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quinta-feira, dezembro 22, 2022

DONDO, KANDANJI E LAVADEIRAS

- Que nave é essa e o que nela se faz? – Essa é a pergunta que me ocorreu à primeira vista.

Quem passa pela Marginal do Dondo não resiste à imagem visual que convida ao abrandamento, paragem e constatação, seguindo-se a aferição do que se vende nessa nave, feita de serralharia e cobertura de chapas de zinco, espaço que passou da desordem total a local organizado e acolhedor, colocando ao dispor do viajante pratos como: Ikusu nyi mbonzo, funji nyi xitu, jingwingi nyi fadinga nyi kudya kwoso kwa akwa Ndongo[1].

Felizmente, a autoridade administrativa, em coordenação com a cervejeira local, conferiu dignidade ao espaço da feira alimentar permanente. As antigas barracas deram lugar à nave em que cada vendedora/cozinheira tem um espaço delimitado e nomeado que se subdivide em "comedouro" e cozinha.

Desde que, numa visita turística, o meu filho ARSC entornou a farinha da senhora, a minha "barraca" predilecta passou a ser a da Dona Páscoa, a quem ligamos antes de chegar para a competente encomenda, quer eu, quer a mulher. Já lá vão quatro ou cinco pares de anos e ela sempre a perguntar:

- O vosso menino está grandinho, nê?

E depois conta às colegas e ajudantes recentes.

- Já viram? Há males que vêm para bem. Um menino assanhado, certa vez, entornou todo o frasco de farinha. Os pais queriam pagar e lhes falei deixa estar. Ganhei clientes e nunca passam sozinhos, homem e mulher, filhos alheios. É mesmo já família que ganhei.

Para além de se poder apreciar um bom manjar regional na Marginal do Dondo (não há bacalhau com natas, nem cozido à portuguesa), o espaço tem toilettes públicas, mas acham-se distanciadas de um outro pólo (o Leste). Daí a necessidade de se pensar em construir outras no lado em que nasce o sol e dar-se cobro à imundície que se acha à esquina, junto ao atalho que leva à "lavandaria" pública, no rio. Há aí, numa explanada inacabada e semi-vedada, um esconderijo de adolescentes e miúdos lyambeiros que, volta e meia, fazem zaragatas[2] junto à feira alimentar, o que cria um sentimento de insegurança aos turistas neófitos.

Sobre a lavandaria já publiquei uma crónica no Nova Gazeta. O resumo que subtraio é que uns lavam roupa própria ou familiar ao passo que outros fazem kadyenge[3] para depois levar pão à casa, apreciar uns ikusu ou beber umas ekas-do-Dondo. Alguns saem de Kandanji aonde os turistas ainda não vão por falta de um meio flutuante para as travessias seguras e serviços conexos ao turismo.

- Quão bom seria apreciar, em Kandanji, um funji de kandumba[4] com ngwingi e mburi[5], pés na água fria e pachorrenta, ser pedicuriado por cardumes e olhos mirando os velhos edifícios e a marginal da centenária cidade?!

Kandanji (pedrinha em Kimbundu) tem um potencial turístico inexplorado. A aldeia de Luanda mais próxima da centenária cidade do Dondo fica no município da Kisama que tem o Libolo como vizinho a leste. Uma pousada no outro lado do Kwanza e uma embarcação para as travessias e recreio sobre o rio seriam uma autêntica muzwa[6] para o dinheiro do investidor.

A propósito, a Kisama fica a sul do Kwanza (margem direita no sentido poente-nascente). Temos uma província que é o Kwanza-ao-Sul. Vejo a Kisama deslocada de Luanda como vejo o Kasonge mais para o Wambu. É apenas uma sensação que me persegue desde que tomei conhecimento da divisão político-administrativa de Angola.

Texto publicado no Jornal de Angola a 01.01.2023



[1] Tilápia com barata, funji/pasta de mandioca com carne, bagre com mandioca e demais comidas dos Ambundu

[2] Confusão, desacatos.

[3] Biscates, negócio.

[4] Funji feito com farinha/fuba de batata doce.

[5] Espécie de feijão que se parece a lentilha.

[6] Nassa. Instrumento de pesca.

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