O Sol daquele dia era diferente. Único entre os já muitos sóis e noites
vividos. Parecia que a bola vermelha e quente cairia sobre a terra para queimar
tudo e acabar com todos. Mesmo assim, chovia a pingos preguiçosos que secavam
em tempo apressado. A sede então, ah! Essa era tanta. Parecia que os caudais
dos rios secariam. As pessoas, em todos os atalhos que levam às lavras, nas
estradas que ligam terras distantes e cidades em que impera a banga, o bom
vestir e o bem falar, estavam todas ora com a garrafa de água na boca, ora com
a boca no caudal do rio, sorvendo a mistura de hidrogénio e oxigénio (H2O).
Mas não era só sol, chuva miúda, sede e cansaço. Era também fome. Será que
andar debaixo do sol também aumenta a fome?
As viagens, de véspera e do momento, ao volante, tinham sido longas e
extenuantes, embora tivessem sido mais sobre estradas do que em picadas; mais
asfalto do que buracos; mais luz do que noite. Só que os quilómetros não eram
poucos e as paragens, para pegar isso e deixar aquilo ou atender o estômago
resmungão tinham roubado bastante tempo.
Depois de CADÁ (é mesmo assim que se pronuncia), cidade que assiste impávida
todo seu recheio de tempos áureos a cair (1,2,3… até nada mais haver) chegámos,
de volta à vila de Kibala, Kwanza-Sul, por onde havíamos passado na noite
anterior.
O ingrato estômago teve de nos levar a uma roulote, estrategicamente
implantada na bifurcação entre dois caminhos que juntam aldeias periféricas do
vilarejo. Próximo do que foi a moageira CAIMA. É também lugar de encontros e
reencontros da moçada local e de galanteio.
O mano, calças jeans muito largas na parte superior, a fazer desaparecer o
mataku e demais condimentos, e uns chinelos “avaziana”, isso mesmo “avaziana”,
era kibalense. Na cara dele lia-se muita esperteza, mas na boca e na cabeça
pouca inteligência.
Os dois pararam, antes da saudação, ao "se darem encontro" no
atalho que liga as duas aldeias periféricas da "cidade" (como chamam
o vilarejo), próximo da roullote.
- Caró, saudade que te estou a ouvir é mbastante, tipo água no rio
Kakungulu. Desde anteontem sem te ver. Será que não gostaste do que “se”
falámos?
- Yá, João. Também senti lá vontade. Falei mesmo vou “le” procurar para se
descontar lá um kabukadu. Ó João, também trouxe fome, tó te falar! Me paga lá
ainda um pão com conduto lá dentro, tipo aquele que provámos na casa do teu
amigo Nito…
A conversa prosseguiu com pícaros de “sarcasmo” ao meu ouvido. Era só rir a
toda a largura da boca. Juro mesmo, funji ou pirão com conduto já ouvi e já
comi. Pão com conduto (hambúrguer) foi primeiríssima vez.
Publicado pelo jornal Nova gazeta a 06.12.18
Publicado pelo jornal Nova gazeta a 06.12.18
Sem comentários:
Enviar um comentário