- Que nave é essa e o que nela se
faz? – Essa é a pergunta que me ocorreu à primeira vista.
Quem passa pela Marginal do Dondo não resiste à imagem visual que convida
ao abrandamento, paragem e constatação, seguindo-se a aferição do que se vende
nessa nave, feita de serralharia e cobertura de chapas de zinco, espaço que
passou da desordem total a local organizado e acolhedor, colocando ao dispor do
viajante pratos como: Ikusu nyi mbonzo,
funji nyi xitu, jingwingi nyi fadinga nyi kudya kwoso kwa akwa Ndongo[1].
Felizmente, a autoridade administrativa, em coordenação com a cervejeira
local, conferiu dignidade ao espaço da feira alimentar permanente. As antigas
barracas deram lugar à nave em que cada vendedora/cozinheira tem um espaço
delimitado e nomeado que se subdivide em "comedouro" e cozinha.
Desde que, numa visita turística, o meu filho ARSC entornou a farinha da
senhora, a minha "barraca" predilecta passou a ser a da Dona Páscoa,
a quem ligamos antes de chegar para a competente encomenda, quer eu, quer a
mulher. Já lá vão quatro ou cinco pares de anos e ela sempre a perguntar:
- O vosso menino está grandinho, nê?
E depois conta às colegas e ajudantes recentes.
- Já viram? Há males que vêm para bem. Um menino assanhado, certa vez,
entornou todo o frasco de farinha. Os pais queriam pagar e lhes falei deixa
estar. Ganhei clientes e nunca passam sozinhos, homem e mulher, filhos alheios.
É mesmo já família que ganhei.
Para além de se poder apreciar um bom manjar regional na Marginal do
Dondo (não há bacalhau com natas, nem cozido à portuguesa), o espaço tem
toilettes públicas, mas acham-se distanciadas de um outro pólo (o Leste). Daí a
necessidade de se pensar em construir outras no lado em que nasce o sol e
dar-se cobro à imundície que se acha à esquina, junto ao atalho que leva à
"lavandaria" pública, no rio. Há aí, numa explanada inacabada e semi-vedada,
um esconderijo de adolescentes e miúdos lyambeiros que, volta e meia, fazem zaragatas[2] junto à feira alimentar, o
que cria um sentimento de insegurança aos turistas neófitos.
Sobre a lavandaria já publiquei uma crónica no Nova Gazeta. O resumo que
subtraio é que uns lavam roupa própria ou familiar ao passo que outros fazem
kadyenge[3] para depois levar pão à
casa, apreciar uns ikusu ou beber umas ekas-do-Dondo. Alguns saem de Kandanji
aonde os turistas ainda não vão por falta de um meio flutuante para as
travessias seguras e serviços conexos ao turismo.
Kandanji (pedrinha em Kimbundu) tem um potencial turístico inexplorado. A
aldeia de Luanda mais próxima da centenária cidade do Dondo fica no município
da Kisama que tem o Libolo como vizinho a leste. Uma pousada no outro lado do
Kwanza e uma embarcação para as travessias e recreio sobre o rio seriam uma
autêntica muzwa[6]
para o dinheiro do investidor.
A propósito, a Kisama fica a sul do Kwanza (margem direita no sentido
poente-nascente). Temos uma província que é o Kwanza-ao-Sul. Vejo a Kisama
deslocada de Luanda como vejo o Kasonge mais para o Wambu. É apenas uma
sensação que me persegue desde que tomei conhecimento da divisão
político-administrativa de Angola.
Texto publicado no Jornal de Angola a 01.01.2023
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