte Caferro, realizado
no Cine Chicapa, com a presença da Governadora da Lunda Sul, Cândida Narciso, que se fez
acompanhar de dois vice-governadores e do director provincial da cultura. Soberano
Canhanga, também poeta e prosador, foi convidado para a apresentação crítica
do livro, começando por recitar um poema que escreveu para homenagear a autora
e as senhoras presentes:
Nesta sala que me acolhe
No consagrado teu dia
Percorre-me a memória
Os sorrisos mais luminosos que me brindaste
Mesmo multi-atarefada
Mesmo preocupada
Entre emprego e família dividida
TEU SORRISO SEMPRE PRESENTE
De dor gemendo, aflita,
Sonolenta,
De noite mal dormida
Do mona adoentado
Moída pelo trabalho
Pelas lidas caseiras
Cuidando marido ressacado
Ou desviando patrão mal-intencionado
TEU SORRISO SEMPRE PRESENTE!”
Ø Excelências,
amigos das artes e, sobretudo, da literatura.No consagrado teu dia
Percorre-me a memória
Os sorrisos mais luminosos que me brindaste
Mesmo multi-atarefada
Mesmo preocupada
Entre emprego e família dividida
TEU SORRISO SEMPRE PRESENTE
De dor gemendo, aflita,
Sonolenta,
De noite mal dormida
Do mona adoentado
Moída pelo trabalho
Pelas lidas caseiras
Cuidando marido ressacado
Ou desviando patrão mal-intencionado
TEU SORRISO SEMPRE PRESENTE!”
Ø A minha saudação especial às nossas mães, razão da nossa existência.
Ø Vénia redobrada à Dra. Cândida Narciso que nunca deixou de estar presente num acto de lançamento de livros em Saurimo, dando assim exemplo de que a sociedade só cresce com conhecimento.
A nossa escritora tem como nome artístico Brigitte Caferro, sendo de nome próprio Brigite Causse Caferro. Nascida aqui mesmo em Saurimo, em meados da década de 80 do século passado, é formada em Administração pela Universidade Federal de Paraná, no Brasil. É cantora, artesã e escultora da palavra, sendo este “do meu íntimo mais íntimo” o seu primeiro “artefacto” literário. Brigitte Caferro também pode ser lida na antologia “Amores diversos”, publicada no Brasil, em 2012, bem como na “Folha Carioca” onde ilustrou com um poema a matéria “literotismo”.
O meu primeiro contacto com Brigitte foi pela via do FB, e já quando tinha terminado de ler o seu livro que me fora enviado para essa empreitada difícil que é apresentar o livro às senhoras e senhores aqui presentes.
Confesso, que quando recebi o
convite do grupo Hytweza para comparecer nessa cerimónia de apresentação do
poemário de Brigitte, o sentimento foi de satisfação por ser eu um amante
fervoroso das letras e incentivador da cultura da leitura e escrita entre os
jovens. Embora acometido por uma lombalgia, aceitei o convite. Porém, um calor
interior invadiu-me quando me foram pedidos conselhos sobre como organizar um
lançamento de livro. Opinei, mas fiquei receoso que algo sobrasse para mim.
Assim pensado, assim solicitado. Senti-me criança perante tamanha
responsabilidade, embora honrosa e irrecusável.
Estamos aqui dois estreantes. Ela
na publicação e eu na apresentação crítica de um livro. A minha missão se torna
ainda mais difícil pelo facto de o livro trazer já uma apreciação crítica de
Ricardo Alfaya, um escritor, crítico literário, revisor e editor, como se
poderá ler na pág. 07 (elementos pré-textuais da obra).
Ø Queridas
mamãs, queridos papás, caros jovens,
Um estudo realizado recentemente
pelo investigador Tomás Lima Coelho, sobre a literatura angolana e feita
pelos angolanos, actualizada nesta última quinta-feira, aponta que, de 1849
(ano em que foi publicada a primeira obra de um angolano), a esta parte, o
número de escritores nascidos na Lunda Sul ainda NÃO CHEGA A DEZ. São apenas
SETE, contando já com a nossa caçula Brigitte Caferro, Sendo que o primeiro
lundasulino a publicar um livro em Angola foi o Professor Dr.
Vítor Kajibanga com “A alma sociológica
na ensaística de Mário Pinto de Andrade, em 2000”. A ele se seguiram Bula Mbungue, Elias Chinguli de Oliveira, Fonseca Sousa, Raul Luís
Fernandes Júnior e Valter Hugo Mãe (este último nasceu aqui em Saurimo mas vive em
Portugal desde 1976). Brigitte é, portanto a primeira lundasulina a
publicar um livro, já que, dos SETE naturais desta província, seis são homens.
Preocupados, vamos fazendo apelos
e vamos tomando iniciativas como a criação do Núcleo de Leitura e Literatura, na
Escola Superior Politécnica da Lunda Sul, que, desde já, convido todos os
jovens a frequentá-lo.Ø Ilustres senhoras e senhores,
Já vai sendo tempo de começarem a surgir novos valores na Literatura da Lunda Sul. Precisamos que surjam mais Brigitte Caferro. Pessoas que façam da escrita “a fotografia do coração”, conforme nos recomenda a nossa autora no seu poema ARTISTA (pág. 81). “Solte-se a palavra, por meio da escrita. Escreva-se, reescreva-se”.
