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segunda-feira, novembro 02, 2015

REVISITANDO O KWANZA-SUL

A nova ponte sobre o rio Kwanza
Entre colinas, que se abrigam à sombra da montanha coberta de nevoeiro madrugador, serpenteia preguiçosa a EN120. De longe, se parece a um riacho que penetra atrevido as duas cochas bafejadas de águas límpidas e refrescadas pela sombra de árvores ribeirinhas. A localidade que já devolveu muitas vidas humanas ao pó da terra responde pelo nome de Bica d´água, no trajecto entre o desvio de Kalulu à Kibala. A estrada, na EN120, é a mesma que nos leva ao Huambo, saídos de Luanda, passando pelo Dondo. Bica d´água é um local da comuna da Munenga (Libolo) em que foi  erguido, no tempo colonial, um bebedouro (água bruta captada dum riacho procedente da montanha). Era e ainda é um local para parar, encher os reservatórios, os radiadores das Bedford e saciar a sede humana.

Dada a acentuada descida de 10%, acompanhada de curvas e humidade no pavimento, o local foi, desde sempre propício à ocorrência de sinistros que ceifaram muitas vidas. Basta ver as dezenas de carcaças de automóveis que repousam nas duas encostas ravinosas da estrada.
Pensando na prevenção da vida, o Serviço nacional de protecção civil e bombeiros têm no local um Posto de Apoio e Socorro aos Sinistrados. Nada melhor do que neste local que fica a 50 quilómetros da ponte sobre o rio Kwanza e uns 25 da ponte sobre o Longa, no itinerário Dondo-Kibala.
A presença da polícia de trânsito e bombeiros no local serve de elemento inibidor aos homens do volante, sobretudo aqueles que têm maior propensão a acelerar do que a travar.


Juntando margens do Kwanza entre Lubolu e Ndondu
E sigo até Kibala onde sou presenteado com os edifícios em escombro que se tornaram no cartão de visita da "cidade" de Kibala (K-Sul). A guerra pós independência pôs tudo abaixo e o que resta são escombros e edifícios fortemente estropiados. Num "kaprédio" que  ladeia a estrada funciona, na parte inferior, o Restaurante Kandimba. Ao lado foram, felizmente, erguidas bombas de combustíveis pertencentes à Sonangol que possuem uma loja de conveniência e um restaurante, conferindo uma imagem modernizada ou no mínimo mais alegre à urbe. Contou-me o meu amigo Pastor Vinte e Cinco que em 1974 foi atribuída a categoria de cidade à vila de Kibala, feito publicado em uma portaria de então. A ser verdade, tal facto só se podia justificar com a existência, já naquela altura, de programas de desenvolvimento e crescimento da "cidadela", embora tivesse apenas uma rua a cortá-la em dois blocos.
Kibala é uma bifurcação, agora em forma de X: à direita (sentido Luanda Huambo) está a estrada que nos leva à Gabela-Sumbe. À esquerda a estrada que nos leva ao Mussende-Malanje. Para norte segue a estrada que nos leva ao Dondo e Luanda, sendo que para sul se estende a rodovia que nos leva ao Wako-Kungo e Huambo, passando por Katofe que era, à época, uma mui crescente vila agrícola que estava a ser erguida por camponeses madeirenses (Portugal) ali aportados em princípios da década de  60 do século XX. Katofe fica a aproximadamente 10Km de Kibala e está hoje em escombros que se tenta reerguer com muito custo. Quem decretou a vila de Kibala como cidade em 1974 podia ter a sua razão de ser. Se o país não tivesse mergulhado numa guerra destruidora, Kibala seria hoje uma média ou mesmo uma grande cidade, pois já contava com indústria nascente como a moageira CAIMA que transformava o milho em farinha, uma das principais culturas da região. Lembro-me ainda que havia uma unidade de empacotamento de arroz que era igualmente produzido na região, com destaque para a Fazenda América e outras de que hoje só restam os nomes.
A energia eléctrica era garantida pelas  mini-hidrica de Katofe (EN120) e a do Kariango (EN240) que tinham planos de ampliação. E, como os tempos são de mudança, indo ao encontro daquilo que já devia ter acontecido, o Pastor Vinte e Cinco, kibalista bastante respeitado na região e em Luanda, contou-me ainda que tomou conhecimento de um plano director para o desenvolvimento infra-estrutural da Kibala, de modo a resgatar o seu estatuto de cidade atribuído ainda pelas autoridades coloniais. Segundo o reverendo metodista, os ocupantes dos imóveis estropiados têm um tempo para os reabilitar ou o Estado os vai deitar a baixo para nos espaços serem erguidas outras infra-estruturas. Bem pensado! Auguro que da visão à acção não haja um grande defeso.
Virando para o lado em que nasce o sol, está a Estrada Nacional 240 na província do Kwanza-Sul. Embora o traçado fosse pré-independência, nunca a rodovia chegou a ser asfaltada, não passando de uma picada sofrível nos anos passados, com enormes buracos e lamaçal a que se juntaram dezenas de pontes danificadas por acção humana e do desgaste natural.
A guerra civil (1975-2002), que quase tudo dizimou, impossibilitou até as intervenções paliativas e, pior ainda, porque a zona esteve sempre sob domínio dos guerrilheiros rebeldes que mesmo se servindo de meios rodantes, nos últimos dez anos do conflito, nunca poupou as infraestruturas, para não falar da destruição de novas rodovias nas zonas onde era influente e até explorava recursos naturais estratégicos.

