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terça-feira, novembro 25, 2014

WOMA DA OMA E A CHEGADA DO GABIRÚ


(Nza Kutimbe na área)
 
Na chamada "barraca das unhas", para as tias, e manicure, para as moças do bairro, homens e mulheres contavam cenas para ver o tempo passar, enquanto aguardavam pela sua vez. Às sextas e sábados é que Miquilina mais enchia a algibeira. Homens bem vestidos mas que bebem "birra" na rua e comem pincho da pracinha também iam à sua bancada limar e envernizar as unhas. As mamãs eram já fregueses de costume e sábado era dia delas, levando para aquele recinto cenas várias sobre os mais pictorescos episódios da cidade, algumas mesmo de arrancar cabelos ou comer as unhas.

- Woma de agora já não é a mesma do antigamente, quando tinha "competências" para julgar, condenar os homens faltosos e “porradá-los” competentemente até se mijarem nas calças. - Dizia uma mulher convencida dos seus argumentos.

- Sim, man´Ana. - Respondeu a companheira. - As mamãs da Woma de hoje já não sabem “porradar” e parece que também tem Woma.

A conversa entre as duas “quitandeiras” do Tunga Ngó ia longe. Estavam há já meia hora na barraca das unhas como chamavam aquele salão improvisado com panos amarrados sobre paus implantados no solo másculo do Rangel.

Desde manhã que a conversa era sobre os dislates dos filhos, as vírgulas dos maridos que deixavam grande parte do ordenado nos becos e nas roulottes e sobre as vírgulas de umas senhoras que nas igrejas desafiavam a santidade das “santas de argila”. As mulheres “fwefwenhavam” conversas sobre filhos e maridos ou homens de ocasião, enquanto do lado masculino eram carros, viagens, mboas de esquina, negócios chorudos de “kumbú, pinchos regados com birras e “pomadas suculentas” que embelezavam as bocas em conversas de “só para entreter”.

- Mana, isso de ir queixar, pequena coisa se queixa, pequena coisa se queixa, há “arguém” que tiro lhe saiu pela culatra.- Atirou Miquilina que se manteve ausente da conversa por largo tempo.

- Como é ansim, Miqui?- A pergunta de Ana e Kina foi rajada curta.

- Ontem mesmo me contaram quando fomos receber "ningócio" que uma "cavalona" que era "a oficial" foi se queixar do marido que a enchia de presentes e “kumbú”, mas que pouco ou nada aquecia a cama.

- Mamã da woma, o gajo virou galo e, ainda por cima, mesmo para a migalha, é preciso lhe implorar ou lhe pôr chicote por cima. Isso se faz? - Queixou-se.

- Nada, mana. Isso é azar!- Responderam, quase a fazer um coro. E a conversa continuou.

- Ora a tia da woma pergunta, ora ela lhe "arresponde". – Miquilina faz um discurso indirecto livre como se fosse a protagonista da queixa à woma. E prossegue:

- Mas conta, Camarada. - Mamã da woma estava curiosa. - Ele falta com a assistência material?

- Dinheiro ele dá. Carro, quando estraga, manda arranjar.

- Escola para os filhos paga? - Indagou, já com alguma inveja camuflada, a instrutora processual.

- Sim. Até cursos para mim ele me dá. É só mesmo na "hora do vamos ver" que ou não vem ou o galo não canta. A inspectora da woma ainda perguntou: - Mas só isso mesmo?

- Sim, camarada woma. É só mesmo isso que não é pouco. Pessoa fica já com aas vontade e ele não vem pagar dízimo? Estou farta. Se ele não mudar, deixa de ir “na” minha casa ou vou "sengar" nos môs pais. - Ok, mamã. Vamos já tratar disso. Dá-me telefone dele e vamos chama-lo para tratar do assunto.

- Ai mesmo foi já engano da tia cavalona. Não fica mbora só no teu canto, não! Foi entregar o "oro" à bandida. Não é que a instrutora do caso ficou com o "coiso da outra", no mês e meio mais tarde?

Algumas titias da woma não têm mesmo woma! - Rematou a narradora, buscando assobios das companheiras que entornaram umas birras e “kisângwa” para sessegar o calor de um meio-dia abrileno.

Puna e Spina que se lambuzavam com uns pinchos de porco se mantiveram calados perante aquela cena da porrada e das queixas à woma que também estava cheia de woma, no dizer das próprias queixosas. Aguardavam pelo amigo Nza Kutimbe que estava a terminar uns “pentes” para o fim-de-semana com os kambas na “maratona”.

- Cheguei!- Era a voz dele. Não se passaram sequer dez minutos.

Nza fez-se anunciar pomposamente, depois de estacionar o carro, “zero quilómetro”, conseguido numas negociatas com estrangeiros com residência ilegal.

 

- Nza Kutimbe na área. Agora é que a coisa vai aquecer.- Disseram os convivas, mulheres da barraca incluídas.

