Já lá vão três anos que Mangodinho teve a arriscada ideia de construir
instalações para o que pode vir a ser o Posto Médico da aldeia. Como homem
avisado, cuidou também de mandar à Huíla miúdo Russo e Sembe, jovens da aldeia
que não hesitaram em aproveitar a oportunidade de crescer na vida e ajudar o
povo. Aliás foi mesmo esse o discurso de Mangodinho quando os abordou.
- Miúdo Russo, como vês, aqui as pessoas morrer é tipo cabrito. Não há
enfermeiro nem Posto. Não queres estudar saúde? Já falei com o meu pai que foi
trabalhar no Lubango e ele pode ajudar. Pelo menos cresces na vida e ajudas o
povo.
miúdo Russo, miúdo de visão, não hesitou.
- Obrigado Tigodinho. Muito obrigado. Vou já avisar a mãe. É mesmo avisar.
Mangodinho falou também com Sembe sobre o assunto e nos mesmos termos.
Sembe, miúdo crescido e já um pouco viajado, viu naquela proposta a vez da sua
vida.
- Já aceitei, tio. Não precisa só se dar massada de explicar. Não
aproveitar é ser burro e continuar na lavra e nos alambiques. - Concluiu Sembe,
fazendo-se à casa para avisar os familiares.
Já não era boato. Era certeza. O chefe Sabalo, tio de Mangodinho que foi ao
Lubango trabalhar na ordem e segurança, cuidou de os inscrever na Escola
Técnica e instalar no internato de Tchivinguoro. Vezes tantas levou apoio moral
e material para suprir carências de visita e de quem vive de braços estendidos.
Mangodinho, hoje distinto daquele que aportou à Ngwimbi em situação de
óbito, é homem diferente, iluminado.
Com as instalações erguidas e os dois técnicos formados, mesmo que venham a
ser pagos apenas pela comunidade, só restará pedir à administração os
equipamentos e medicamentos. Mangodinho é, ao que diria Salas Neto, "um
filósofo de bairro" ou um "mago no escuro da aldeia rural". Ele
foi felicita-los pelo empenho e leva-los de volta à Pedra Escrita.
- Epá! Ti Godinho e chefe Ti Sabalo! Muito gosto. Obrigado por nos darem o
estudo e virem nos visitar. - Soltaram em coro miúdo Russo e Sembe.
- Nós é que agradecemos o vosso espírito de entrega é de sacrifício. Sabia
que a vossa vida aqui, longe da família, não seria fácil mas confiei também na
vossa resiliência, enquanto jovens comprometidos com o bem-estar da população.
- Agradeceu Mangodinho.
- Tio, só o começo é que foi duro, explicou miúdo Russo a desembrulhar os
certificados, mas o resto foi fácil, porque o chefe tio Sabalo estava sempre
aqui ou íamos com ele à cidade comer e beber.
Cumprido o protocolo junto da direcção do lar de estudantes, fizeram as
imbambas e rumaram à cidade onde fariam a compra de algumas lembranças.
Tchivingiro fica para a história. Dentro de uma semana, será a aldeia de Pedra
Escrita a construir outras páginas em suas vidas.
Pacientes: feridos, encolerados, doentes de pele, crianças de barrigas
fartas, todos pacientes. Eles também pacientes. Aguardavam-se uns aos outros.
A notícia da formação dos dois enfermeiros gerais tinha chegado cedo à sede
do
município. Camas, medicamentos e lençóis chegaram 24 antes e, no dia do
desembarque dos dois "kimbandas", o administrador já os esperava para
as boas-vindas, apresentar o material de trabalho, as guias de colocação e
abrir o Posto.
Mangodinho
aproveitou pedir ao Cda administrador comunal para deixar a função de
coordenador do bairro e se dedicar exclusivamente ao Partido. Afinal, era ano
eleitoral.
Texto publicado no Caderno Fim-de-semana do Jornal de Angola, 10/12/2017
Texto publicado no Caderno Fim-de-semana do Jornal de Angola, 10/12/2017
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