Depois de visitar a Kilenda e o Musende, o desafio era chegar a Kasonge e fechar as doze sedes municipais da província. Já por duas vezes tinha tentado e desistido. O tempo mostrava-se bom. Havia três dias sem chuva, embora os contactos das nuvens viajantes prometessem descarga. O clima e a língua falada na região (Umbundu) mais nos levam a pensar que nos encontramos no Wambu em vez do Kwanza-Sul. É na margem direita do Keve[1]. O terreno plano e alto, presença de bovinos, maior cultura de milho e feijão do que da mandioca são alguns dos pequenos sinais que diferenciam, por exemplo, o Kasonge do Libolo (norte do KS).
À chegada ao Cruzamento ou Desvio,
trafegando na EN 120, sentido norte-sul, o sinal mostra-nos Mbalundu à
esquerda, Alto Hama em frente e vila de Kasonge à direita. A sombra produzida
pela copa de uma árvore fez emergir um pequeno mercado onde são postos ao desejo
e bolso do viajante cabritos, galinhas, feijão, abacates, mangas, fuba de milho
branquinha, entre outros produtos que não escapam ao desejo de uma biena
residente em Luanda.
A outra nota é o Keve que volta a
apresentar-se, nas suas inúmeras curvas, aí próximo, separando o território do
Kasonge (Kwanza-Sul) ao Mbalundu (Wambu).
- Ó mana, bom dia ainda! Está a ver aquela
kamunda[2] onde está a sair fumo? -
Perguntei para pôr conversa enquanto a mulher comprava feijão.
- Sim, mô conterrâneo, estou a ver. É o
quê? - Respondeu indagadora.
- Aqui, onde estamos, é Kwanza-Sul, n’ê
verdade? Quero saber se ali é Kwanza-Sul ou Wambu?
Moradora ali na fronteira, a senhora coçou
a cabeça e encontrou meia resposta.
- Ó mano, ali ainda é estrada do Njanju.
Se vai ao Mbalundu, o caminho é mesmo aquele. Já tem ponte nova.
- Obrigado mana, o rio é que divide as
duas províncias, naquele lado. Assim, onde se vê o fumo, apesar de perto, é já
território Mbalundu. - Expliquei.
Já tinha passado vezes sem conta pelo
famoso Desvio de Kasonge, ora indo ao Wambu e Vye, ora trafegando pela estrada
que tangencia a Missão de Njanju. Por duas vezes, tinha desistido de ir
conhecer a vila sede do município que fica a 35 quilómetros do entroncamento.
- Ó mano, com esse teu carro, vais chamar
cinco pessoas para lavar quando chegares em Luanda. - Dissera-me um jovem, em
Dezembro de 2020, quando questionado sobre as condições da via e o tempo que
faria para entrar e sair da vila.
A picada foi terraplenada e alargada,
aguardando pelo asfalto. Os antigos pontecos deram lugar às pontes definitivas,
proporcionando uma viagem segura e sem solavancos. Em tempo chuvoso, a poeira é
mínima e o gado, riqueza dessas terras e povo, pasta à beira da estrada que
assiste ao ressurgimento de novas lavras, fazendas e cantinas. Há prosperidade
que se mostra aos olhos, contrariando os tempos em que era a força das armas e
todo o seu séquito quem mais imperava.
A "meio" do caminho, um edifício
em forma de naves, sem cobertura e apossado pela vegetação, desperta a
curiosidade e obriga à paragem. Quem se apresenta, transeunte, é uma mulher de
meia-idade.
- Bom dia, mana. Sabe dizer o que era
isso?
- Bom dia, mano. Era fábrica.
- Sabe dizer se era fabrica de quê?
- Ainda também não sei. Só ando a ouvir
que era fábrica. - Respondeu, desfazendo-se do lugar em passo apressado.
Apareceu, momentos depois, enquanto me
posicionava para a foto, um homem pastor, levando uma catana e um porrinho.
Fiz-lhe as mesmas perguntas, ao que obtive as mesmas respostas. Devia,
eventualmente, ter seguido o conselho de Einstein[3].
