Como excelente
homem de caça, com muitos cães, armadilhas e boa pontaria na hora de levar
o dedo ao gatilho da caçadeira ou da flecha, Mangodinho é apreciador de carne,
mas a seca ou defumada fazem melhor o seu engodo.
Natal e ano novo
chegaram. No mato é tempo de chuva, capim já alto com as presas distantes do
olhar humano. Mangodinho e sua kalumba decidiram ir ao Lubango, visitar os tios
e fazer-lhes companhia, num ano em que não havia motivação para festim. Os
rapazes que foram cursar enfermagem ara a atender o Posto da aldeia
também avisaram em carta que enviaram no meio de Dezembro:
- Ti-Godinho, no
começo do ano, vai nos buscar porque vamos já terminar a formação. O tio que
nos ajudou, não dá para toda hora lhe pedir isso e aquilo. O tio, se puder, vem
e , com ele, cuidam já de nos levar e tudo.
Até Luanda
Mangodinho e a mulher foram de autocarro mas da capital às terras altas de
Chela foram transportados num jeep V8 do chefe Sabalo. O motorista estava em
Luanda e aproveitaram a boleia.
Pelo caminho,
Kilombo, a kazola de Mangodinho, primeira viagem longa de sua vida, só espanto.
Era capim, árvores, montanhas e tudo a correr para traz, enquanto as travagens
tanto faziam-lhe vertigens quanto aproveitava dar uns bicos ao banco de frente,
como se injectando a travagem.
Chegaram 18 horas,
quando o sol já envergonhado, se escondia de trás da cordilheira. Casa vasta e
arejada. Kilombo, boca aberta de convidar moscas. Pena ou sorte, não havia
insectos na vivenda unifamiliar de portas e janelas enredadas.
No dia seguinte,
domingo, dia de família, Mangodinho e Kilombo estavam sós. À volta, só
aquele casão e as árvores a dançarem com o vento, parecendo que se iam partir,
mas sempre flexíveis e a deixá-lo passar. As empregadas haviam sido
dispensadas.
- Não precisam vir
amanhã, nem façam turno. Aqui não haverá festa e vocês podem conviver todas,
cada uma com sua família. - Ordenou Ita, a dona de casa. Kilombo só na
contemplação e Mangodinho quase se instalou na adega. Desde aquele episódio do
"dia da janta" que já não bebia vinho como água. Maneirava gestos
delicados ao servir e entornar a água tinturada ao estômago carente.
- Vamos levar umas
ofertas ao lar dos órfãos e visitar os dois meninos que estão a fazer
enfermagem no lar de estudantes. Comam o que quiserem que nós comeremos pelo
caminho ou algo rápido à chegada. Disse Sabalo, o tio, a despedir-se do casal.
Mangodinho na
cave. Vinho pedia petisco. Já tinha provado o cheiro e sabor de presunto que se
achava pendurado na cozinha. Cortou pedaços e levou consigo. Kilombo pensou em
fazer almoço. Embora a arca estivesse a cuspir carnes e peixe para fora,
técnica de descongelar e temperar não tinha ainda. No mato ou se come fresco ou
seco. O .rio termo é somente o defumado. Assim como se apresentava aquela perna
de porco, curada e já sem banha. Pensou na satisfação de seu marido ver à mesa
carne seca de porco sarado, molho ajindungado de tomate e funji de bombó.
- O homem, com os
vinho dele na cabeça, vai me gostar ainda mais e até vai andar me convidar nas
reuniões do comissariado e nas visitas ao pai. - Pensou Kilombo.
O fogão cantava
contente e o lume chiava. A panela brilhava e o molho corava. Presunto duro,
duro como porco que resiste à morte. Mangodinho até gostou e lambeu os beiços.
Meio sério, meio alcoolizado, ligou o leitor de DC e acompanhou Robertinho
no"amor canarinho", improvisando uma serenata à Kilombo.
Ita, Vanito e
Sabalo entraram sem se fazerem denunciar. Não foi a pé de galo, não. A música
que Godinho ouvia e acompanhava para agradecer o repasto servido por Kilombo é
que estava mesmo alta.
- Ó Zequeno
(assim é também tratado no seio familiar)?! - Chamou o tio.
- Pai!
- Para petiscar,
precisavas levar a perna de presunto ao meio?
- Não, pai. Comi
um pouco de carne crua com aquele vinho que me indicou e a sua nora cozinhou
também outro bocado para o almoço.
Ita, Vanito
e Sabalo quase morreram de risos ao saber qual tinha sido o "gostoso
pitéu" de Mangodinho naquela tarde de natal.
- Funji com
presunto refogado em molho ajindungado de tomate?!
Publicado pelo Jornal de Angola de 15.01.2023
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