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Luciano
Canhanga: Amigo
Victorino
Tchikunda, nas falas dos meus personagens já há manifestação de
"uma língua" distinta do Português "original". Como monitor
dessa cadeira sou suspeita em ditar caminhos, mas vou apelando à reflexão.
Aliás, é esse o propósito da Academia: levar o estudantes a pensar e agir.
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Alberto Baião
Bebeckson: Se todo povo tem a sua filosofia, o angolano é um povo.
Por que não ter também o seu idioma. Mestre Luciano Canhanga, basta olhar-mos
para as colónias britânicas e francesas em Áfrika em termos de expressões,
difere muito dos seus colonizadores! E o povo angolano é aquele que sempre
procurou exprimir a sua linguagem na forma mais aberta de se compreender, isto
engendra até o próprio sotaque e a influência das línguas regionais. O Angolês
pode ser uma nova viragem na montanha lusófona!
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KBgala Gala:
Ontem apanhei uma torra de katrungungu. Hoje estou bem malaique.
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Alberto Baião
Bebeckson: Isto também, merece um olhar sumo do ponto de vista
social até mesmo literário. Também há que se indagar muito sobre as gramáticas
e os dicionários de Língua- Portuguesa totalmente angolano! Ora vejamos a mesma
língua também está concebida de muitos vocábulos angolanos que durante a época
colonial a enriqueceram para melhor facilitar a comunicação com o povo local...
Tudo temos para reflectirmos perante este debate tão alto que ajudará muito na
organização sócio-cultural e político em Angola.
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Isaías João:
Pra frente que eu sei que não vais desconseguir.
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Luciano
Canhanga: Kota KBgala Gala, no caso
"Ontem apanhei uma torra de katrungungu. Hoje estou malaique"
é um desvio ou importação de vocábulos Kimbundu para o léxico português?
Quando chegar o "Angolense", com nome, baptismo e
cédula (norma) terão os estudiosos de definir como se deverão escrever as
palavras (léxico próprio). Pois, pelo contrário, cada vai redigir de sua forma.
Veja as variações caso se escreva a pronúncia sem regra ortográfica: catrungungo/katrungungu;
malaike/malayke/malaique).
Que venha o "Angolês", mas com instrumentos
próprios de regulação/modelação para que não surja depois "Vianês,
Sambilês, Rangelês, Kazengwês" e outros "eses" linguísticos. Quanto
aos níveis de fala ou utilização oral da língua os autores que tenho consultado
não convergem. Eu aponto tês níveis sendo um abaixo da norma, a norma e outro
acima da norma ou mais rebuscado (uso vulgar ou popular da língua sem
recurso/apego à norma; uso da língua normativa ou falar como se escreveria; uso
rebuscado e erudito da língua).
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Armando Graça:
Não haja dúvidas! Este Facebook é fenomenal para debates sérios como este.
Claro que há por aí muito lixo, mas a esse, a gente não liga e não dá troco!
Parabéns,
Luciano
Canhanga!
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KBgala Gala:
Luciano
Canhanga bem colocada a questão. ..o vocabulário é o inventário das
palavras e o dicionário o dos seus sifnificados.a norma e os níveis de
linguagem já os enumeraste com propriedade. p.e. (por exemplo)
"kupapata", em todos níveis será assim dito por nós angolanos. Quem
dirá que “estive em Benguela e andei de taxi de motorizada”?
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Carlos
Figueiredo: Amigo
Luciano Canhanga, discordo radicalmente quando diz que os
desvios e empréstimos levarão ao aparecimento do Angolense. De facto, ele já
existe e só os conservadores que continuam presos à norma europeia é que não
querem admitir isso. A confirmação científica do uso de determinado desvio (a
variação) que se fixa definitivamente na língua (a mudança) só pode ser
constatado com recurso a estudos que incidem sobre dados de fala. A disciplina
que faz estes estudos é a sociolinguística quantitativa, que, com recurso a
métodos apropriados, analisa o comportamento diacrónico dos dados de fala e
observa como os fenómenos se encaixam na gramática inata do falante e da
sociedade em que ele está inserido. Este é o único método que nos permite
garantir, sem margem para dúvidas, que um determinado fenómeno deixou de ser
pontual para passar a ser sistemático. Para tanto, é também preciso observar
como factores linguísticos e sociais exercem pressão sobre o fenómeno, levando
a que ele se implante na comunidade. Tanto quanto sei, apenas existe um
trabalho com base nesses métodos sobre o português de Angola: é o extenso
artigo que produzi no ano passado, em parceria com a colega Márcia Oliveira, da
Universidade de São Paulo, sobre o sistema dos pronomes pessoais do português
de Angola, e que já tive o privilégio de enviar ao meu amigo. Observe como foi
feito diacronicamente esse estudo sobre o uso dos pronomes no português de
Angola. G. Bender, Amélia Mingas e outros colegas, apenas têm apontado alguns
fenómenos que apresentam variação, sem produzirem prova científica de que eles
já fazem parte da gramática inata dos angolanos, pois não trabalham com
sociolinguística quantitativa. Neste momento, tenho mais 3 artigos inéditos no
prelo sobre o português de Angola, individualmente ou em parceria com os
colegas que fazem parte da minha equipa de pesquisas do "Projeto
Libolo". No início de Agosto estaremos num Congresso em Aruba, Caraíbas,
apresentando o projecto e mais 3 artigos inéditos. Seguem-se depois Congressos
em Brasília, ainda no mês de Agosto, Bahia, em Novembro, e Macau, em Dezembro,
sempre com trabalhos sobre o "Projeto Libolo"/Português de Angola. Um
abraço.
