(Nza Kutimbe na área)
Na chamada "barraca das unhas", para
as tias, e manicure, para as moças do bairro, homens e mulheres contavam cenas
para ver o tempo passar, enquanto aguardavam pela sua vez. Às sextas e sábados
é que Miquilina mais enchia a algibeira. Homens bem vestidos mas que bebem
"birra" na rua e comem pincho da pracinha também iam à sua
bancada limar e envernizar as unhas. As mamãs eram já fregueses de costume e
sábado era dia delas, levando para aquele recinto cenas várias sobre os mais
pictorescos episódios da cidade, algumas mesmo de arrancar cabelos ou comer as
unhas.
-
Woma de agora já não é a mesma do antigamente, quando tinha
"competências" para julgar, condenar os homens faltosos e
“porradá-los” competentemente até se mijarem nas calças. - Dizia uma mulher
convencida dos seus argumentos.
-
Sim, man´Ana. - Respondeu a companheira. - As mamãs da Woma de hoje já não
sabem “porradar” e parece que também tem Woma.
A
conversa entre as duas “quitandeiras” do Tunga Ngó ia longe. Estavam há já meia
hora na barraca das unhas como chamavam aquele salão improvisado com panos
amarrados sobre paus implantados no solo másculo do Rangel.
Desde
manhã que a conversa era sobre os dislates dos filhos, as vírgulas dos maridos
que deixavam grande parte do ordenado nos becos e nas roulottes e sobre as
vírgulas de umas senhoras que nas igrejas desafiavam a santidade das “santas de
argila”. As mulheres “fwefwenhavam” conversas sobre filhos e maridos ou homens
de ocasião, enquanto do lado masculino eram carros, viagens, mboas de esquina,
negócios chorudos de “kumbú, pinchos regados com birras e “pomadas suculentas”
que embelezavam as bocas em conversas de “só para entreter”.
-
Mana, isso de ir queixar, pequena coisa se queixa, pequena coisa se queixa, há
“arguém” que tiro lhe saiu pela culatra.- Atirou Miquilina que se manteve
ausente da conversa por largo tempo.
-
Como é ansim, Miqui?- A pergunta de Ana e Kina foi rajada curta.
-
Ontem mesmo me contaram quando fomos receber "ningócio" que uma
"cavalona" que era "a oficial" foi se queixar do marido que
a enchia de presentes e “kumbú”, mas que pouco ou nada aquecia a cama.
-
Mamã da woma, o gajo virou galo e, ainda por cima, mesmo para a migalha, é
preciso lhe implorar ou lhe pôr chicote por cima. Isso se faz? - Queixou-se.
-
Nada, mana. Isso é azar!- Responderam, quase a fazer um coro. E a conversa
continuou.
-
Ora a tia da woma pergunta, ora ela lhe "arresponde". – Miquilina faz
um discurso indirecto livre como se fosse a protagonista da queixa à woma. E
prossegue:
-
Mas conta, Camarada. - Mamã da woma estava curiosa. - Ele falta com a
assistência material?
-
Dinheiro ele dá. Carro, quando estraga, manda arranjar.
-
Escola para os filhos paga? - Indagou, já com alguma inveja camuflada, a instrutora
processual.
-
Sim. Até cursos para mim ele me dá. É só mesmo na "hora do vamos ver"
que ou não vem ou o galo não canta. A inspectora da woma ainda perguntou: - Mas
só isso mesmo?
-
Sim, camarada woma. É só mesmo isso que não é pouco. Pessoa fica já com aas
vontade e ele não vem pagar dízimo? Estou farta. Se ele não mudar, deixa de ir
“na” minha casa ou vou "sengar" nos môs pais. - Ok, mamã. Vamos já
tratar disso. Dá-me telefone dele e vamos chama-lo para tratar do assunto.
-
Ai mesmo foi já engano da tia cavalona. Não fica mbora só no teu canto, não!
Foi entregar o "oro" à bandida. Não é que a instrutora do caso ficou
com o "coiso da outra", no mês e meio mais tarde?
Algumas
titias da woma não têm mesmo woma! - Rematou a narradora, buscando assobios das
companheiras que entornaram umas birras e “kisângwa” para sessegar o calor de
um meio-dia abrileno.
Puna
e Spina que se lambuzavam com uns pinchos de porco se mantiveram calados
perante aquela cena da porrada e das queixas à woma que também estava cheia de
woma, no dizer das próprias queixosas. Aguardavam pelo amigo Nza Kutimbe que
estava a terminar uns “pentes” para o fim-de-semana com os kambas na “maratona”.
- Cheguei!- Era a voz dele. Não se passaram sequer dez minutos.
Nza
fez-se anunciar pomposamente, depois de estacionar o carro, “zero quilómetro”,
conseguido numas negociatas com estrangeiros com residência ilegal.
- Nza Kutimbe na área. Agora é que a coisa vai aquecer.- Disseram os
convivas, mulheres da barraca incluídas.
