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segunda-feira, janeiro 18, 2021

​IRMÃO PIRIGO

Era alto e magro. Seu nome, na criancice terá sido puto lombriga ou palitinho. Já a deixar a meia-idade, ganhou o hábito de gabar-se de sol a sol. 

- O meu nome já 'encosta na' lista dos 144 mil que vão 'no' céu!
Na igreja era até então chamado de "irmão Catorze-Quatro", em alusão aos três primeiros algarismos que na numeração árabe ganham, à direita, três zeros para completar o número dos "escolhidos", que segundo o livro da bíblia cristã, Apocalipse 14:01, vão governar a terra com Cristo, num executivo que terá o seu palácio no alto dos céus.
Na terra, dizia o irmão Catorze-Quatro, ficariam os bons mas que, pela sua medíocre obra evangélica,  não chegavam à sua excelência cristã. 
Catorze-Quatro tinha todos esses versículos de Apocalipse e Salmos 115:16 bem sublinhados e abria-os prontamente para se defender sempre que fosse afrontado por jovens reformistas e inconformados com a maneira como o templo físico era governado pelos “kotas” da velha guarda.
Catorze-Quatro nasceu numa missão evangélica e lá fez toda a sua instrução preparatória até à chegada da idade militar que lhe roubou o sonho de se tornar pastor ordenado, quando já frequentava o Seminário Emmanuel Unido, do Ndondi, no planalto angolano. Manteve, porém a vocação sacerdotal e fazia questão de se gabar de ser “um dos poucos escolhidos que conhecerão e trabalharão "caralmente" com o Messias no seu governo vindouro e sem fim".
Já a fazer a curva dos cinquenta, Pinto Kwononoka, de sua graça verdadeira, luta agora para ser elevado à categoria de diácono, ao mesmo tempo  que se esforça em ser um “velho-jovem", aderindo a todas as modas virtuais que lhe chegam pelas redes sociais.
Há já anos que as suas roupas se parecem à pele colada ao animal. Seus telefones são de último grito e tem plano infinito de internet que lhe permite passar a vida a dedilhar, mesmo durante os cultos dominicais. Na igreja, escolheu um lugar estratégico para a sua nova mania: senta-se próximo de um pilar de sustentação com uma saliência que faz um ângulo recto, onde disfarça o aparelho em que palavreia com os amigos durante o culto. E foi levando a sua "santidade de mentira" com a “cipala” semi-lavada até ao dia em que foi chamado para abençoar o ofertório da igreja.
- Irmão Catorze-Quatro, leva-nos a Cristo em oração! - Pediu o reverendo Kabwiza.
Sem tempo para desligar o telefone, o benquisto irmão da congregação elevou as mãos ao alto, antes dos habituais dois passos que separam o orador do assento, e começou a sua evocação.
- Meu Deus, mô papá, abre teus olhos e estende a tua mão aos nossos jovens. Cada dia há mais desvios. O "pirigo" está em cada esquina, em cada beco, em cada telefone, meu Jesus. Faz do teu espirito santo um pastor atento, mô papá, para nos proteger dos lobos presenciais e virtuais, mo Dedê (...) Em nome do seu filho, nosso irmão na carne, que espero me receba no seu governo celestial, amem!
Enquanto orava, a loira que do outro lado aguardava pelo "selfie", foi enfeitando o telefone do irmão Catorze-Quatro com mensagens eróticas e imagens, umas em estado "animalesco e em poses kamasutrais”, que divertiram, nos quinze minutos de sua longa "oração de perdão e abertura dos bolsos", os jovens que rápido se abeiraram da suas máquinas (telefone e a interlocutora da conversa virtual).
Quando se dirigiu ao assento, foi recebido com um criativo "irmão Catorze, temos de redobrar a vigilância e vergar cada vez mais o joelho, os telefones estão cheios de perigos"!
- Sim, irmãos. A mundo é um "pirigo" permanente! - Respondeu cabisbaixo, dando-se conta do "cinema sem bilhete que proporcionou à miudagem", ao mesmo tempo que eliminava as imagens com a “cipala” e o "peito alto" da “kindoza” que parecia uma barata “kuribeka”.
"Irmão 'Pirigo'", irmão Pirigoéé?! - Zombam hoje os jovens, dentro e fora da igreja, sempre que Pinto Kwononoka, o Catorze-Quatro, põe a cara fora do quintal. A sua fuma acompanha a expansão de Luanda, pois cada vez mais se escreve em todas as ruas onde é conhecido: "por cá também passou o Irmão 'Pirigo'"!

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