"Mamá, atuzemba. Atuzemba, atuzembel´anyi?! (Mamã, não gostam de nós. Por que não gostam de nós?!) Quando vai aí, Atuzemba está com o povo. Quando vem aqui, Atuzemba está com todos"
O refrão que já leva muitas décadas pertence ao grupo carnavalesco ATUZEMBA, do distrito urbano do Rangel, em Luanda. Não venceu o desfile central enem sei se desceu à nova marginal para dançar sob os olhares silenciosos (sob olhos secos) do Camarada Manguxi que repousa ali no seu mausoléu...
A coroa do carnaval de Luanda voltou, em 2014, ao Rangel, mercê da soberba actuação do União Sagrada Esperança, do bairro (agora distrito urbano) que me viu crescer e fazer-me homem. Foi no Rangel, entre a Rua da Ambaca, da Saúde, Comandante Cantiga, Rua do Paraná, Rua da Mão e rua do Povo, entre outras, que tomei contacto com o carnaval luandense, ainda no tempo do já finado “carnaval da vitória” que se realizava em Março para assinalar a saída do último “carcamano sul-africano-racista” do solo pátrio, a 27 de Março de 1976, depois da invasão estrangeira que visava inviabilizar a proclamação da independência de Angla pelo MPLA.
No Rangel, dançávamos ao carnaval da vitória com o Grupo Atuzemba, União Estrela do Kaputu (Zona 15), União Mãe Ya Ndengue, Andorinhas, União Povo do Rangel, União Juventude, e tantos outros que animavam o município inteiro, antes e nos dias do desfile. Agradava-me assistir aos ensaios e ver aquela gente alegre. Alegria espontânea e não comprada ou a troco de alguma distinção à marginal. E dançávamos eufóricos ao som da ngoma de lata, reco-reco, pwíta, chocalho, etc. O rei e sua rainha vestiam-se à moda angolana e exibiam coroas feitas a base de ferros recortados e outros metais. Era tudo a base do improviso e da espontaneidade. A criatividade também morava connosco e já se dizia que corria no sangue.
Mas quem mais alegria dava aos munícipes todos, em
especial às mamãs peixeiras e outras quitandeiras da praça das Corridas (hoje
mais conhecida como praça do Tunga Ngó) e da Praça Nova (defronte a
administração comunal do Rangel) e aos meninos e meninas da minha infância
“rangelina”, era o Man-Brás, exímio vocalista de carnaval, dançarino e tocador
de ngoma e pwita. Man-Brás sofria de algum distúrbio mental que não cheguei a
definir e alimentava-se frequentemente de carne que lhe era ofertada pelas
kintandeiras que apreciavam os seus toques e retoques de dança carnavalesca.
Depois da exibição, perguntava sempre: - Há uma gordurinha? - O homem referia-se a miudezas que voluntariamente lhe eram ofertadas.
Seguindo o som do seu batuque, muitas crianças chegavam a se perder, dando lugar a outro tocar de lata, desta vez, por parte das famílias cujos petizes se perdiam no rasto da ngoma do Man-Braz que continua o seu percurso.
- Nanyi wa ngi bongela kamona ka dyal'ê?! (Quem terá encontrado uma criança de sexo masculino?!)
Fruto disso, muitas mães preferiam mandar parar o Mam-Brás e tocar por alguns minutos à porta de casa, oferecendo-lhe depois aquilo que houvesse. Assim, as crianças deixavam de o acompanhar. Mas não era a mesma coisa ver o Mam-Braz tocar à porta de nossa casa e vê-lo exibir-se em rua livre ou na Praça das Corridas.
Mam-Brás foi um feitor e zelador do nosso carnaval de bairro. Carnaval alegre, sem preço, sem patrocínios, sem contrapartidas e que não era encomendado por ninguém. Man-Brás corporizava essa alegria de quem estava e sentia-se livre na sua terra.
O Man-Brás vivia na Rua Pernanbuco, também conhecida nos últimos
tempos por rua do “ti Avelino dos Santos”. Pernambuco, a Joana, era uma exímia
dançarina cuja história não me atrevo relatar por falta e precisão de dados.
Mas que foi tão boa a dançar ao ponto de ganhar o nome de uma das ruas do
Rangel, isso ela foi.
Apesar de sofrer de distúrbio mental, Man-Brás tinha o reconhecimento e respeito
de todos. Era prendado pelas mamãs que gostavam do som do seu tambor, da voz do
seu canto e dos toques da sua dança, quer na rua ou nos mercados onde
preferencialmente se fazia exibir. Nada cobrava. Apenas recebia o que lhe era
dado de oferta no momento da exibição e fazendo do seu carnaval, sem época, o
seu ganha-pão.
Man-Brás que, ainda faz ecoar no meu ouvido a nossa alegria de criança esboçada com o refrão: Man-Bragéé-é, Man-Bragéé-é! é o meu homenageado neste carnaval de 2014, cujo vencedor, em Luanda foi o União Sagrada Esperança do Rangel que homenageou os traços identitários da cidade capital angolana.
Que o próximo homenageado do carnaval seja o Man-Bragéé-é, Man-Bragéé-é!
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