Mangodinho, cinco
e meia, parecia louco na aldeia. Enxada na mão, picareta no ombro, o homem estava
decidido.
- Temos de
evoluir. Luanda é linda, mas toda aquela boniteza é por causa da nossa burreza.
Nós vamos lá, estranhamos. Em vez de fazer também aqui, não! Ficamos só assim
na saudade, juntar macroeira e voltar a Luanda. Nossos filhos que estamos a
fazer aqui para ficarem espertos têm também de ir à capital? Vamos trabalhar.
Os rapazes,
aqueles convocados em primeira instância e outros que se juntaram ao
chamamento, fizeram uma roda em torno de Mangodinho.
- Estão a ver essa
lagoa no quintal do meu pai? - Exibiu a foto. - Nos também aqui podemos ter. Lá
a água sai de um tanque, tem máquina que a manda à lagoa e sai. Se parece lagoa
de um rio. Nós aqui vamos fazer directamente no rio.
- Fazer lagoa que
não é de Deus no rio, Tizequeno? - Kabari, dúvida era como água do rio em tempo
de chuva.
- Deixa ainda o
tio falar e vamos sentar para ver o que dá para fazer. Ajudou o Russo, rapaz
esperto que também conhece cidade. Tinha ido duas vezes a Tabela e Waku Kungu.
Russo já era visto como um rapaz de visão. A casa dele é a única que se
apresenta rebocada, dentro e fora, e com janelas de vidro, mesmo sendo
feitas de adobos. As pessoa que passam e até se perguntam: essa casa, no meio
da aldeia, não é desperdício? Mas não é, não. As pessoas da Ngwimbi com casa
tipo estão no mato, essas é que deviam voltar e o miúdo Russo ficar no lugar
deles na cidade.
Pois é. Mangodinho
continuou a explicar aos jovens:
- Vejam só. A
pessoa vai ao rio tomar banho, nesse tempo, água que passa é bocado. Não estou
a falar do rio grande, o Longa. Estou a falar desse karriacho aqui. - Apontava.
- Se pegarmos enxadas, pás, picaretas, kangulos, etc., podemos abrir, tipo um
tanque. De lado, vamos pôr tijolos com cimento. A água fica com um sítio de
entrar e sitio para sair. Não acham que fica mais melhor?
- Fica tio. Afinal
o Tizequeno viu boas coisas na capital. Eu também já vi coisa igual na
televisão. - Disse Kabari.
- Eu, no Amboim,
também já tomei banho nesses tanques que o tio mostrou na foto e que chamam
"peixina". - Complementou o Russo.
- Mas, tio, se
construirmos ao lado do rio, não no próprio rio a descer. Se construirmos de
lado, dez metros fora, se metermos um tubo que faz a água entrar e outro que
faz a água sair não fica mais melhor? - Perguntou Sami.
- É. Miúdo Sami.
Afinal teu juízo não é de gafanhoto. Fica melhor, porque quando o rio estiver
cheio, com a chuva, não vai arrastar a nossa piscina. - Já viram que vocês
todos estão a evoluir? Vamos fazer a nossa lagoa de banhos, dez metros fora do
rio Kisela. - Orientou Mangodinho.
Os rapazes já se
preparavam para completar o material de construção. Era sábado, dia de
trabalhos comunitários. Mas, Mangodinho entendeu expor outra ideia.
- Ó miúdos,
esperem ainda. Nessa ideia já se entendemos. Falta só uma. Chamem o secretário
do bairro para fazer uma carta bem escrita ao administrador comunal. A minha
segunda ideia é ele mandar vir cá dois professores: um é para nós os mais
velhos termos aulas de alfabetização. as aulas serão aos sábados e domingos
naquela capela da Igreja "Cheia". O outro professor é para as
crianças. Vamos ajudar a construir a escola. Minha ideia é que cada pai ou
irmão mais velho vai fazer cinquenta adobes. Eu vou contribuir com
as dez chapas de zinco que sobraram da cobertura da minha casa.
Katambi
estava na zuna em direcção à casa do secretário. Era ele quem levava os assuntos
da aldeia ao administrador comunal, já que a comunidade estava sem soba. No
jango das conversas, o debate continuava. Ao grupo se tinham juntado outros
jovens e adolescentes. As mulheres afinavam os ouvidos para se aperceber do que
os homens estavam a tratar, mas não eram para lá chamadas, contentando-se com o
que o vento arrastava e lhes chegava.
- E onde
vão dormir os professores que o camarada comissário vai enviar, ó Tizequeno? - Indagou Kime que acabara de chegar.
- Olhem rapazes. A união faz a for... a
força! Vamos construir um quarto e uma cozinha em anexo para eles. E, como
todos nós somos camponeses, podemos fazer uma escala para darmos mandioca,
jinguba, kizaca, rama de batata, fuba, mengeleka e outros comidas para que não
passem fome, até que eles consigam ter as suas próprias lavras.
- Boa ideia, Mangodinho. – Comemoraram,
antes mesmo de chegar o secretário a quem passaram todas as ideias.
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