O seu nome de registo era algo como Walter Kruk. O alemão, de origem judia, terá chegado a Angola no final da II Guerra Mundial, instalando-se na comuna da Munenga. Tinha, na margem do rio Mukonga, EN 120, uma "Estalagem" e um restaurante, sendo paragem "obrigatória" de autocarros e outros veículos que trafegavam naquela rodovia, quer fossem ao sul, oeste ou nordeste. Nas margens do rio Muxixi, próximo de Kizanga, tinha a fazenda (que ainda não visitei). O meu tio Ernesto da Silva "Kapitia" serviu como motorista do alemão até à sua reforma.
A primeira vez que fui ao "bar" do Ngana Mundu - o povo chamava a instância de bar - terá sido em 1978. Era garotinho ainda. A minha mãe tinha viagem para Luanda e eu fora o escolhido para a acompanhar naquela que seria a minha primeira ida à capital, de onde só me vinham cenas de ouvir contar. Lembro-me que ainda não frequentava a escola.
Postos na instância de Ngana Mbundu, encontrámos um grande frenesim. Muitos autocarros da EVA, da ETIM, da ETP e outros veículos. Vi pessoas que nunca me tinha ocorrido imaginar: altos, gordos, baixos, magros, mulatos, brancos - designados colonos - e empregados.
Passado algum tempo, senti vontade de urinar, porém, não vendo mata por perto - na aldeia, é p'ro mato que as pessoas se dirigem para desanuviar a bexiga - urinei nos calções. Tal irritou a minha mãe que suspendeu a viagem, voltando à fazenda Israel (próximo de Pedra Escrita) onde vivíamos, depois de meus pais terem abandonado o Kitumbulu (fazenda do meu avô paterno). Na semana seguinte, ela viajou com a Júlia, a minha irmã mais nova. Tal xixi adiou, até 1984, a minha ida a Luanda que aconteceu por imperativo da agudização dos ataques da UNITA.
Bem, em Fevereiro de 1984, a UNITA atacou a sede comunal de Munenga (4 Km da instância de Ngana Mbundu). Pilhou a comuna e, em saída, pilhou também a hospedaria, o restaurante e tudo quanto pôde, tendo como mulas os aldeões raptados de Munenga e aldeias ao entorno. Walter Kruk e sua tia "dona Lina", também conhecida como Senhora Kasenda, esta com idade muito avançada, foram raptados e nunca mais voltaram à família. Nem as ossadas foram devolvidas. Consta que as filhas se tinham deslocado até à África do Sul (tempo do apartheid), buscando socorro para que a UNITA libertasse os dois alemães idosos. Debalde!
As guerras sucessivas, até 2002, transformaram o lugar, que fora de elevada qualidade e hospitalidade, em escombros. Nos anos que se seguiram à paz de 2002, uma das filhas tentou reabilitar a herança, porém, seria ceifada, ela e o filho, por um acidente de viação.
Um empresário natural do Libolo reabilitou, nos últimos anos, a Estalagem e o restaurante, sob a marca RITZ. Por curiosidade, passei por lá, no dia 20.08.2022. Gostei do acolhimento e do almoço. Calculo que, com mais publicitação e melhoria de alguns serviços, a instância pode resgatar a áurea dos anos 70 e início da década de 80 do século XX. O restaurante tem TPA e multi-banco (multi-caixa). Os quartos rivalizam com muitos hotéis de sedes provinciais.
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¹ Senhor Nuvem.
Texto publicado pelo Jornal Cultura de 12.10.22
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