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quarta-feira, dezembro 28, 2022

KWANZA-SUL DE LÊS A LÊS

Depois de visitar a Kilenda e o Musende, o desafio era chegar a Kasonge e fechar as doze sedes municipais da província. Já por duas vezes tinha tentado e desistido. O tempo mostrava-se bom. Havia três dias sem chuva, embora os contactos das nuvens viajantes prometessem descarga. O clima e a língua falada na região (Umbundu) mais nos levam a pensar que nos encontramos no Wambu em vez do Kwanza-Sul. É na margem direita do Keve[1]. O terreno plano e alto, presença de bovinos, maior cultura de milho e feijão do que da mandioca são alguns dos pequenos sinais que diferenciam, por exemplo, o Kasonge do Libolo (norte do KS).

À chegada ao Cruzamento ou Desvio, trafegando na EN 120, sentido norte-sul, o sinal mostra-nos Mbalundu à esquerda, Alto Hama em frente e vila de Kasonge à direita. A sombra produzida pela copa de uma árvore fez emergir um pequeno mercado onde são postos ao desejo e bolso do viajante cabritos, galinhas, feijão, abacates, mangas, fuba de milho branquinha, entre outros produtos que não escapam ao desejo de uma biena residente em Luanda.

A outra nota é o Keve que volta a apresentar-se, nas suas inúmeras curvas, aí próximo, separando o território do Kasonge (Kwanza-Sul) ao Mbalundu (Wambu).

- Ó mana, bom dia ainda! Está a ver aquela kamunda[2] onde está a sair fumo? - Perguntei para pôr conversa enquanto a mulher comprava feijão.

- Sim, mô conterrâneo, estou a ver. É o quê? - Respondeu indagadora.

- Aqui, onde estamos, é Kwanza-Sul, n’ê verdade? Quero saber se ali é Kwanza-Sul ou Wambu?

Moradora ali na fronteira, a senhora coçou a cabeça e encontrou meia resposta.

- Ó mano, ali ainda é estrada do Njanju. Se vai ao Mbalundu, o caminho é mesmo aquele. Já tem ponte nova.

- Obrigado mana, o rio é que divide as duas províncias, naquele lado. Assim, onde se vê o fumo, apesar de perto, é já território Mbalundu. - Expliquei.

Já tinha passado vezes sem conta pelo famoso Desvio de Kasonge, ora indo ao Wambu e Vye, ora trafegando pela estrada que tangencia a Missão de Njanju. Por duas vezes, tinha desistido de ir conhecer a vila sede do município que fica a 35 quilómetros do entroncamento.

- Ó mano, com esse teu carro, vais chamar cinco pessoas para lavar quando chegares em Luanda. - Dissera-me um jovem, em Dezembro de 2020, quando questionado sobre as condições da via e o tempo que faria para entrar e sair da vila.

A picada foi terraplenada e alargada, aguardando pelo asfalto. Os antigos pontecos deram lugar às pontes definitivas, proporcionando uma viagem segura e sem solavancos. Em tempo chuvoso, a poeira é mínima e o gado, riqueza dessas terras e povo, pasta à beira da estrada que assiste ao ressurgimento de novas lavras, fazendas e cantinas. Há prosperidade que se mostra aos olhos, contrariando os tempos em que era a força das armas e todo o seu séquito quem mais imperava.

A "meio" do caminho, um edifício em forma de naves, sem cobertura e apossado pela vegetação, desperta a curiosidade e obriga à paragem. Quem se apresenta, transeunte, é uma mulher de meia-idade.

- Bom dia, mana. Sabe dizer o que era isso?

- Bom dia, mano. Era fábrica. 

- Sabe dizer se era fabrica de quê?

- Ainda também não sei. Só ando a ouvir que era fábrica. - Respondeu, desfazendo-se do lugar em passo apressado.

Apareceu, momentos depois, enquanto me posicionava para a foto, um homem pastor, levando uma catana e um porrinho. Fiz-lhe as mesmas perguntas, ao que obtive as mesmas respostas. Devia, eventualmente, ter seguido o conselho de Einstein[3].

