Translate (tradução)

quinta-feira, setembro 15, 2022

E SE FOSSE GUERRA? - PERGUNTA MANGODINHO

Pela primeiríssima vez na sua vida,  Mangodinho foi, de verdade, convidado a assistir à cerimónia de posse de um presidente.

A manhã, de 15 de Setembro, era de frio trazido pela chuva que acompanhou o alvorecer.
- Amanhã, todos devem chegar ao ponto de encontro às sete da manhã e irmos em autocarro até ao Memorial do Camarada Neto. - Recomendara, de véspera, o assistente sénior do boss.

Mangodinho, cumpridor de orientações, não queria mostrar-se atrasado e muito menos faltoso. Programou o despertador para as cinco da manhã e fez-se ao local combinado às seis e meia. Trinta minutos antes.

Mangaram-lhe (no coração) o fato goiabeira azul-escuro que vestia  enquanto todos pareciam que iriam à gala vespertina com casacos opacos, sapatos castanhos e camisas cor-de-neve, engravatados. Ele não. Simples e com o boné de cronista-comunista. O seu íntimo dizia-lhe de instante a instante: vai fazer calor. E fez até fazer secar as cadeiras de polietileno inundadas pela chuva madrugadora.

No bloco J da Praça da República, Mangodinho assistiu a tudo: a chegada do povo-em-geral como ele, dos nguvulu do Estado, dos nguvulu de outros países convidados (e eram muitos), a chegada dos empossados (João Lourenço e Esperança Costa) até ao desfile de tropas e meios. É sobre essa parte, quase final, que antecedeu ao disparo de vinte e uma bujardas que Mangodinho decidiu cronicar.

Tinha desfilado toda a técnica da polícia, infantaria e marinha (essa ultima via Tv). Faltava a da força aérea. O mestre de cerimónia anunciou que passaria primeiro o B777 civil, da TAAG, e depois a técnica da Força Aérea.

O pessoal vergou o pescoço. Olhos para o ar. Um, dois, três, cinco, sete, nove minutos. Nada!
Um mais velho, já barba rija e cabelo pintado de negro, acalmou os mais expectantes:
- Vocês que estão a roer as unhas pela passagem tardia do avião civil, alguma vez viram a TAAG a cumprir horário?
- Não! - Responderam os que lhe inclinaram ouvidos e olhos, seguindo-se um curto riso generalizado. Curto como rajada de AK-47.

Contaram-se mais alguns minutos e lá vinha, lento, lento mesmo, o Boeing civil, ao que se seguiram aviões de asas rotativas e asas fixas da FAN, alegrando os presentes com as cores da bandeira angolana deixadas na atmosfera.

Mangodinho olhou para o relógio e lembrou-se das súplicas do povo, nos ataques da Unita à Munenga (1984) e Kalulu (1989). Veio-lhe a pergunta daquela idosa desconhecida que gritava desesperada, em 1989, em Kalulu, pedindo a aviação para ajudar os LCB.
Foram horas e horas à espera, até se anunciarem nos ares de Kalulu, levando todos a se questionarem:
- Por que a aviação só chegava quando o fogo já estivesse apagado e as cinzas frias?
Foi o que lhe veio à consciência.
- Com esse atraso dos aviões, o que aconteceria ao povo se tivessem sido chamados para acudir a infantaria em situação de desvantagem?! - Perguntou o mais velho de cabelo preto pintado de negro, um antigo FAPLA.

Sem comentários: