(As boas coisas que devíamos kabular)
Interiorizei, desde cedo, que uma saída, por mais próximo que seja o
destino, deve ser aproveitada, entre outros, para fazer também analogias entre
os nossos avanços e atrasos em relação aos outros povos e geografias.
Assim, estando na cidade atlântica mais a sul de África, não me tenho
coibido em trocar experiências e anelar o que podemos, mas ainda não possuímos
ou gabar-me de nossas riquezas culturais e contornos geográficos ímpares que
nos podem colocar, indubitavelmente, em rotas turísticas mundiais.
Eis que, andando desinteressado pelo "calçadão" de Sea Point deparei-me
com o Mandela's glasses" que,
de imediato, passei a comparar aos meus e a outros mais famosos e dignos de um
monumento em noss'Angola querida.
Os meus óculos, embora sejam de grande utilidade ao meu trabalho, não têm
história. Ganham, daqui em diante, a sorte de ter uma estória.
Usei óculos sem graduação, quando era "teeneger", abandonando-os
na primeira esquina da juventude, quando o culturismo ocupava parte do meu
pouco tempo livre.
Tempos depois, surgiu a necessidade ingente de renda permanente, passando
de sub-empregado a dupla ou triplamente empregado, elevando a minha exposição
prolongada ao écran do televisor, que só veio a piorar com o surgimento dos
telefones celulares. Foi a entrar para a fase da juventude plena (ainda) que
fiz a primeira visita ao optometrista e ao oftalmologista que não fizeram mais
senão prescrever-me um par de óculos.
Depois de quatro ou cinco anos a usar lentes correctivas, houve ainda um
interregno de tempo em que fora declarado livre de "mawanas". Hoje, porém, depois do telefone celular, os
óculos são o meu segundo objecto de preocupação imediata e permanente.
Passemos a Madiba. Quem caminha à beira-mar, em Sea Point, Cape Town, verá, inocultável, um
monumento em que se replicam os óculos do primeiro presidente negro da África
do Sul. A caminhar pela baia, "Mandela's Glasses" é um ponto em que
os turistas de várias origens (e até nacionais) procuram parar e fazer uma foto
ímpar que serve de lembrança aos amigos (daqueles que fazem publicações nas
redes sociais) e para marcar o autor/turista durante a vida toda, lembrando-se
da estadia em Sea Point e da passagem pelo local.
Cada detalhe, cada objecto da vida de um líder com a grandeza de Nelson
Mandela ou de Agostinho Neto pode ser transformado em motivo de atracção
turística.
É sabido que os angolanos, representados pela Direcção do MPLA, negaram-se
em receber os restos mortais do "guia imortal" sem os seus óculos,
tendo, ao que se diz, a urna funerária sido devolvida à Ex-União Soviética
(Setembro de 1979) para a colocação dos óculos (sem as lentes) e permitir que o
cadáver embalsamado fosse facilmente reconhecido como o de Agostinho Neto que
sempre se apresentou em público com os seus pesados óculos. Por tudo quanto foi
aflorado, os óculos de Agostinho Neto, por si sós, merecem uma descrição e elevados
ao conhecimento público dos nacionais e visitantes estrangeiros.
Vejamos, por exemplo, como a China, noutra latitude, faz para fomentar o
turismo interno, fazendo réplicas de monumentos de outros países.
Uma réplica da Torre Eiffel pode ser vista em Tianducheng, ao passo que
Xangai tem cópias da Torre (inclinada) de Pisa e Thames Town. A Florentia
Village pode ser visitada em Wuqing e Hallstatt, em Huizhou.
_ Podemos copiar o monumento com a réplica dos óculos de Mandela e termos
também na nossa Marginal de Luanda um local com os "Óculos de Neto"?
Acredito piamente que é possível!
Mas sobre a marginal de Sea Point não é tudo. O rhino's view point é outro local de paragem, quase que obrigatória,
de dezenas de caminhantes.
O rinoceronte é um grande herbívoro existente na faixa sul e central de
África, incluindo o Sul de Angola, e também na Ásia. São conhecidas cinco espécies,
sendo duas em África e outras três no continente asiático.
É óbvio que o seu habitat não é a cidade e, fora os parques e safaris, a
maioria das pessoas só os vê na televisão e nos filmes.
Os sul-africanos fizeram uma "brincadeira" encantadora na marginal
de Sea Point, implantando peças diversas (representando partes do corpo do
animal) que, quando vistas fora do ponto de observação, passam despercebidas. É
preciso subir ao ponto de observação para que as "peças diversas" se
componham em uma única figura. É uma bela forma de entreter o turista. Coisas
simples, mas que marcam.
Sempre que me deparo com esses exemplos, fico a pensar na nossa Palanca
Negra Gigante, que só existe em Angola, e que também pode "pastar" na
nossa marginal da Praia do Bispo.
