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sexta-feira, fevereiro 08, 2013

VILA DE KATOFE RETRATADA POR QUEM A VIU NASCER

Katofe
Lúcio Flávio da Silveira Matos é natural de Katofe, município da Kibala, Kwanza-Sul, emigrado em 1975 devido ao clima antes e pós independência, para Portugal e depois para o Brasil onde entre muitas coisas desenvolve actividade académica numa universidade. Lúcio Huambo, como também assina algumas de suas crónicas, é um homem que reflecte sobre Katofe e que narra, nas suas prosas e poesias, a saudade, os mitos e os cantares da terra que o viu nascer.
Em tempos, o Lúcio publicou um artigo que ressaltava os homens adultos do seu tempo de meninice que deram cabo dum leão. Foi o motivo que accionou a minha já desperta curiosidade, resultando numa entrevista que tenho o prazer de publicar nesta página.
Caro Lúcio, Havia uma cidade, pequena, mas com este estatuto ganho em 1974, que é a Kibala. A dez quilómetros erguia-se a vila de Katofe com igreja sumptuosa e casas magestosas (naquele tempo) que comentário?
Comentário: O meu blog inclui uma resenha histórica, intitulada "A décima ilha", escrita pelo meu pai - com heróicos 92 anos feitos em Novembro de 2012 - em que ele narra a lenta mas sempre progressiva colonização açoriana na região do Katofe. A igreja que consideras "sumptuosa" realmente foi o último fruto de um progresso que se considerava imparável, à época; o meu próximo post abordará a evolução da arquitectura da igreja que teve três versões. A primeira foi uma pequena ermida sem torre de sinos (sineira) e a segunda já tinha uma torre com sinos, mas em 1964 mostrou-se exígua para o povo que a frequentava aos domingos e dias de Festa do Divino Espírito Santo, quando havia muitos forasteiros. O progresso das casas foi paralelo ao da igreja; as primeiras casas do Katofe foram de pau-a-pique, depois de adobe, e as primeiras casas de tijolo cerâmico cozido foram erigidas a partir de 1962. A casa de dois pisos no início da povoação, construída pelo Kimbaça Emílio Dias, um dos três pioneiros açorianos, era de adobe e foi construída no início da década de 1950. Ali, era a primeira pousada dos colonos que iam chegando livremente dos Açores, sem quaisquer apoios do governo português. A minha família só se mudou da casa de adobe para a de tijolo cerâmico em 1968. A luz eléctrica foi instalada na povoação em 1966. Ainda, em 1975, quando fomos obrigados a sair pela guerra civil, a nossa geleira funcionava a petróleo.

Katofe era uma colónia agrícola?
Resposta: Era uma colónia agro-pecuária, essencialmente baseada na pecuária de laticínios, que foi implantada de forma livre e espontânea por três açorianos que primeiro viveram alguns anos na Quibala. Ao se fixarem no Catofe, mandavam notícias para os Açores e assim de forma livre se foi estabelecendo um fluxo migratório por afinidade de famílias e não por incentivo governamental. A leitura do supracitado artigo do meu pai vai esclarecer muitas questões que tenhas sobre o desenvolvimento do colonato.

Eram os não nativos todos ou maioritariamente açorianos?
Resposta: Os colonos eram todos açorianos; havia cerca de setenta famílias originárias da ilha de S. Jorge, nos Açores. Entre os colonos havia dois da ilha Graciosa e um da ilha Terceira que casaram com mulheres jorgenses que já se encontravam no Catofe. Esses colonos não-jorgenses vieram originariamente para o Kwanza Sul para trabalhar na construção dos colonatos que o governo colonial resolveu implantar na Cela, a 60 quilómetros. Contudo, ressalte-se que nos colonatos estabelecidos pelo governo inicialmente era proibida a utilização de mão-de-obra nativa, enquanto no Catofe, por ser de colonização livre, os trabalhos de agricultura e pecuária eram feitos com a cooperação de mão-de-obra nativa.
Qual era a ocupação principal daquelas famílias?
Resposta: A ocupação principal sempre foi a pecuária de leite. Inicialmente, houve muitos revezes. O progresso começou a fazer-se sentir a partir de 1965, quando a ELA - Empresa de Laticínios de Angola, com sede na Cela, foi estabelecida com capital acionário igualitário do Estado, firma portuguesa Martins & Rebelo e dos lavradores das regiões da Cela e Catofe. O posto de laticínios construído no Catofe era só destinado à recepção de leite, que era encaminhado refrigerado em camião-tanque para processamento na fábrica da Cela.
Que outras infra-estruturas havia à data?
Resposta: As principais infra-estruturas estabelecidas até 1974 eram a escola, o internato escolar e o posto de saúde, todos frequentados também por população autóctone. Havia previsão para estabelecimento de uma agência de Correios na década de 1970, o que não se realizou até hoje.
Havia uma administração da vila?
Resposta: Não havia uma administração da vila. Os colonos organizaram uma cooperativa que era a principal voz representativa, através do seu presidente, junto às autoridades governamentais.
 
Como eram as relações entre os filhos dos brancos e dos negros de Katofe?
Resposta: Posso considerar boas com tendência a melhorar muito. A integração era maior no futebol, com a equipa da povoação, de brancos e negros, a realizar frequentes jogos nas cinco aldeias mais próximas, à volta da povoação - Hombe, Songue, Kikula, Kassala e Katoka; segundo relatos de quem foi ao Catofe, essas aldeias não existem mais.

Quando foi que a vila de Katofe começou a ser fundada?
Resposta: Penso que no início da década de 1940, com os três pioneiros André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. O André de Oliveira morreu nos primeiros anos vitimado pelas febres, pois o terreno na época era bem infestado por mosquitos e mosca-do-sono.

Lembra-se dos primeiros habitantes não autóctones de Katofe?
Resposta: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba.

Por que razão foram lá parar (idos dos açores ou outros pontos do distante Portugal continental)?
Resposta: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias foram inicialmente para Kibala trabalhar para o Capitão Sandão, que era um militar açoriano casado na Kibala com uma nativa negra e vários filhos; resolveram tornar-se independentes e estabeleceram-se nas baixas do Katofe porque, segundo as informações colhidas na Kibala, havia ali bastante terra livre e boa para a criação de gado leiteiro, que é a vocação primordial dos jorgenses. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba. O meu pai foi encontrado no serviço militar no Huambo, onde o meu avô paterno tinha uma fazenda perto do Forte da Quissala; o meu pai foi para Angola atrás do pai, tendo abandonado os estudos em Portugal, quando ia fazer o curso de Veterinária. Quando foi convidado para ir criar gado no Katofe, mal saísse definitivamente do quartel, e bem longe do pai, ele não titubeou, afinal era um jovem de vinte anos.
AS FÁBULAS DO LÚCIO
O Lúcio Silveira tem estado a publicar no seu blog, MUKANDAS DO KABIÁKA, poemas com conteúdo que retrata Angola e fábulas da nossa terra (Angola). O meu entrevistado não descarta a possibilidade de converter as lindas e ricas fábulas em livro impresso. Quanto à poesia, o livro está a caminho da gráfica.

1 comentário:

Anónimo disse...

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