- Se calhar, isso foi destruído na aurora
da independência ou os moradores são jovens e emigrantes[4]. - Falei para o vento,
retomando a marcha, mais lenta e contemplativa. O mel é um produto presente em
todas as localidades onde se acham pequenos mercados ou bancadas de venda à
beira da via.
No trajecto de 30 quilómetros, duas
bandeiras pleiteiam lado a lado. São das principais forças políticas de Angola.
O cenário contraria o verificado na rodovia Kibala-Musende onde apenas as
"aves" se mostram insistentes à estrada. Quem frequenta a zona do Ngango
(zona do ex-COP) visualizar, triste ou alegre, a depender da bandeira em que
vota.
O marketing (ligado ao comércio) e a
propaganda (mais à ideologia) se parecem na tendência de inculcar valores e
atitudes (escolhas/opções) nos adultos de hoje e nos de amanhã. Deve ser por
isso que se gasta tanto dinheiro em bandeiras. Mas, quem coloca uma partidária
devia içar também uma Bandeira da República, a única que coloca todos os
angolanos em sentido!
Não tardou, visualizámos um PA[5] da Pumangol que anunciava
a proximidade da vila.
- Chegámos, marido! - Disse a Irlanda.
- Será? Vamos confirmar.
O tempo gasto a percorrer a distância
relacionados à velocidade indicavam que Kasonge não podia estar distante.
Mais à frente, apresentavam-se uma igreja,
casas acolá e descampados pelo meio. Duas, três e mais voltas em ruas
distintas, encontrámos a sede municipal do MPLA e uma quadra polidesportiva. As
ruas interiores continuam em terra batida e "com ar rural", mas
Kasonge pode mudar a breve trecho.
Andando ao encontro do desconhecido, como
fazem os exploradores, vimos dois polícias a quem nos dirigíamos em busca de
informações. Uma viatura que nos seguia estaciona à frente e corremos, o seu
ocupante e eu, ao encontro dos agentes. Era o delegado Jacob que foi bastante
solícito e diligente. Trocadas as informações básicas sobre a origem, o destino
e o que nos levava a Kasonge, o delegado fez questão de buscar o consentimento
do Administrador David que nos recebeu com elevada disposição e cortesia,
falando-nos sobre os esforços do município e da vila (ainda com características
rurais) em ombrear com os demais da província e da região.
- Temos muitos projectos em curso e em
Maio, festas da vila, vamos inaugurar alguns. - Avançou o jovem administrador,
há dois anos à frente do município e que foi reconduzido na última reforma
executada pelo Governador, à saída das eleições gerais de Agosto de 2022.
Limitado a norte pelos municípios de
Uku-Seles e Cela, a leste pelo município de Mbundu, a sul pelos municípios de
Londwimbali e Mbalombo, e a oeste pelos municípios de Mbokoyo e Sumbe, a sede
de Kasonge (que responde pelo mesmo nome) foi elevada à categoria de vila em
1964, separando-se do então concelho do Seles.
Conhecida a vila de Kasonge, a última das
12 sedes municipais do Kwanza-Sul, David e Jacob, nomes bíblicos, mostraram-nos
o caminho para Amboiva-Seles, desejando-nos "boa viagem e outras
visitas".
- Voltaremos, com certeza, agora que
sabemos que, com a estrada em asfaltagem, Kasonge já não fica longe!
13.11.2022
Texto publicado pelo Jornal de Angola a 11.12.2022
[1] Um dos maiores rios de Angola, também conhecido (mais
a baixo) por Kuvu, serve de fronteira entre Kasonge (Kwanza-Sul) e Mbalundu
(Wambu).
[2] Monte, pequena montanha.
[3] Não se conseguem resultados diferentes procedendo do
mesmo jeito.
[4] Soube do administrador David Domingos que "fora uma fábrica de sumos e licores, paralisada com a guerra que se seguiu à independência, tento a cobertura, portas e demais aproveitáveis sido retirados pela população local". A existência de extensos campos de produção de ananazes e citrinos, bem como de mão-de-obra e água terão motivado os antigos donos a instalarem a unidade de processamento agroalimentar na via Desvio-Vila de Kasonge, EN 145.
[5] Posto de Abastecimento. Regra geral os PA da Pumangol
estão instalados à entrada (saída) das vilas e cidades do interior.
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