Por outro lado, as cidades crescentes como Luanda e Cape Town enfrentam
desafios ligados ao estacionamento urbano. Em Luanda, são os jovens e
adolescentes que vêem das barrocas da Boavista e outros bairros distantes que
se assenhoraram das ruas das Ingombotas como se de sua propriedade se tratasse.
O mais caricato é que até os polícias e fiscais pagam "gorjetas" a
esses "miúdos" que podiam aprender profissões, em vez de se
contentaram com dinheiro fácil e grande parte deles aos vícios como o álcool e drogas.
Diferente de Luanda, a fiscalização do "street
parking" de Sea Point e Cape Town é feito de forma rigorosa e
produtiva por homens e mulheres adultas que, munidos de equipamentos de
facturação, comunicação para chamar a polícia e outros meios, gerem os espaços
demarcados para o estacionamento temporário, colectando para a edilidade e
agindo contra os incumpridores (resulta em outras colectas).
É fácil reconhecê-los. Homens e mulheres vestindo colectes reflectores e farda
azul-escura, atentos aos que param e aos que deixam os espaços livres. A sobre
estadia tem outra facturação ou multa. E os automobilistas cumprem. Tal faz
também pensarem duas vezes entre caminhar uns metros ou levar a viatura e ter
de pagar pelo estacionamento temporário.
A edilidade buscou uma parceria público-privada (ppp) para a sua gestão. Ao fim do dia, os fiscais dos espaços para estacionamento urbano dirigem-se
a um "post-office" onde fazem as contas do dia e recebem a
percentagem que lhes é devida.
Dá prazer vê-los a entrarem, depois de contas feitas, em lojas ou "street market" para pegarem o
jantar e suprir outras necessidades caseiras.
Em 2020, eu havia feito uma reportagem ao meu Camarada de feliz memória,
Sérgio Rescova, enquanto governador de Luanda. Pareceu ter acolhido os dados
que lhe passei, mas não demorou e foi enviado ao Uige, perecendo tempo depois.
Num curso sobre Economia Moderna, (ENNAP 2020-2021), apresentei o assunto
como meu "paper" reflexivo
(espécie de monografia), tendo merecido um efusivo acolhimento do professor que
recomendou "elevá-lo a artigo científico e ou materializar a experiência
em Luanda".
Espero que este apontamento desperte os administradores da província de
Luanda e outros a fim de repensarem no dinheiro que perdem ao deixar os espaços
para estacionamento urbano em mãos de vadios e (alguns) delinquentes.
Por último, mas não menos importante, trago a experiência absorvida sobre o
horário de trabalho. Antes, conto-lhe sobre o exercício mimético de um pombo
que se confundira ao negro do asfalto.
O mimetismo está presente em nossas vidas. Humanos, outros animais tidos
como irracionais e plantas experimentam, em alguns estágios de sua existência,
o mimetismo. O camaleão é o mais conhecido neste exercício. Talvez assolado
pelo frio, que no mês de Setembro não poupa nenhum vivente, um pombo negro
encontrou um canto alcatroado para fazer-se passar despercebida.
O caminho não me era novo. Era o de sempre e sem novidades por expectar.
Decidi, entretanto, focar-me nos detalhes para que a graça não se esvaísse com
a redundância. Olhei demoradamente para a paz dos pombos, perante um mar
normalmente bravio, mas que se mostrava calmo e um sol altivo em dia de chuva e
sensação térmica calculada em 9 graus Celcius.
Caminhava, quase sozinho, naquela passarela longa e larga, perguntando-me
"aonde foram os companheiros das caminhadas de todos os dias"?
Sempre encontrei a marginal apinhada de gente que combate a ociosidade, a obesidade e outros males. Geralmente, ninguém lúcido quer ter problemas de coração.
A ausência dos companheiros de passada e outros mais lestos que,
normalmente, passam por mim com o quadruplo ou sêxtuplo da velocidade levou-me
a questionar insistentemente aos "meus botões":
_ Será que a inundação humana da calçada apenas acontece com a soltura da
função pública que, nesta cidade, entra às 09h e sai às 4 da tarde, perfazendo
no trabalho presencial as 07 horas que nos custam cumprir em Angola?
Fiquei a pensar ainda na dificuldade que, por vontade nossa, instalámos em
chegar às 08h00 e o bónus que recebemos na Lei de Bases da Função Pública que
dita a entrada naquela hora "impossível" e a saída às 15h00.
Já que gostámos de kabular (nem sempre em perfeitas condições), por que não
se estendeu o horário de entrada para 09 e saída às 4 da tarde, o que não
cortaria sequer uma unha aos que têm o "congestionamento do trânsito"
como justificação de perenes atrasos no local de prestação de serviço?
Há uma voz que me grita distante: "muitos não gostam mesmo é de
trabalhar"!
Publicado pelo Jornal de Angola de 01.10.23