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segunda-feira, abril 15, 2019

É SOCIALISMO, CAMARADA!

Algures em Duque de Bragança ou Kalandula, para os nativos que nunca se aportuguesaram, conta-se que num pequeno rio com pequena represa natural, antecedida por uma transposição artificial, crianças, jovens e adultos faziam da água mansa daquele trecho elemento imprescindível para correr com as imundícies do corpo e para relaxe.
Todos, sem excepção, "banhavam" prazerosamente. Os mais idosos e cheios de posses e pudor faziam-no mais a baixo, junto à barreira natural que elevava o volume de água reprimida. Os jovens, com "força de ngufu", ocupavam o centro da "lagoa", servindo de intermediários entre os makota, à jusante, e os tundenge à montante. Esses últimos, a partir do ponteco, jogavam-se rio adentro, expelindo a energia carregada e exercitando todos os músculos, como só a natação permite. Se frquejassem na tentativa, os jovens pelo meio do trajecto, acudiam e reprimiam veementemente o atrevimento. Mas quem não aprende tentando? E se o fracasso acontecesse entre o meio e a meta, lá estavam os papás com o seu socorro e lições de vida.

Entre os petizes, aqueles que iam desprovidos de produtos de higiene e limpeza, quando deles precisassem, tinham a oportunidade de executar pequenos serviços e ganhar um esfregar apressado de sabão ou sabonete pelo cabelo que, depois, espalhavam para o corpo todo. Outros espargiam porções nada abonatórias de sabão em líquido pelo corpo que, depois, distribuíam as espumas pelo "mukutu". Mas havia aqueles que se deslocavam ao rio apenas para umas fimbas. Eram já tidos como grandes nadadores, prontos a integrar, na juventude, o inimaginavel corpo de bombeiros-salvadores que em Duque-Kalandula não havia.
Certo dia, Dimas, menino de lápis e caderno sempre, afamado na vila de "explicador de outros meninos e meninas de pés limpos e tranças permanentemente reparadas", acossado pelo abrasador sol de meio-dia, em período de férias, decidiu buscar por um mergulho. Àquela hora, poucos manos e tios se podiam encontrar no rio dos mergulhos. Apenas um dikota transeunte. Bem podia fazer-lhe um serviço mínimo, se solicitasse, mas...
Dimas subiu ao ponteco. Olhou à direita e à esquerda. À montante, onde poucas raparigas acarretam água, e à jusante, onde apenas um dikota soltava as alparcatas para buscar o bálsamo escondido na frescura da água. Jogou-se rio adentro. Nadou e, num abrir e fechar de olhos, fez-se caralmente ao senhor que saudou.
- Boa tarde camarada tio. Não precisa de ajuda para nada?
- Boa tarde camarada pioneiro. De momento. Nada a peticionar. - Respondeu-lhe o senhor.
O Viandante desatou as alparcatas, os calções, a camisa e soltou a ânsia de mergulhar. Fê-lo sem muitos movimentos. Apenas imergia e emergia no mesmo lugar, passando pelas partes íntimas e depois pela cabeça um pedaço de sabão, cuja espuma, à distância, fazia dele um homem branco.
Dimas deu outra fimba. Como sempre, em um minuto sem inspirar, atingia a barreira habitualmente frequentada pelos mais velhos.
- O camarada tio pode dizer de que aldeia é?
-De Carreira de Tiro, Malanje-capital. Tem lá parente?
- Não camarada. Era apenas para saber. Já agora, o camarada também lê marxismo-leninismo?
-Não, meu pioneiro. Um dia vou ler mas acabei de frequentar o curso de alfabetização que já me permite ler um pequeno bilhete.
Dimas pretendia, na verdade, uma aproximação que o permitisse esbranquiçar também o seu cabelo e sentir a dor do sabão em seus olhos. Mas faltou coragem para pedir e meteu-se água a dentro.
Quando o senhor se preparava para abandonar a água, o menino, sem fazer-se perceber, nadou até ao sabão e, rapidamente, esfregou-o na cabeça e no peito.
Um susto atacou o indivíduo que precisou de segundos para se recompor do susto e agir.
Com algum esforço, alcançou o bracito de Dimas que se preparava para o nado de regresso à parte mais funda daquela represa.
-Quê isso pioneiro? Já não se pede nem nada? É esso "enducação"?
- É socialismo, camarada tio. É distribuição dos meios pela comunidade. Assim, a minha carência também é do camarada tio e suas posses também são minhas, camarada. É isso socialismo!(?)

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