Brigitte Caferro não vem
fazer número. Vem preencher o seu lugar e trazer vida à criatividade artística
na Lunda Sul. Vem dizer que é possível desde que se tenha a palavra e a coragem
de a esculpir conforme nos ensina nas páginas 05 e 06.“Escrevo desde os meus 13
anos. Anotava num caderno e por questão de segurança passei a digitá-los. Com o
evoluir do tempo fui evoluindo a linha de pensamento e melhorei a escrita…
Quando senti que a minha sensibilidade artística era muito forte, decidi
escrever e publicar esse livro”. Aos jovens, candidatos a escritores, aqui está o conselho mais do que
claro. Ser escritor não é algo que se consiga de
dia para noite. Exige inspiração e, acima de tudo, transpiração. Muita
transpiração para dar forma à palavra.
Nos seus 76 poemas, Brigite apregoa, acima de tudo, o amor, o ser e a sociedade. A escrita de Brigitte é, sobretudo, intimista. É o seu grito ao encontro do “nós” social. A fotografia desta poesia intimista pode ser encontrada na pág. 17 “Dois corpos e uma paixão” ou ainda na pág. 21 “Vem amor/com teu fogo/causar-me curto circuito… /com teu cabo de alta tensão/ fazer-me conexão…”.
Nos “amores de Brigitte” encontramos também dilemas. A antagonia entre o estar juntos e compreender/enfrentar a separação. A ansiedade, o desejo de regressar e de reconquistar colos… Próprio de quem se encontre distante dos seus. Próprio dos migrantes.
Brigitte mostra-nos com surrealismo, na
pág. 25, em que diz viver num “mundo de sonhos” onde o ”maior pesadelo é a
realidade” de um dia “encontrar-te”. Em oposição, na pág. 20, Brigitte fala
sobre o fim do tempo ou o fim da missão, mais quando tempo não houver para o
“abraço final”, quando deixarmos de “dividir a sala, sorrisos e futuros”…
Considero a
poesia de Brigitte Caferro, como desabafos da alma que nos chegam por via da
escrita. Neles, impera o verso livre, não
se destacando formas tradicionais como o soneto, as quadras e as métricas, etc.
Encontramos porém elementos metalinguísticos, próprios do género literário. E,
Brigitte também reinventa a língua com que trabalha no seu “íntimo
mais íntimo”. Bastará ler o “penso,
repenso e tripenso” (pág. 27), ou ainda elementos como a rima em “chamas-me
p´ra cama/mas não me amas/ És o fantasma/que corrompe minha alma” (Pág. 53).
A anáfora e a gradação, outras características
deste género, também estão representadas em vários textos como “Quero voltar a
ser criança…/Quero voltar ao passado/… Quero regressar à meninice…/(pág. 56).
No “íntimo
mais íntimo” de Brigitte nota-se também o recurso à personificação e
a expressões metafóricas como se pode conferir em “As luzes revelando segredos sombrios/no palco da cidade adormecida”
(pág. 97) ou ainda o pintar “… na tela da alma/amores, sonhos e ilusões…”
Outra questão, não menos
importante, é o facto de a angolana Brigitte Caferro, ter escrito com base no
discurso brasileiro da língua portuguesa ou aproximando o discurso ao AOLP de
que Angola, por razões óbvias, cultural e socialmente ponderáveis, ainda não
aderiu.
Grande parte da produção científica e
intelectual, escrita em Língua Portuguesa, vem do Brasil e de Portugal, sendo o
país americano, aquele que mais falantes possui. Daí, a necessidade de um apelo
aos jovens, aos professores das nossas crianças. Escrevam de acordo ao
português padrão, aquele convencionado até hoje, mas não deixem de estar
atentos às regras do AOLP, para que tão logo os linguistas e os políticos se
entendam não fiquemos na fila de trás, quanto à aplicação das novas regras.
Quero agradecer a Brigitte Caferro pela
ousadia que teve em trazer-nos os seus gritos da alma e pedir que não se embale
nos elogios que esteja ou vá receber. Continue a cultivar-se e a polir a
palavra. Vá lendo os clássicos da literatura lusófona e, sobretudo, aqueles que
reinventaram a língua como Fernando Pessoa, Eça de Queirós, António Jacinto,
Alexandre Dáskalos, Agostinho Neto, Alda do Espírito Santo, entre outros. Vá
também tutorando os jovens que a vão procurar para dar forma aos seus textos.
Somos poucos para a grande empreitada que é desenvolvermos a nossa terra, a nossa
Lunda Sul, a nossa Angola.
Para
terminar,Precisamos que surjam mais jovens como Brigitte Caferro. Pessoas que façam da escrita a fotografia do coração. “Solte-se a palavra, por meio da escrita. Escreva-se, reescreva-se”.
Tal como recomendou, uma vez, o já finado
mais velho Mendes de Carvalho, a quem rendo homenagem, “os jovens não precisam de ter pressa em publicar. Devem antes
cultivar-se”. Porque a literatura adiada não apodrece. Ela
amadurece.
E já que estamos a comemorar o dia
internacional da mulher, com a apresentação do livro de uma jovem mulher, por
que não irmos à página 75 e desfrutarmos do poema Mulheres?
“Dos seios/liberam as mulheres/ a
essência-fragrância/que hipnotiza os homens/e que os leva ao êxtase!/ Doces
como teixos/ as mulheres precisam ser/irrigadas e acariciadas/ Também
mimadas/amadas e protegidas/ para que não se tornem venenosas”.
Muito obrigado,
SOBERANO CANHANGA (Jornalista e escritor)
Saurimo, 08 de Março de 2014.
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