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sábado, dezembro 03, 2022

PRONUNCIANDO CELA

 "Sela ou Tchela"?

- Ku Sela ngeti kutunda yo ngeti kuya Kwosonge¹!

Como libolense, ainda kandenge, sempre ouvi os mais velhos a referirem-se à Sela ou Santa Comba (Dão)². Em Kimbundu ou variante desta língua bantu qur se fala na região entre os rios Nyiha e Kuvu ou Keve³ a pronúncia é mesmo "Sela" e não "Tchela" que, no caso, exigiria a inicial "C", dada a correspondência fonética do alfabeto Kimbundu⁴.
Conheci a cidade do Waku Kungu em finais de 1998, como jornalista principiante, fazendo parte de uma comitiva do então Primeiro-ministro Dr. França Van-Dúnem que fora visitar o projecto Aldeia Nova. Passei a cruzar o território de forma mais contínua em 2007 e, sempre que passo ou paro, empresto o ouvido aos falares de gente local que continua a pronunciar "Sela".
Bem, desta vez, adentrei sem pressa e percorri a capital da Sela. Cidade construída sobre o sopé da montanha húmida expansiva e fecunda, com várias edificações "vivas e mortas", como a Estalagem do Monte que reclama por um reconstrutor ou pela intervenção supra-humano que desimpeça um "ocupador" de a ter sem a reerguer.
Apesar dos estragos da guerra impiedosa e do descaso, a cidade era/é, deveras, grande, bem traçada e com área expansiva. Pena foi ter caído, como tantas outras do interior e litoral, em mãos de aldeões que não a valoriza(ra)m, deixando-a soçobrar, sem manutenção condigna das habitações, redes técnicas e serviços públicos.
A meu ver, mesmo sendo cidade associada à agroindústria, Waku Kungu é urbanidade para a classe média e onde a burguesia emergente deve/via continuar a construir ou possuir e reparar habitação para repouso sabatino. Daí que não seria heresia sugerir que a administração convidasse os "proprietários" por uso campeão das habitações uni e plurifamiliares a fazem obras de restauro, corrigindo deformações advindas do desgaste temporal e outras invencionices dos homens alheios à ordem, coesão e estética citadinas.
No Waku Kungu, capital da Sela, tomei ainda nota de antigas instalações reconvertidas para outros fins, como é o caso da antiga delegação da TAAG, da antiga escola de enfermagem, do antigo "lar" de estudantes e do acolhimento de bolseiros.
Tendo sido, estas instalações (do tempo da RPA⁵), tomadas por pessoas no Governo ou próximas, apregoa a voz acusadora e, às vezes carregadas de inveja, que sejam "aproveitadores ou oportunistas".
Perguntei e falei comigo mesmo:
- Para que valeria ter "sede" ou loja da TAAG (herdeira da DTA), tendo ela deixado de voar ao Waku Kungu há mais de trinta anos? O que seria das instalações?
- Para que adiantaria ter as instalações da Escola de Enfermagem que a tutela ministerial descontinuou?
- Para que adiantaria ter instalações da Emprotel-UE, empresa extinta?
Algumas instituições/instalações devem mudar de objecto social, passando pela recuperação física, ao passo que, havendo necessidade de se recuperarem alguns serviços como um Lar para Estudantes de aldeias distantes como Sanga e Tongo (apenas exemplo), instalações ociosas e ou totalmente inutilizadas/destruídas devem merecer a atenção das autoridades para a sua restauração e reutilização.
Waku Kungu merece o estatuto de cidade e tal não deve ser apenas de "papel". Deve ser cidade, de facto, com todas as valências que façam inveja à terra do ditador Salazar, Santa Comba Dão!
Numa nota histórica publicada no portal Património de Influência Portuguesa (HPIP), da Fundação Calouste Gulbenkian, a arquiteta Maria Manuela Fonte, refere que o Gabinete de Urbanização Colonial desenvolveu o projeto do colonato e cidade, sendo os planos assinados pelo arquiteto Fernando Batalha em 1952. O colonato, construído em 1952, era constituído por 15 aldeias que seriam povoadas por trezentas e cinquenta famílias (cerca de 3.000 habitantes), das quais metade eram oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro e os restantes de outros pontos de Portugal.
A vila de Santa Comba Dão, sede do povoamento agrário, era a que mais se destacava pela representatividade e dimensão, sendo que "o seu desenho, de composição simétrica com uma grande alameda ao centro, onde se localizam as várias peças de equipamento, termina este percurso, ao longo de suave declive, na sua igreja matriz, cópia fiel da original construída em Portugal em Santa Comba Dão, terra de Salazar", descreve sinda Maria Manuela Fonte.
Prossegue que "em Santa Comba Dão existiam edifícios com várias funções e programas, nomeadamente os Paços do Concelho, camaratas para colonos recém-chegados, messe de operários, mercado, hospital e pousada, inicialmente construída para ser convento de religiosas, mas que foi utilizada como a Estalagem do Monte.
=
1- Venho da Sela e vou ao Kasonge.
2- Antigo nome (colonial) de Waku Kungu
3- Kuvu (do Kimbundu) para a terra. Semelhante significado para Keve (Umbundu). O rio atravessa e serve de fronteira entre regiões/localidades umbundófonas e kimbundófonas.
4- Instrumento publicado pelo Governo de Angola e que data da década 80 do séc. XX.
5- República Popular de Angola ou primeira República.

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