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Luciano
Canhanga:
Carlos Figueiredo, aprecio suas aparições e seus estudos
socio-linguísticos que muito gostaria de ler na totalidade. Ir à Universidade
angolana, dizer que já temos uma nova língua (ainda não pautada/normatizada) é
um pouco arriscado. O melhor caminho é ir alertando (gradualismo). Quando
tivermos estudos suficientes e um quórum que permita a apresentação do
paradigma, ai sim. Mas devo confessar-vos que estou a viver bons momentos de
debate com estudantes. Ontem, tive apenas aulas até às 20h mas permaneci nas
instalações pois um grupo que vai debater hoje convidou-me para presenciar a
sua preparação. E lá fiquei mais uma hora e meia. Noto que os estudantes estão
a gostar, pois ensinar língua deve ir para além do já "corriqueiro"
sujeito-predicado-complemento.
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revistas.fflch.usp.br
Português do Libolo, Angola, e português afro-indígena de
Jurussaca, Brasil: cot...ejando os sistemas de pronominalização // The
Portuguese spoken in Libolo, Angola, and the Portuguese spoken in Jurussaca
community, Brazil: comparing the pronominalization...
Ver mais
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KBgala Gala:
Destrinçar entre a valorização e aceitação de uma nova língua ou que já é
resultado das contribuições de palavras e expressões de que nos apropriamos e
incorporamos ao léxico corrente e até são aceites em textos de várias
latitudes: literatura, ciência, história... isso não pode significar escrever
mal... sem estrutura normativa e regras. Nós não falamos angolense, (porém) nem
temos uma escrita angolese... (por isso) continuamos a falar e escrever
português que, entretanto, sempre recebeu e continua a receber das várias línguas
angolanas alguns contributos. E não nos precipitemos a proclamar o nascimento
de uma nova língua. O que se passa é na literatura (onde são) são admissíveis a
criatividade e a invenção ou incorporação de vocabulários que resultam da
linguagem popular, mas já não se poderia dar o caso no direito.
Na verdade, tal como dizemos que há 1 Português
do Brasil, também temos um português de Angola, com normas do português de
Portugal.
Todas as línguas, o sânscrito, latim, as línguas indo
europeias foram dinamizadas pela linguagem popular. Assim, na Península Ibérica,
do romano ou latim rudimentar deu lugar a línguas como o português, que como
lembrava o meu mestre. E,(assinale-se) não é uma língua romântica.É uma língua
românica.
Um dia quando o
volume de palavras de cunho popular for de tal forma usadas em grande escala
seremos obrigados a sentar numa grande conferência linguista para normatizar a
nossas falas ou a corrente que defende a pureza normativa prevalecerá. E ai
entram os bastidores da política.
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Luciano
Canhanga: KBgala, concordo com seus comentários e faço delas minhas
palavras.
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Carlos
Figueiredo: O volume das palavras não é problema para a linguística,
amigo KBgla Gala, já que a incorporação de novas palavras é absolutamente
normal em todas as línguas, por condicionantes várias. A morfossintaxe e a
fonologia é que são o cerne da questão. O que é mais correcto dizer: "Eu
dei-lhe um livro" ou "Eu lhe dei um livro"? Para os europeus, a
segunda forma é um desvio. No tempo colonial, essas construções eram
pejorativamente apelidadas de "pretoguês". Mas preste atenção na
forma mais generalizada em Angola. Veja a colocação do pronome pessoal. Isso
impede a função primeira da língua, isto é, comunicar, passar a mensagem? A
segunda frase é incompreensível? Não sei se o meu amigo fala kimbundu ou
umbundu. Mas se fala, pense agora na língua africana e veja como é a colocação
do mesmo pronome nessa língua. Isso é desvio? Claro que não. Mas é identidade!
