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domingo, maio 01, 2022

RETRATO DE KAMBAW

Kambaw, 06.3.22. Contados os 300 Km até Kalulu, a que se acrescem outros 50 quilómetros de picada a contornar montanhas e cursos de água, à aldeia só vai quem é convidado, tenha parentes próximos ou ame a aventura. Até os "mamadús", que já encontrei em muitos lugares longínquos de Angola, ainda "não descobriram onde fica".

Kambaw é aldeia da comuna de Kis(s)ongo, município do Lubolu. O Kis(s)ongo, que pela sua riqueza (dizem que tem diamantes no curso do rio Kwanza), sempre esteve sob domínio dos insurrectos, até à paz total.
À chegada, 11h30 de 06.03 22, a aldeia parecia muito calma, não fosse um óbito, à entrada, chorado com makyakya e som de "gravador" que substituiu a ngoma e kis(s)aka na noite poeirenta. Estavam todos (excepto os bêbados que restavam no óbito) a escolher roupa e sapatos de fardo oferecidos pelo sô Oka. A tarde seria de bola.
Oka, um dos raros empresários locais, construiu a sua casa na ponta da aldeia e mobilizou o povo para a feitura de adobes, distribuiu chapas de zinco e fornece energia do seu termo gerador, durante as 24 horas do dia, a todos os 250 agregados familiares.
Perto de cento e cinquenta homens e mulheres trabalham na fazenda de 750 hectares de frutíferas e uma loja facilita as compras, fazendo de Kambaw a mais organizada aldeia no meio no interland kis(s)ongoense.
Mas, Oka, o benfeitor, não se fica por aqui. Sabe que "mais do que dar pão e peixe, o melhor é dar anzóis e enxadas".
A aldeia tem uma escola e um posto médico que invejam a sede comunal, assim como um sistema de distribuição de água potável, 24 sob 24horas.
- A água que ele bebe é a mesma que nós bebemos. É de um furo e vem canalizada para os chafarizes e para a casa dele. - Confirmam os aldeões que acrescentam não comprar livros escolares nem brinquedos para as crianças no Natal.
Como "o pepino torce-se de pequeno", Oka prepara a "lavra escola" para ensinar às crianças as boas práticas agrícolas.
- É isso que vai fazer com que no futuro tenham boas colheitas e renda. - Diz motivado.
Mas no apoio filantrópico não se fica por aqui. Trinta e cinco equipas juniores e seniores participam dos campeonatos comunais de futebol, sendo ele o organizador de toda a máquina, incluindo equipamentos e transporte. As duas equipas de Kambaw sagraram-se campeãs (júnior e sénior) e os sobas pedem o relato de Vaz Kinguri que pode visitar Kambaw nos próximos dias.
- Aqui também temos craques como os do Petro e D'Agosto. É por isso que estamos a pedir ao boss Oka para trazer o Vaz Kinguri e relatar o nosso jogo com o chará dele daqui. - Disse, solícito, Xavier, o capitão dos kas(s)ules de Kambaw.

À tarde, antes de as lâmpadas dispostas nas duas margens da única rua substituírem a do sol, recebi os sobas de Kambau e de duas outras aldeias próximas que foram saudar o visitante do sô Oka.
Falaram, de suas bocas, sobre o salto que aconteceu em suas vidas e de seus súbditos com a presença daquele senhor.
- Queremos que a ele se juntem outros. -Solicitaram.
- Para Kambaw ser sede, só falta o administrador comunal se mudar para aqui. - Confirmaram, comparando as infraestruturas existentes numa e noutra aldeia.
Falámos do esforço que os sobas e a comunidade devem fazer para preservar os equipamentos sociais existentes, encorajando e protegendo os meios do empreendedor e tomar as decisões mais assertivas.
- Não se preocupe, nosso filho. Nós estamos com ele e o caminho que nos indicar, a 23 de Agosto, é o que vamos seguir. - Disseram os sobas, antes de nos despedirmos. Os galos já ensaiavam o seu primeiro canto.
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Texto publicado pelo Jornal de Angola de 26.03.2023

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