Terminado o flagelo, a reconstrução chegou a todo o lado e a antiga picada, elevada agora a EN 240, beneficia de serviços de alargamento da plataforma, construção de pontes e aquedutos, bem como a sua asfaltagem.
Mais de uma centena de quilómetros (Kibala-Kariago-Projecto Terra do Futuro e adiante) possuem já novas pontes dimensionadas ao novo padrão das Estradas Nacionais e asfalto de qualidade aceitável, restando cerca de metade da empreitada, até Mussende. Embora o trânsito automóvel no trajecto seja ainda de contar aos dedos de uma mão durante todo o dia, dado o facto de a estrada asfaltada ser ainda do desconhecimento de muita gente, aqueles que por lá transitam estão satisfeitos e "louvam a iniciativa" governamental que poupa tempo, esforço e muitas vidas.

Quando estiver terminada, a EN240 que se junta na vila da Kibala à EN120 (Alto-Fina-Huambo), vai ligar Kibala à vila do Mussende e, atravessando o rio Kwanza que já possui uma nova e enorme ponte, estender o trafego rodoviário até à província de Malanje e concomitantemente à zona Leste do país.
Já de regresso a Luanda, ainda entre terras do Libolo e de Kambambe, cortadas pelo caudaloso Kwanza que se estende do Citembu à foz, no Atlântico, estende-se um novo tabuleiro sobre o rio. A obra ainda é pouco conhecida, pois não tem merecido por parte da media a divulgação que se impõe, nesses dias em que se mostram os ganhos da independência e da paz efectiva.
Fortaleza de Kalulu
Quem circula pela EN 120, do Dondo a Kibala, pode encontrar a obra a menos de um quilómetro da actual (velha) ponte também conhecida como a do "Kyamafulu", local em que se faz a dragagem das areias na zona que serve de albufeira da alteada barragem hidro-eléctrica de Kambambe. Ama construtora brasileira realiza a empreitada que vai conferir melhor fluidez ao tráfego rodoviário sobre a ponte, uma vez que a actual não permite a passagem simultânea, em segurança, de dois veículos pesados.
Um olhar atento ao que se desenvolve na região leva a inferir que quando estiver completamente cheia a albufeira do AH-Kambambe, cuja barragem foi alteada em mais trinta metros, a água poderá beijar a base do tabuleiro da ponte do Kyamafulu ou, não tocando a parte transversal da estrutura, estar muito próxima dela. Terá sido isso o que pesou na decisão de se erguer uma nova passagem que entrará em cena dentro de algum tempo, podendo ou não a sua inauguração coincidir com o advento da renovação do ciclo político em 2017.

Obs: texto publicado pelo Semanário Angolense a 20 de 11.2015

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