- Sim, avilos. Trago cenas quentes. Na verdade não sei se a quem pertenceu a iniciativa. Se a mim ou a ela. O homem das Lundas começou a contar. - Desci do avião e cheguei à “gwimbi”.

- Sim, conta rápido que já não me sobram unhas de tanta curiosidade. Daqui a nada como também os dedos, disse Puna.

- Yá, - continuou Nza Kutimbe - porta do aeroporto escancarada. Fome, saudade e vontade, tudo à mistura. “Munzúbia” lá de casa e os “kanukus” a me esperar saudosos. Vontade era lhes dizer também "cheguei" mas não o fiz. Não pude. Nem tempo tive para sorver ar que chegasse para uma boa exclamação.

- Como assim? - Entreolharam-se os amigos cada vez mais expectantes.

Yá, - continuou - mal recebi a chave do “boter”, das mãos do colega de serviço, uma “belezura” vinha em minha direcção com os seios todos trepidantes e à mostra. Aquilo faria apanhar convulsão a quem já sofresse de hipertensão.

- Mas papaste ou foste papado. Estou já a ver as letras na tua cara a denunciarem que caíste numa armadilha. É ou não é? – Interrogou Spina revezando-se nos questionamentos com Puna.

Nza, apesar do “fogo amigo”, mantinha-se sereno e ia desembrulhando a conversa aos bocados. Parecia ter preguiça na articulação das palavras, ao mesmo tempo que enchia os amigos, já nada pacientes, de mais curiosidade quanto ao desfecho da trama.

- Yá, - prosseguiu - como se me conhecesse há já longa data, a moça deu-me dois beijos, seguidos de um apertado abraço, e disparou apressada no seu pretuguês que denunciava mais pinturas do que carteira.

- Moço, também cheguei agora mesmo de viaji. Minhas coisas estão aí. Vucê me podes dar só uma boleia até à casa das mizamigas?

Fiquei a gaguejar. Palavras todas se escapuliram.

- Sem mais nem menos, é já assim? – Questionaram os amigos.

- Notem que fiz a mesma pergunta embora não a tivesse dado voz.

- E se a "mamã grande" viesse me apanhar como é que isso ia ficar? – Spina a pôr lenha na fervura e a panela de Nza a não querer ferver.

- Avilo, ias pagar pagar pelo peixe que até o gato nunca comeu?!- Ironizou Puna.

- Yá. A “kindoza”, sem que me desse tempo para reclamar, pegou-me pela mão, quase me arrastando pelo parque de veículos. E lá estava ela com a “kimbundaria” toda bamboleante, ora tudo à direita ora à esquerda, ora cada montículo gemendo no seu lugar como coração que bombeia em alta rotação. Olhando para as calças de malha fina e leve que mal guardavam aqueles volumosos e movediços tubérculos, ficava-se com a impressão de que dentro delas não havia nenhuma guarnição. Nem só já um fio dental para dividir as montanhas e guardar a barragem! - Pensei, mas balbuciei outras coisas.

- Mas papaste ou te papou a massa? – Os amigos cada vez mais afoitos.

- Calmem, vou já chegar ao fim. Ai eu perguntei: você não ligou antes de partir, anunciando a hora de chegada?

- Fiquei sem sardo, moço. Mi leva só, mor da minha vida.

- Sukwama! – Exclamei - Isso agora é que está à “nduta”! Para a minha infelicidade, mesmo com a má-língua ela não percebeu ou fez-se de distraída. Não é que um velhote atento, cachimbo na boca, dizamba na dibala, olhou-nos de soslaio e me abriu o olho?

- Te disse o quê? Que era piteu dele?

- O dikota me falou num quimbundo rebuscado que me ficou gravado no ouvido e no cérebro. - Nza retirou do bolso o papel em que escrevera tal expressão e leu para os amigos: mon'ami, ima ya mundu. Ku itexile kitadi kye. Madimá meniyâ nyi idingo yenyi yand'o bolé!

Spina que é ovimbundu ainda tentou pôr perguntas para entender o que quis alerta o mais velho com aquela expressão, carregada de simbolismos. Na parte baixa do papel, como nota de rodapé, Nza Kutimbe tinha grafado a tradução para português que equivale a:

- São coisas do mundo, não desperdices o teu dinheiro. Esses limões e essas mandiocas - alusão aos seios e à “kimbundaria” -, não tarda, hão-de “apodrecer" - ficam caídos que nem chinelos esquecidos no óbito!

Estalaram copos e garrafas. Assobios também. O sol marcava já os últimos passos. Sol pachorrento que já não queimava sardinha. As mulheres arrumaram as “imbambas” e eles, os homens, meteram-se à estrada para protagonizar outras cenas que trariam no  encontro de sábado seguinte.


Obs: Texto publicado no Semanário Angolense de 20 de Dez 2014.

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