- Sim, avilos. Trago cenas quentes. Na verdade não sei se a quem pertenceu
a iniciativa. Se a mim ou a ela. O homem das Lundas começou a contar. - Desci
do avião e cheguei à “gwimbi”.
- Sim, conta rápido que já não me sobram unhas de tanta curiosidade. Daqui
a nada como também os dedos, disse Puna.
- Yá, - continuou Nza Kutimbe - porta do aeroporto escancarada. Fome,
saudade e vontade, tudo à mistura. “Munzúbia” lá de casa e os “kanukus” a me
esperar saudosos. Vontade era lhes dizer também "cheguei" mas não o fiz.
Não pude. Nem tempo tive para sorver ar que chegasse para uma boa exclamação.
- Como assim? - Entreolharam-se os amigos cada vez mais expectantes.
Yá, - continuou - mal recebi a chave do “boter”, das mãos do colega de
serviço, uma “belezura” vinha em minha direcção com os seios todos
trepidantes e à mostra. Aquilo faria apanhar convulsão a quem já sofresse de
hipertensão.
- Mas papaste ou foste papado. Estou já a ver as letras na tua cara a
denunciarem que caíste numa armadilha. É ou não é? – Interrogou Spina
revezando-se nos questionamentos com Puna.
Nza, apesar do “fogo amigo”, mantinha-se sereno e ia desembrulhando a
conversa aos bocados. Parecia ter preguiça na articulação das palavras, ao
mesmo tempo que enchia os amigos, já nada pacientes, de mais curiosidade quanto
ao desfecho da trama.
- Yá, - prosseguiu - como se me conhecesse há já longa data, a moça deu-me
dois beijos, seguidos de um apertado abraço, e disparou apressada no seu
pretuguês que denunciava mais pinturas do que carteira.
- Moço, também cheguei agora mesmo de viaji. Minhas coisas estão aí. Vucê
me podes dar só uma boleia até à casa das mizamigas?
Fiquei a gaguejar. Palavras todas se escapuliram.
- Sem mais nem menos, é já assim? – Questionaram os amigos.
- Notem que fiz a mesma pergunta embora não a tivesse dado voz.
- E se a "mamã grande" viesse me apanhar como é que isso ia
ficar? – Spina a pôr lenha na fervura e a panela de Nza a não querer ferver.
- Avilo, ias pagar pagar pelo peixe que até o gato nunca comeu?!- Ironizou
Puna.
- Yá. A “kindoza”, sem que me desse tempo para reclamar, pegou-me pela mão,
quase me arrastando pelo parque de veículos. E lá estava ela com a
“kimbundaria” toda bamboleante, ora tudo à direita ora à esquerda, ora cada
montículo gemendo no seu lugar como coração que bombeia em alta rotação.
Olhando para as calças de malha fina e leve que mal guardavam aqueles volumosos
e movediços tubérculos, ficava-se com a impressão de que dentro delas não havia
nenhuma guarnição. Nem só já um fio dental para dividir as montanhas e guardar
a barragem! - Pensei, mas balbuciei outras coisas.
- Mas papaste ou te papou a massa? – Os amigos cada vez mais afoitos.
- Calmem, vou já chegar ao fim. Ai eu perguntei: você não ligou antes de
partir, anunciando a hora de chegada?
- Fiquei sem sardo, moço. Mi leva só, mor da minha vida.
- Sukwama! – Exclamei - Isso agora é que está à “nduta”! Para a minha
infelicidade, mesmo com a má-língua ela não percebeu ou fez-se de distraída.
Não é que um velhote atento, cachimbo na boca, dizamba na dibala, olhou-nos de
soslaio e me abriu o olho?
- Te disse o quê? Que era piteu dele?
- O dikota me falou num quimbundo rebuscado que me ficou gravado no ouvido
e no cérebro. - Nza retirou do bolso o papel em que escrevera tal expressão e
leu para os amigos: mon'ami, ima ya mundu. Ku itexile kitadi kye. Madimá meniyâ
nyi idingo yenyi yand'o bolé!
Spina que é ovimbundu ainda tentou pôr perguntas para entender o que quis alerta
o mais velho com aquela expressão, carregada de simbolismos. Na parte baixa do
papel, como nota de rodapé, Nza Kutimbe tinha grafado a tradução para português
que equivale a:
- São coisas do
mundo, não desperdices o teu dinheiro. Esses limões e essas mandiocas - alusão
aos seios e à “kimbundaria” -, não tarda, hão-de “apodrecer" - ficam
caídos que nem chinelos esquecidos no óbito!
Estalaram copos
e garrafas. Assobios também. O sol marcava já os últimos passos. Sol
pachorrento que já não queimava sardinha. As mulheres arrumaram as “imbambas” e
eles, os homens, meteram-se à estrada para protagonizar outras cenas que
trariam no encontro de sábado seguinte.
Obs: Texto publicado no Semanário Angolense de 20 de Dez 2014.
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