- Iswaswa mu haxi, ka! (lixo no chão, não! A frase em língua bantu, ucokwe, falada no nordeste de Angola,
difundida por colunas altifalantes vai ecoar por muito tempo naquela aldeia e
redondezas, pois o público alvo foi, maioritariamente, crianças e adolescentes
que tiveram um sábado diferente, no primeiro dia de Marco de 2014.
Saypupu é uma aldeola que fica há 34 km de Saurimo, a capital
da província angolana da Lunda Sul. É o aglomerado populacional mais próximo da
vila mineira de Catoca que se ergue, com a actual configuração, desde 1995. Apesar
de no tempo pré-independência se ter feito exploração diamantífera residual na
actual mina de Catoca, a comunidade de Saypupu é preexistente à exploração
mecanizada do kimberlito de Catoca que dá nome à maior diamantífera angolana.
São pouco mais de 50 famílias que vivem da agricultura de
subsistência, caça e pesca. A fauna e os recursos piscatórios são abundantes,
mas o crescimento populacional, fruto, em parte, da melhoria das condições sanitárias
faz da comunidade uma das mais carenciadas.
Quem vai a Saypupu não precisa de inquirir os aldeões para
notar que há uma taxa de fecundidade e de natalidade elevada. Todas as senhoras
apresentam-se com crianças ao colo, sendo que a maternidade começa na
adolescência.
Segunda é uma das mães de Saypupu. Dança embriagada com a filha às costas. A menina, com um ano e meio de vida aproximadamente, está acometida de um furúnculo na genitália. A mãe, há pouco saída da adolescência, mostra-se menos preocupada com o que se passa com a filha. Ensaia toques de cyanda, a dança local, ao som alto espalhado por colunas montadas a propósito da campanha de sensibilização sobre as doenças provocadas pelo lixo nas comunidades. Segunda dança. Nas costas, a criança geme de dor.
Segunda é uma das mães de Saypupu. Dança embriagada com a filha às costas. A menina, com um ano e meio de vida aproximadamente, está acometida de um furúnculo na genitália. A mãe, há pouco saída da adolescência, mostra-se menos preocupada com o que se passa com a filha. Ensaia toques de cyanda, a dança local, ao som alto espalhado por colunas montadas a propósito da campanha de sensibilização sobre as doenças provocadas pelo lixo nas comunidades. Segunda dança. Nas costas, a criança geme de dor.
- Tenho 20 anos e sou mãe de cinco filhos. – Disse quando
perguntada por uma das minhas colegas que comigo foi à campanha de recolha de
resíduos sólidos e sensibilização sobre os perigos do mau manuseamento do lixo.
Puxei pela cabeça para compreender com quantos anos Segunda
se tornou primípara e qual tem sido o espaçamento entre os filhos. O meu esforço
só teria compensação se a voltasse a perguntar, algo que achei deselegante e
incómodo. Preferi ficar à fala com os meus botões.
Como Segunda, há outras senhoras que dançam ao som da cyanda
e do ku duro. Outras mulheres que se tornaram mães precoces e que estão divididas
entre recuperar a mocidade adiada e a
maternidade exigente. O álcool, consentido pelos maridos, torna-se o refúgios
para uns e para outros.
Mais despreocupados estão as “ana jo” (crianças). Prestam
atenção às explicações dos palestrantes, acompanham os visitantes voluntários
na campanha de limpeza da aldeia, seguem os passos, conversam e também dançam.
Dançam a tradicional cyanda e dançam também o “do cotovelo”. Dançam alegres,
despreocupadas e inovadoras como as outras crianças das médias e grandes cidades
iluminadas e inundadas de veículos automóveis e salões para festas. Aqui não. A
sombra de duas mangueiras gémeas é o salão. A picada que recorta a aldeia em
dois blocos é riscada pelas rodas estreitas das motorizadas. As crianças falam
português, a língua da escola, mas é em ucokwe que todos mais se entendem. Por isso,
o discurso é bilingue para que todos percebam o que se pensa e o que se diz.
