Katofe |
Em tempos, o Lúcio
publicou um artigo que ressaltava os homens adultos do seu tempo de meninice
que deram cabo dum leão. Foi o motivo que accionou a minha já desperta
curiosidade, resultando numa entrevista que tenho o prazer de publicar nesta
página.
Caro Lúcio, Havia
uma cidade, pequena, mas com este estatuto ganho em 1974, que é a Kibala. A dez
quilómetros erguia-se a vila de Katofe com igreja sumptuosa e casas magestosas
(naquele tempo) que comentário?
Comentário: O meu blog
inclui uma resenha histórica, intitulada "A décima ilha", escrita
pelo meu pai - com heróicos 92 anos feitos em Novembro de 2012 - em que ele
narra a lenta mas sempre progressiva colonização açoriana na região do Katofe.
A igreja que consideras "sumptuosa" realmente foi o último fruto de
um progresso que se considerava imparável, à época; o meu próximo post abordará
a evolução da arquitectura da igreja que teve três versões. A primeira foi uma
pequena ermida sem torre de sinos (sineira) e a segunda já tinha uma torre com
sinos, mas em 1964 mostrou-se exígua para o povo que a frequentava aos domingos
e dias de Festa do Divino Espírito Santo, quando havia muitos forasteiros. O
progresso das casas foi paralelo ao da igreja; as primeiras casas do Katofe
foram de pau-a-pique, depois de adobe, e as primeiras casas de tijolo cerâmico
cozido foram erigidas a partir de 1962. A casa de dois pisos no início da
povoação, construída pelo Kimbaça Emílio Dias, um dos três pioneiros açorianos,
era de adobe e foi construída no início da década de 1950. Ali, era a primeira
pousada dos colonos que iam chegando livremente dos Açores, sem quaisquer
apoios do governo português. A minha família só se mudou da casa de adobe para
a de tijolo cerâmico em 1968. A luz eléctrica foi instalada na povoação em
1966. Ainda, em 1975, quando fomos obrigados a sair pela guerra civil, a nossa
geleira funcionava a petróleo.
Katofe era uma colónia agrícola?
Resposta: Era uma colónia
agro-pecuária, essencialmente baseada na pecuária de laticínios, que foi
implantada de forma livre e espontânea por três açorianos que primeiro viveram
alguns anos na Quibala. Ao se fixarem no Catofe, mandavam notícias para os
Açores e assim de forma livre se foi estabelecendo um fluxo migratório por
afinidade de famílias e não por incentivo governamental. A leitura do supracitado
artigo do meu pai vai esclarecer muitas questões que tenhas sobre o
desenvolvimento do colonato.
Eram os não nativos todos ou maioritariamente açorianos?
Resposta: Os colonos eram
todos açorianos; havia cerca de setenta famílias originárias da ilha de S.
Jorge, nos Açores. Entre os colonos havia dois da ilha Graciosa e um da ilha
Terceira que casaram com mulheres jorgenses que já se encontravam no Catofe.
Esses colonos não-jorgenses vieram originariamente para o Kwanza Sul para
trabalhar na construção dos colonatos que o governo colonial resolveu implantar
na Cela, a 60 quilómetros. Contudo, ressalte-se que nos colonatos estabelecidos
pelo governo inicialmente era proibida a utilização de mão-de-obra nativa,
enquanto no Catofe, por ser de colonização livre, os trabalhos de agricultura e
pecuária eram feitos com a cooperação de mão-de-obra nativa.
Qual era a ocupação principal daquelas famílias?
Resposta: A ocupação
principal sempre foi a pecuária de leite. Inicialmente, houve muitos revezes. O
progresso começou a fazer-se sentir a partir de 1965, quando a ELA - Empresa de
Laticínios de Angola, com sede na Cela, foi estabelecida com capital acionário
igualitário do Estado, firma portuguesa Martins & Rebelo e dos lavradores
das regiões da Cela e Catofe. O posto de laticínios construído no Catofe era só
destinado à recepção de leite, que era encaminhado refrigerado em camião-tanque
para processamento na fábrica da Cela.
Que outras infra-estruturas havia à data?
Resposta: As principais
infra-estruturas estabelecidas até 1974 eram a escola, o internato escolar e o
posto de saúde, todos frequentados também por população autóctone. Havia
previsão para estabelecimento de uma agência de Correios na década de 1970, o
que não se realizou até hoje.
Havia uma administração da vila?
Resposta: Não havia uma
administração da vila. Os colonos organizaram uma cooperativa que era a
principal voz representativa, através do seu presidente, junto às autoridades
governamentais.
Como eram as
relações entre os filhos dos brancos e dos negros de Katofe?
Resposta: Posso considerar
boas com tendência a melhorar muito. A integração era maior no futebol, com a
equipa da povoação, de brancos e negros, a realizar frequentes jogos nas cinco
aldeias mais próximas, à volta da povoação - Hombe, Songue, Kikula, Kassala e
Katoka; segundo relatos de quem foi ao Catofe, essas aldeias não existem mais.
Quando foi que a vila de Katofe começou a ser fundada?
Resposta: Penso que no
início da década de 1940, com os três pioneiros André de Oliveira, João de
Oliveira e Emílio Dias. O André de Oliveira morreu nos primeiros anos vitimado
pelas febres, pois o terreno na época era bem infestado por mosquitos e
mosca-do-sono.
Lembra-se dos
primeiros habitantes não autóctones de Katofe?
Resposta: Os três pioneiros
foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. Depois, juntou-se a
eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones
de Kilamba.
Por que razão foram lá parar (idos dos açores ou outros pontos do
distante Portugal continental)?
Resposta: Os três
pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias foram
inicialmente para Kibala trabalhar para o Capitão Sandão, que era um militar
açoriano casado na Kibala com uma nativa negra e vários filhos; resolveram
tornar-se independentes e estabeleceram-se nas baixas do Katofe porque, segundo
as informações colhidas na Kibala, havia ali bastante terra livre e boa para a
criação de gado leiteiro, que é a vocação primordial dos jorgenses. Depois,
juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos
autóctones de Kilamba. O meu pai foi encontrado no serviço militar no Huambo,
onde o meu avô paterno tinha uma fazenda perto do Forte da Quissala; o meu pai
foi para Angola atrás do pai, tendo abandonado os estudos em Portugal, quando
ia fazer o curso de Veterinária. Quando foi convidado para ir criar gado no Katofe,
mal saísse definitivamente do quartel, e bem longe do pai, ele não titubeou,
afinal era um jovem de vinte anos.
AS FÁBULAS DO LÚCIO
O Lúcio Silveira tem estado
a publicar no seu blog, MUKANDAS DO KABIÁKA, poemas com conteúdo que retrata
Angola e fábulas da nossa terra (Angola). O meu entrevistado não descarta a
possibilidade de converter as lindas e ricas fábulas em livro impresso. Quanto
à poesia, o livro está a caminho da gráfica.
1 comentário:
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