O que é que os angolanos querem no futuro? Seguirem fielmente a norma europeia,
porque durante centenas de anos os portugueses lhes incutiram a ideia de que as
línguas africanas eram sinónimo de desprestígio social? Ou marcarem a sua
identidade milenar na língua oficial que falam, sem subverter a sua função? Os
brasileiros já deram o passo em frente, vincando a sua identidade na língua,
pois ganharam consciência que é essa que reflecte os verdadeiros usos de fala
de milhões de pessoas. Identidade essa que, afinal, reflecte também a sua
africanidade, que tarda a ser reconhecida pelos próprios africanos. Um mestiço
pode renegar o seu sangue africano? E pode renegar o seu sangue europeu? As
palavras da frases que apontei são o sangue europeu. A estrutura gramatical da
segunda frase é o sangue africano. Qual é o problema de assumir isso? Como se
diz em Portugal: Os parentes vão cair na lama por isso? Muito pelo contrário,
amigo Kbgala Gala: essa é a heranças dos nossos antepassados africanos, que foi
maltratada, vilependiada e subvertida durante séculos. Essa é a homenagem que
todos nós lhes devemos.
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Horácio
Cambole: Fala quem sabe. Grande remate final. Gostei do didactismo.
Afinal a língua portuguesa também é nossa. Conquistamo-la com a independência.
Agora pergunto o que falta para que Angola e Moçambique adiram ao novo acordo
ortográfico? É o lado politico a que te referes, grande kbgagala. É que, as
tantas, não me dou conta se estou a escrever bem o Português e penso que tenho
de começar tudo de novo para reaprender. Ou seja tenho que ir novamente
frequentar o ensino primário?!
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Carlos
Figueiredo: A ortografia é simplesmente a tentativa de tentar
transpor para o papel a forma como se pronunciam as palavras.
Há dias, o nosso amigo
Luciano
Canhanga perguntava, e muito bem, como se deviam grafar certas
palavras do kimbundu. Essa é a questão, amigo Horácio Cambole. Devemos
simplesmente grafar Pungo Andongo, por adaptação fonética ao português europeu
por este não possuir certos sons do kimbundu e a antiga administração colonial
portuguesa assim o ter determinado, ou devemos respeitar a verdadeira
identidade da língua nativa, grafando Pungu a Ndongo?
Devemos renegar a existência do antigo reino do Ndongo, do
qual as pedras em questão eram parte integrante? As coisas não são tão lineares
como às vezes parecem, pois perda de identidade significa aculturação ou, pior
ainda, desaculturação.
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Horácio
Cambole: Claro português
falado em Angola. Com identidade própria. É nosso (angolano). O João lhe
bateram na mãe dele.
Em kimbundo: Zwa a m'beta kwa ma'nha. (Nzwa a mubeta kwa ma’nha). Em Português
de Portugal: O João foi batido pela mãe.
Na primeira frase há sim interferência da minha língua materna o kimbundu. As línguas
nacionais interferem sim na fonologia da língua portuguesa em Angola e porque não?
As diferenças fonológicas também existem em Portugal. Os do norte tem pronunciam
diferente dos do sul. Vinho é binho. Os erres e os ierres, enfim. Creio ser
fundamental criarmos primeiro uma identidade linguística tendo o nosso calão, a
gíria as línguas nacionais e só depois o acordo.
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KBgala Gala:
Amigos Carlos Figueiredo e Horácio Cambole, Os amigos acrescentaram ao sumário
do debate muitos outros tópicos. Todos eles chaves da mesma questão. A questão
da fonética é levantada frequentes vezes pela Dra. (Amélia) Mingas. O aspecto
antropológico aqui colocado pela CF. Não respeitá-la ou mesmo denegri-la
resultará na inquinação da nossa africanidade. Subscrevo, portando. No vou
tanto pela grafia normativa mas acreditou que as duas fórmulas não conflituam.
No Brasil raramente os textos não adoptam a norma corrente em oposição às (grafia)
consciente de académicos e escritores. Os portugueses puritanos querem a pureza
“camoniana” e os puritanos brasileiros querem a pureza da (sua) grafia. (Quanto
ao AOLP) Angola pediu uma moratória. Entretanto em Portugal e no Brasil o
acordo foi abalado nas suas estruturas de barro e isto fortaleceu a convicção
dos oposicionistas. Mais não posso adiantar, amigos, porque tive domínio da
matéria na qualidade de membro representante da CS dentro do mecanismo angolano
que estudou o acordo. Mas,
Luciano Canhanga e
Gociante
Patissa, só por mera distracção nossa não criamos ainda aqui no FB o
Clube das Línguas Nacionais, Circuito Fechado. Neste momento estou a aprender
lingala a partir da música de Franklin Boukaka. É que este formato aqui é muito
apertado para esgrimir argumentos.