- Há água potável que sai da vizinha vila mineira, mas falta
ainda a energia eléctrica pública e um centro hospitalar. Faltam também os
mosquiteiros. - Apelou o secretário da aldeia, sempre atento aos sinais do
soba, o seu chefe.
Ouvimos os recados transmitidos de forma implícita e
explicita. A responsável pala área social da empresa explicou os esforços que o
Governo e a companhia fazem junto das
populações para inverter o quadro.
- Sabemos que as aldeias à volta da nossa empresa têm muitas
necessidades. Entendemos as vossas reclamações, mas temos de lutar juntos. Não
é possível colocar tudo o que pretendem em aldeias muito dispersas e pouco
habitadas. É preciso juntar as aldeias para que um único posto médico, uma
escola, um fontanário ou um Centro Infantil possam atender muitas pessoas. Há
um projecto de unificação das aldeias que o Governo e nossa empresa já
apresentaram aos sobas. Precisamos do apoio dos sobas e das populações para realizarmos
este projecto que nos vai facilitar a todos. – Concluiu, agradecendo e apelando
ao início da campanha.
Vassouras, pás, sacos de plástico, tambores e baldes para o
depósito de lixo. Antes a distribuição de luvas de borracha. Todos. Quase
todos, com excepção do soba que não vi participar da campanha de limpeza. A equipa visitante tinha de tudo: cronista,
fotógrafo, camarógrafo, desportistas, assistente social, avaliador de diamantes,
enfermeira, funcionários administrativos, técnicos de segurança laboral e
segurança patrimonial, engenheiros, tradutores, etc. Uma equipa recheada. Os
aldeões também eram muitos, embora as crianças, adolescentes e alguns jovens se
tivessem destacado. A maioria dos pais e as mamãs de Saypupu continuaram na sobra
das mangueiras, dançando ou se dirigiram
aos seus aposentos, assistindo, na sombra, a recolha dos resíduos que eles mesmo
espalharam.
Hora e meia ou duas de labuta intensa: desenterrar, resgatar
entre o capim, recolher plásticos, vidros, tecidos, pilhas e outros resíduos
que são, geralmente, arrastados pelas águas pluviais até ao rio que serve de
fonte de abastecimento para a vila mineira e a aldeia.
Quando o sol se mostrava mais forte do que os homens acossados
pela sede e pela fome, a música que sempre acompanhou os obreiros cedeu lugar à
voz falada ao microfone.
- Vamos lavar as mãos com água e sabão. - Um homem e uma
senhora fizeram um coro desafinado, imitando o Pedrito do Bié.
- Se você pegou no lixo, lava as mãos com sabão.
- Se você pegou na areia, lava as mãos com sabão…
- Lava, lava, lava, lava. Com água e sabão!
Apelo feito, apelo cumprido. De repente, uma fila junto à
viatura que levava uma pequena cisterna. Todos lavaram as mãos com água e sabão
para se refugiarem, posteriormente, à sombra das mangueiras gémeas onde a música
e a dança prosseguiam.
Aos trabalhadores foi servida água mineral, leite de soja e
pães. Os que não trabalharam também se meteram na fila e todos comungaram
daquele pão e leite de soja. A festa tornou-se geral.
- Iswaswa mu haxi, ka! (lixo no chão, não! - Voltava a apelar-se,
ante a existência de garrafas e plásticos em área já limpa. Mais uma recolha e
outros apelos.
- Iswaswa mu haxi, ka!
Quando o roncar do estômago e a dureza do sol celebraram
casamento, expulsando os visitantes, não restou outra solução senão o "até
breve"!
Os tambores ficam para depositarem o lixo caseiro. O carro
virá recolher uma vez por semana. Cuidem de vós, cuidem da vossa aldeia e lembrem-se sempre:
- Iswaswa mu haxi,
ka!
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