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sábado, junho 25, 2022

ANGOLA, A FRELIMO E AS COINCIDÊNCIAS

A história da colonização portuguesa, com apetites ingleses pelo meio, o mapa cor-de-rosa, as rebeliões nativas, a tomada de consciência nacional, a frequência de mesmas escolas metropolitanas, a passagem pela CEI¹ e a mobilização para a luta armada que levou às independências são comuns. Tirando pequenos laivos de "excessivo apego à estrutura sintática", para os luso-índico-africanos, e refinada dicção, a roçar ao tuga alfacinha, para os luso-afro-tropicais-atlânticos, é tudo, como se diz em Umbundu, walisetahãla²!

Há angolanos, mais pelo interior, sobretudo os que frequentaram missões católicas que reverenciam a sintaxe, mas descuidam a prosódia. Assim como os há, sazonalmente, em Moçambique. É por isso que sem alistar os santomenses, netos de nossos antepassados aí levados para povoar as duas ilhas perdidas no kalunga lwiji³, os kanimambu⁴ são os nossos irmãos siameses no comportamento social, nas cleptomanias, e no que só Mia sabe descrever.
Falando em Mia Couto, biólogo que, para mim, é nobável⁵ sempre que o leio nas suas caracterizações de Mussa Al-Bike, penso que ele é meu vizinho, colega de trabalho e confessionário de mesmas crenças e dogmas. É tanta coincidência entre os dois países banhados por oceanos distintos!
Conta-se que estando em Moçambique dois angolanos, idos do Ndongo, decidiram procurar por um restaurante à beira-mar, em Beira, onde encontrariam apetecíveis garoupas grelhadas, regáveis com as mais suculentas produções vinícolas lus-e-tanas.
- Bem-vindos queridos fregueses. Aqui tem de tudo: peixe, mariscos, frutos do mar, petiscos e bons vinhos portugueses e mandelenses. - Convidou Hibrahima, mulher de pele achocolatada aparentando ascendência etíopes.
- Boa tarde e muito obrigado pelo convite. - Respondeu António Tandela, meio reclinado, veniando a donzela, enquanto o companheiro retirava o boné da cabeça.
- Em que vos pode valer a minha serventia, cavalheiros? - Perguntou Hibrahima, ao mesmo tempo que minuciava os gestos, sotaques, o brilho e o aroma que os recém-entrados expeliam.
- Há bons dias que não passamos de carnes e aves. Hoje é peixe que queremos: calafate, garoupa, pungo, o que houver de bom. - Respondeu Dias, até então calado.
- Traga-nos também a carta das pomadas⁶. Este sol pede um bom litro⁷. Para mim, água de côco. - Emendou Tandela.
Hibrahima tomou nota do pedido no bloco de apontamentos que levou à cozinha e ao bar, deixando lacrados no cérebro as informações descritivas sobre os dois cavalheiros.
Feitas as diligência, e quando as garoupas mostravam já as espinhas dorsais e a garrafa de Don Juan e verter por baixo, Hibrahima, no papel de boa anfitriã, voltou a questionar.
- Desculpe, senhor Dias. Vocês me parecem de Nhambate, pois não?
- Nhambane? Nem conhecemos ainda. Nós somos angolanos. - Retorquiu Dias procurando saber o porquê da colação a Nhambane.
- É que, pelo vosso sotaque, só podem ser de Nhambane. Tenho certeza porque já lá vivi e convivo com muitos nhambanenses. - Explicou arguciosa.
Nisso, Tandela que inclinara as últimas gotas do envelhecido Don Juan entrou em cena procurando por um documento que levasse Hibrahima a dirimir as dúvidas.
- Só um momento minha senhora e já lhe mostro que somos mesmo angolanos. - Apelou, tentando encontrar, entre os papéis no bolso interior do casaco, um documento que indicasse a sua proveniência. Não foi, porém, a tempo, pois Joia, uma garçonete que se achava a poucos metros, atirou em seco.
- Porquê que vocês da Frelimo gostam tanto de mentir? Depois da refeição, se quiserem conhecer Beira, podem ligar para mim que já estou no fim do meu turno. Aceito jornada after work.
Trocaram nomes e telefones para o intercâmbio de culturas, odores e suores nos dias que faltavam à missão. Quanto à língua herdada da colonização e aos sotaques, ficou provado. Angola tem tudo de Moçambique e vice-versa!
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¹ Casa de Estudantes do Império.
² Parecidos.
³ Mar, aceno, imensidão.
⁴ Alusão a moçambicanos. Saudação.
⁵ Merecedor de prémio Nobel.
⁶ Alusão ao vinho tinto.
⁷ Garrafa.
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Obs: Publicado pelo Jornal de Angola de 04.07.2021

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