A lucidez no discurso e o peso da idade são provas do valor histórico-experimental do que lhe vem da alma. Velho Afonso José, religioso metodista desde criança, diz que "nunca frequentou outra" senão a sua "apostante" americana, a Igreja Metodista Unida em Angola.
Natural de Nambuangongo, comuna de Canacassala, o ancião mergulha nas memórias do percurso que leva Angola à independência e atira sem titubear:
- O cão não dá osso no outro.
Quando solicitado a esmiuçar, o mbuta muntu[1] vai mais a fundo.
- Em 1961 jovens daqui, do Nâmbwa , fizeram uma emboscada para impedir os
colonos de sair para Luanda ou São Salvador. Os brancos montaram uma cilada e
atraíram as mulheres, idosos e crianças para uma igreja a que atearam fogo.
Esse massacre de Uhumba é, para nós, o início da luta, mas ninguém escreveu nos
livros. Os jovens, usando catanas, machados e armas de pólvora de fabrico rudimentar,
atacaram, em resposta, os colonos que retaliou com artilharia, canhões e
infantaria. Quando a população se refugiou nas matas, usaram até bombas de
napalm para queimar a produção no meio da floresta.
Quanto ao primeiro movimento na região do Nâmbwa, Afonso José diz que
"foi a 'UPA Lumumba'".
- É assim que os guerrilheiros se apresentavam nos ataques. Primeiro na
Fazenda Margarida e mais tarde em todo o norte. O MPLA chegou depois no Kaji
Mazumbu e no Ngalama, Piri, em 1966.
Aqui, prosseguiu, "eram mais os jovens que iam ao Congo ao encontro do
irmão Holden para receber treinamento no Kinkuzu e em busca de material como
armas e munições".
Todos os chefes de famílias que permaneciam nas aldeias ou refugiados nas
matas, pretendendo abandonar Angola, contribuíam com valores que se dizia
"para fazer registo em São Salvador".
- Era a contribuição para a luta. É por isso que reclamamos, quando nos
dizem que não combatemos ou vemos que só uns são integrados nos antigos
combatentes e outros não. - Justifica, lançando interrogações ao vento.
- Quenhê o mais velho que está em Nâmbwa e não combateu? Uns estavam nos
quartéis e outros nos destacamentos. Todos lutaram contra o branco.
Infelizmente, quando um irmão desviou dinheiro da UPA para o MPLA aí começou a separação
e o desentendimento entre uns e outros e fomos até 1974, ora ataca o colono ora
ataca o irmão igual. - Recorda melancólico.
Segundo o mais velho Afonso, nos kibetu[2]
entre a Fenê e o Movimento de Neto, "o 25 de Abril foi a salvação do MPLA
aqui no Norte".
Não pretendendo substituir-se à História pura, recolhida e decantada com o uso de técnicas e metodologia da investigação da ciência, fica para o confronto com outras opiniões a do mais velho Afonso José que aceitou conversar com este caçador de "pirilampos".
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