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quarta-feira, março 01, 2017

A REVOLUÇÃO NA ALDEIA

- Ndjuce, Sami, Russo, Katambi! Acordem, rapazes. Acordem.

Mangodinho, cinco e meia, parecia louco na aldeia. Enxada na mão, picareta no ombro, o homem estava decidido.

- Temos de evoluir. Luanda é linda, mas toda aquela boniteza é por causa da nossa burreza. Nós vamos lá, estranhamos. Em vez de fazer também aqui, não! Ficamos só assim na saudade, juntar macroeira e voltar a Luanda. Nossos filhos que estamos a fazer aqui para ficarem espertos têm também de ir à capital? Vamos trabalhar.

Os rapazes, aqueles convocados em primeira instância e outros que se juntaram ao chamamento, fizeram uma roda em torno de Mangodinho.

- Estão a ver essa lagoa no quintal do meu pai? - Exibiu a foto. - Nos também aqui podemos ter. Lá a água sai de um tanque, tem máquina que a manda à lagoa e sai. Se parece lagoa de um rio. Nós aqui vamos fazer directamente no rio.

- Fazer lagoa que não é de Deus no rio, Tizequeno? - Kabari, dúvida era como água do rio em tempo de chuva.

- Deixa ainda o tio falar e vamos sentar para ver o que dá para fazer. Ajudou o Russo, rapaz esperto que também conhece cidade. Tinha ido duas vezes a Tabela e Waku Kungu. Russo já era visto como um rapaz de visão. A casa dele é a única que se apresenta rebocada, dentro e fora,  e com janelas de vidro, mesmo sendo feitas de adobos. As pessoa que passam e até se perguntam: essa casa, no meio da aldeia, não é desperdício? Mas não é, não. As pessoas da Ngwimbi com casa tipo estão no mato, essas é que deviam voltar e o miúdo Russo ficar no lugar deles na cidade.

Pois é. Mangodinho continuou a explicar aos jovens:

- Vejam só. A pessoa vai ao rio tomar banho, nesse tempo, água que passa é bocado. Não estou a falar do rio grande, o Longa. Estou a falar desse karriacho aqui. - Apontava. - Se pegarmos enxadas, pás, picaretas, kangulos, etc., podemos abrir, tipo um tanque. De lado, vamos pôr tijolos com cimento. A água fica com um sítio de entrar e sitio para sair. Não acham que fica mais melhor?

- Fica tio. Afinal o Tizequeno viu boas coisas na capital. Eu também já vi coisa igual na televisão. - Disse Kabari.

- Eu, no Amboim, também já tomei banho nesses tanques que o tio mostrou na foto e que chamam "peixina". - Complementou o Russo.

- Mas, tio, se construirmos ao lado do rio, não no próprio rio a descer. Se construirmos de lado, dez metros fora, se metermos um tubo que faz a água entrar e outro que faz a água sair não fica mais melhor? - Perguntou Sami.

- É. Miúdo Sami. Afinal teu juízo não é de gafanhoto. Fica melhor, porque quando o rio estiver cheio, com a chuva, não vai arrastar a nossa piscina. - Já viram que vocês todos estão a evoluir? Vamos fazer a nossa lagoa de banhos, dez metros fora do rio Kisela. - Orientou Mangodinho.

Os rapazes já se preparavam para completar o material de construção. Era sábado, dia de trabalhos comunitários. Mas, Mangodinho entendeu expor outra ideia.

- Ó miúdos, esperem ainda. Nessa ideia já se entendemos. Falta só uma. Chamem o secretário do bairro para fazer uma carta bem escrita ao administrador comunal. A minha segunda ideia é ele mandar vir cá dois professores: um é para nós os mais velhos termos aulas de alfabetização. as aulas serão aos sábados e domingos naquela  capela da Igreja "Cheia". O outro professor é para as crianças. Vamos ajudar a construir a escola. Minha ideia é que cada pai ou irmão mais velho  vai fazer cinquenta adobes. Eu vou contribuir com as dez chapas de zinco que sobraram da cobertura da minha casa.

Katambi estava na zuna em direcção à casa do secretário. Era ele quem levava os assuntos da aldeia ao administrador comunal, já que a comunidade estava sem soba. No jango das conversas, o debate continuava. Ao grupo se tinham juntado outros jovens e adolescentes. As mulheres afinavam os ouvidos para se aperceber do que os homens estavam a tratar, mas não eram para lá chamadas, contentando-se com o que o vento arrastava e lhes chegava.

- E onde vão dormir os professores que o camarada comissário vai enviar, ó Tizequeno? - Indagou Kime que acabara de chegar.

- Olhem rapazes. A união faz a for... a força! Vamos construir um quarto e uma cozinha em anexo para eles. E, como todos nós somos camponeses, podemos fazer uma escala para darmos mandioca, jinguba, kizaca, rama de batata, fuba, mengeleka e outros comidas para que não passem fome, até que eles consigam ter as suas próprias lavras.

- Boa ideia, Mangodinho. – Comemoraram, antes mesmo de chegar o secretário a quem passaram todas as ideias.  

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