A região de matas cerradas com capim esparso nas encostas ou cume de montanhas chama-se Kingimbi, Nâmbuangongo, margem do rio Lifune. Na picada sinuosa, curvilínea, estreita e coberta de capim e arbustos somente os carros todo-terreno ou tractores ainda ausentes "torram farinha".
O asfalto, aí onde existe, fica longe. É a floresta e seus mistérios quem
mais gritam. A vida é pacífica para o trabalho árduo dos camponeses, ainda,
"importados" em elevadas doses do planalto angolano.
Estes, tal como no passado, sem mesmo temer as chacinas
"upa-lumumbistas[1]"
de 1961, são os que mais se prestam ao trabalho agrícola por conta de outrem,
aceitando uma estada de ano e tal para uma renda de Kz 25 mil/mês.
- É esse dinheiro que quando multiplicamos por doze ou mais, dá para
comprar boi e vaca na terra de origem onde os que têm ajuizo se tornam também
empreendedores.
Outros, porém, se tornam casamenteiros de várias akâe e produtores de
vários filhos.
- É o azar que traz o dinheiro. - Diz Francisco.
António, Francisco e José, jovens vindos de Kaciwngu, Wambu, juntaram-se a
Pedro, um mukongo, que chefia a equipa. Estão a 12 quilómetros da aldeia mais
próxima e 14 da estrada asfaltada que vai a Muxaluando, sem lá chegar
negra-betuminosa. Os três jovens, 25 anos abaixo, renderam outros manos que já
fizeram o seu pé-de-meia e se tornaram investidores também. Preferem contratos
de permanência anual. Dos três, só um bebe. Outros dois são da igreja Sende[2].
Por isso não manjam carne suína nem fumam. Álcool, dizem, só na ferida.
- Assim mesmo, como fez o mano Angostinho, quando terminar, vou para a
aldeia e faço como ele. Compro duas cabeças e começo minha lavra.
Na fazenda, em Kingimbi, não têm gastos com alimentação.
- O patrão é nosso amigo. - Dizem.
Leva-lhes comida, bebidas não alcoólicas, roupas e têm placa fotovoltaica e
parabólica.
- Ainda só falta mesmo jornal e revistas para se divertir. -Pediram. por
isso ficaram com os jornais do cronista que foram devorados como no tempo em
que o JDM me chegava actual e quente com seis meses de atraso, distribuído pela
CEDIL dos anos oitenta.
Algo parece repetir-se, embora em moldes repensados.
Os ovimbundu, "dada a sua paciência", obediência e resistência em
trabalhos manuais árduos foram os trabalhadores predilectos nas tongas.
Povoaram os Kwanzas, Malanje, Uije, Cabinda, Bengo e Zaire. Temo-los em toda
Angol'Agrícola.
Antes eram recrutados à força, soba a capa de contratos esclavagistas que
davam, ao fim de um tempo sem fim, em pano e cobertor de quinta categoria, meio
quilo de fuba e duas tábuas de peixe seco acastanhado. Regressavam ou nunca às
suas terras onde eram re-escravizados por outro colono. Os que nunca voltaram
constituíram comunidades culturalmente coesas, ensinando a língua e cultura a
seus rebentos. É pela sua dispersão que "a angolanização[3]
dos ovimbundu é meio caminho para a solidificação do sentimento de angolanidade
por todo o país".
Nos dias que correm, recorrem aos contratos. Mal remunerados a olho nu. O
trabalho agrícola manual é agreste. As matas montanhosas do Nâmbwa são
impenetráveis. Os tractores, inexistentes, podem lavrar as margens ribeirinhas,
porém, a perna e a mão cuidam da montanha. Por isso, são essenciais os jovens
"mbalundu[4]" fortes, sem vícios e
sem família que ganham e juntam tostões para uma vida livre e empreendedora. Há
nesta imensa Angol'Agrícola vários António, Francisco e José que como os
citados trocam força abundante por dinheiro necessário. Mas também aprendem.
António, Francisco e José refinam a pesca fluvial, aprimoram a montagem de
armadilhas várias para os animais e aperfeiçoam a defesa ao largo da
propriedade. Saberão, com certeza, cuidar das suas ou concorrer em outras
fazendas mais estruturadas e melhor remuneradas.
A esses jovens valentes, o cronista abraça e encoraja. Só no dicionário o
benefício surge antes do trabalho!
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