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KBgala Gala:
Perdão. Não raramente escritores e académicos desprezam a norma autêntica para
adoptar a norma coloquial: "lhe disseram tunda",
"disseram-lhe...vá-se embora."
Meus amigos, até as implicações biológicas dos falantes
devem ser observadas. A cadência fonética brasileira e angolana já é diferente
da portuguesa..."ta bala!"..."ta bom!"..."muito
bem!"...essa nossa urgência decorre de uma realidade sociológica, que
produziu falantes que situados as margens da norma objectiva da gramática
portuguesa, por exclusão social e económica, vão criando um vocabulário próprio
para expressar as suas vivências.
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Horácio
Cambole: Amigo Carlos, Angola não o corre o risco de ficar
ultrapassada (quanto ao AOLP)? Angola e os nossos irmãos do Índico africano
(Moçambique) por não subscreverem o acordo. É
que
Portugal avançou e pronto. É só ver as
obras que estão produzidas ao abrigo do acordo… dicionários, gramáticas. A própria
RTP e as lições do Bom Português, (baseadas) no novo acordo. Nós corremos o
risco de sermos ultrapassados. Os nossos putos (filhos), nas nossas escolas,
estão a aprender com a nova gramática ou não? É que, reparem Carlos e KBgala, há
aqui uma disparidade pela não assumpção do acordo. Para os dois gigantes, Portugal
e Brasil, a língua é dinâmica… Que se lixem os pretos e que estes venham a
reboque.
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Luciano
Canhanga: Temos tantas razões para assumirmos uma variante angolana
da LP que incorpore, de facto, a génese do discurso africano/angolano com as
incrustações das línguas africanas bantu e não bantu. Temos também razões para
pensar num alinhamento com a norma internacional(?) da LP e abordarmos a
questão do alinhamento ou desalinhamento com o AOLP. Se calhar, alguém pense
que fiquei esvaziado nos meus argumentos. Não. Todos os argumentos aqui
apresentados têm a sua validade. Li (parcialmente ainda) o estudo do Dr. Carlos
Figueiredo (Figueredo no meu kimbundu do Libolo) e o mesmo é bastante realista
quanto as construções frásicas e uso dos pronomes primeiros, etc.
Quo vadis LP em Angola? Vamos a tempo de escolarizar todos
os angolanos ao ponto de falarem o Português "camoniano" como lhe
chamou KBGala? Teremos cada vez mais angolanos (escolarizados ou não) a falarem
a LP com laivos de africanimo?
Vão existir os que tenderão para o "Português
Europeu" e tantos outros (maioria, se calhar) a marcarem a sua identidade
milenar na língua oficial que falam, imposta pelo antigo colonizador.
Por outro lado, vejo, hoje mais
do que antes a preocupação dos escritores angolanos levarem de forma explícita
para o discurso escrito essa identidade (antes representada apenas nas falas
dos personagens) de modo a marcar um ponto de ruptura (?) ou anunciação de uma
nova realidade tangível e inexpurgável. Há hoje a preocupação de alguns
escritores em não só escreverem as pronúncias (redacção difusa), mas atentos à
grafia correcta, de acordo aos idiomas bantu e à semântica que encerra. Basta
ver por exemplo que Kanjala e Canjala dizem coisas diferentes (fome pequena no
primeiro caso e relativo à fome, faminto no segundo caso). Lopito ou Upito é
uma coisa (passagem/porta) e Lubito não existirá no vocabulário ovimbundu.
Chamo o
Gociante
Patissa ao debate.
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Gociante
Patissa: Mano Canhanga, seria "Upito", creio. Lupito é o
que mais se divulga. Confrade
KBgala Gala, precisaríamos de um distribuidor de jogadas,
alguém que coordenasse os contributos e gerisse o espaço a criar no FB sobre
línguas nacionais.
Lauriano
Tchoia: Aula grande e parabéns por termos pessoas
"assuntosas" como
Luciano Canhanga. Tornar possível a existência actual de uma
língua angolana, remete-me a reflexão e análise das diversas formas da
expressão da língua inglesa onde as influências das diversas línguas interferem
e distorcem a essência.
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KBgala Gala: Espero, meus
amigos e em especial ao meu mano
Luciano
Canhanga, que o conteúdo desta conversa na vá para o lixo. Que se
faça um arquivo. Abraço a todos.