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sexta-feira, março 01, 2019

BALABANDI

Em tempos fui a uma instituição pública tratar uma demanda de ordem jurídica. Olhando de soslaio, atento ao que me estava à volta, mas sem pretender que fosse descoberto, verifiquei que os processos, muitos já acastanhados e carcomidos, eram perfurados e amarrados com uma linha que seguia uma agulha também grossa.
Desde que abandonei o interior e o Roque Santeiro foi extinto que já não via nem a linha nem aquela agulha que na fazenda servia para atar os sacos de café... ou de macroeira. Veio-me à mente a palavra, "balabandi". O termo, pronunciado no meu Kimbundu materno, já leva mais de quarenta anos de distância. Era ouvido na infância e sempre acorrentado a estórias e crendices que apontavam para manufacturas ou engenhos movidos a braços e por forças ocultas repousando em duas caveiras de "mbalundu" decapitados por brancos impiedosos, para fazer as máquinas funcionar.
E tais máquinas, nas zonas de Ngulungu, Lwati, Kimbirima, etc. não processavam outra coisa que não fosse o balabandi que, mais tarde, cheguei a saber que não era mais senão o sisal. Havia no território do Lubolu, em tempos idos, "infindáveis" campos de sisal, cuja corda, levada ao beneficiamento, resultava em tapeçaria, sacaria para acomodar o café dos terreiros, cordas e linhas diversas para fins incontáveis, utensílios domésticos e outras benfeitorias.
O balabandi para fins industriais, no Lubolu, é hoje cultivado apenas na memória dos vovós que regaram os campos e as fabriquetas de fiação com o suor de sua juventude e poucos quarentões, crianças de então, que frequentaram o njangu onde as estórias desfilavam no meio da história contada de boca em boca. Fora disso, são apenas raríssimas plantas que resistem ao fogo de todos os anos e alguns rebentos que se colocam à beira das lavras para impedir a intrusão de javalis, pacas e outros impostores.
Se há uns vinte anos ainda se fiavam manual e artesanalmente algumas cordas para as pequenas armadilhas, hoje que a "caça pequena" e a recolecção deixaram de fazer parte do dia-a-dia do homem rural, para que mais serve o balabandi?
Sumiram as fábricas de fiação nas pequenas e grandes cidades. O café pouco reclama a ausência do saco confeccionado com fios de sisal. Os tapetes vêm da China. As cordas também. Os campos, sem quem receba a matéria-prima, deixaram de produzir sisal.
Os dólares que o balabandi poupava, quando não tínhamos petro-diamantes, são hoje exportados para coisas menores: linhas, esfregonas, cortinas, agulhas e botões para camisas. Que tal poupá-los para replantar balabandi (sisal) que pode ressuscitar a indústria de ficção e sacaria?
São apenas cogitações leigas!


Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 8.11.2018
 

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