- Se calhar, isso foi destruído na aurora da independência ou os moradores são jovens e emigrantes[4]. - Falei para o vento, retomando a marcha, mais lenta e contemplativa. O mel é um produto presente em todas as localidades onde se acham pequenos mercados ou bancadas de venda à beira da via.

No trajecto de 30 quilómetros, duas bandeiras pleiteiam lado a lado. São das principais forças políticas de Angola. O cenário contraria o verificado na rodovia Kibala-Musende onde apenas as "aves" se mostram insistentes à estrada. Quem frequenta a zona do Ngango (zona do ex-COP) visualizar, triste ou alegre, a depender da bandeira em que vota.

O marketing (ligado ao comércio) e a propaganda (mais à ideologia) se parecem na tendência de inculcar valores e atitudes (escolhas/opções) nos adultos de hoje e nos de amanhã. Deve ser por isso que se gasta tanto dinheiro em bandeiras. Mas, quem coloca uma partidária devia içar também uma Bandeira da República, a única que coloca todos os angolanos em sentido!

Não tardou, visualizámos um PA[5] da Pumangol que anunciava a proximidade da vila.

- Chegámos, marido! - Disse a Irlanda.

- Será? Vamos confirmar.

O tempo gasto a percorrer a distância relacionados à velocidade indicavam que Kasonge não podia estar distante.

Mais à frente, apresentavam-se uma igreja, casas acolá e descampados pelo meio. Duas, três e mais voltas em ruas distintas, encontrámos a sede municipal do MPLA e uma quadra polidesportiva. As ruas interiores continuam em terra batida e "com ar rural", mas Kasonge pode mudar a breve trecho.

Andando ao encontro do desconhecido, como fazem os exploradores, vimos dois polícias a quem nos dirigíamos em busca de informações. Uma viatura que nos seguia estaciona à frente e corremos, o seu ocupante e eu, ao encontro dos agentes. Era o delegado Jacob que foi bastante solícito e diligente. Trocadas as informações básicas sobre a origem, o destino e o que nos levava a Kasonge, o delegado fez questão de buscar o consentimento do Administrador David que nos recebeu com elevada disposição e cortesia, falando-nos sobre os esforços do município e da vila (ainda com características rurais) em ombrear com os demais da província e da região.

- Temos muitos projectos em curso e em Maio, festas da vila, vamos inaugurar alguns. - Avançou o jovem administrador, há dois anos à frente do município e que foi reconduzido na última reforma executada pelo Governador, à saída das eleições gerais de Agosto de 2022.

Limitado a norte pelos municípios de Uku-Seles e Cela, a leste pelo município de Mbundu, a sul pelos municípios de Londwimbali e Mbalombo, e a oeste pelos municípios de Mbokoyo e Sumbe, a sede de Kasonge (que responde pelo mesmo nome) foi elevada à categoria de vila em 1964, separando-se do então concelho do Seles.

Conhecida a vila de Kasonge, a última das 12 sedes municipais do Kwanza-Sul, David e Jacob, nomes bíblicos, mostraram-nos o caminho para Amboiva-Seles, desejando-nos "boa viagem e outras visitas".

- Voltaremos, com certeza, agora que sabemos que, com a estrada em asfaltagem, Kasonge já não fica longe!


13.11.2022

Texto publicado pelo Jornal de Angola a 11.12.2022


[1] Um dos maiores rios de Angola, também conhecido (mais a baixo) por Kuvu, serve de fronteira entre Kasonge (Kwanza-Sul) e Mbalundu (Wambu).

[2] Monte, pequena montanha.

[3] Não se conseguem resultados diferentes procedendo do mesmo jeito.

[4] Soube do administrador David Domingos que "fora uma fábrica de sumos e licores, paralisada com a guerra que se seguiu à independência, tento a cobertura, portas e demais aproveitáveis sido retirados pela população local". A existência de extensos campos de produção de ananazes e citrinos, bem como de mão-de-obra e água terão motivado os antigos donos a instalarem a unidade de processamento agroalimentar na via Desvio-Vila de Kasonge, EN 145. 

[5] Posto de Abastecimento. Regra geral os PA da Pumangol estão instalados à entrada (saída) das vilas e cidades do interior.


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