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quarta-feira, fevereiro 28, 2018

KATUTURA, POIS CLARO!


No tempo da segregação racial imposta pela colonização sul-africana do regime apartheid, os negros ocupavam um espaço nobre, na cidade. Atentos ao crescimento exponencial da população, os brancos colonizadores entenderam mover os negros para fora da zona nobre, construindo uma espécie de casas sociais, um Zango de cá. Porém, descontentes, os negros disseram: "KATUTURA MBA" (não queremos ficar aqui)!
ALGO EM COMUM?
Na sua cama, ainda sem sono, Mangodinho começou a matutar no som de duas expressões comprimidas em duas palavras: Canguru e KATUTURA.
- Não pode! Será?! Não será? Vejamos.
Começou a esboçar no seu bloco de notas, agora auxiliado pela internet/google.com.
- Quando os ingleses chegaram à Austrália e viram o bicho de bracitos curtos e pernas longas que dava (continua a dar) uns saltos longos, perguntaram como o designavam, e foram respondidos "ka-ngu-ru" ou seja, não entendemos vocês. E eram aborígenes, portanto, negróides, os que responderam aos pulas. Aqui também na vizinhança, quando os pulas disseram saiam da cidade e vão se "encoelhar" fora da cidade e num espaço ilimitado, os mbumbu disseram "imba ka-tu-tu-ra" que significa não queremos viver aqui. Já viu? Devem ser o mesmo povo que se separou há muito tempo com o empedaçamento da terra em época remota. - Fechou o pensamento e chamou pelo sono que tardava, colocando como tarefa do dia seguinte ir em busca de um geo-historiador e colocar em terra a intrujice que lhe havia feito um zero à esquerda, segundo o qual KATUTURA=não nos torturem!
Instalado no seu apartamento T1, arrendado na cidade, Mangodinho fez constar aos amigos que gostou mesmo de KATUTURA. Para ele, o mercado afamado pelos assados ajindungados é comparável ao dos Congoleses (o antigo), higienizado e com muita carne fresquinha de vaca. Nas suas viagens à memória e exposição não se esqueceu de um detalhe:
-Epá, aqui é quase outro mundo, tendo em conta a nossa bebedice e espalha-garrafice. Álcool nem para ferida encontras. 
Contou ainda que "com a máxima intimidade entre o homem e o alimento, que só é atingível com as mãos desarmadas, comi, pela primeira vez, pirão de masangu e bebi sumo de goiaba".
-"Pomada"? Nem com binóculos pude ver. Mete inveja, KATUTURA!

Publicado pelo Jornal de Angola de 22.04.2018

quinta-feira, fevereiro 22, 2018

DE NKONGO A CONGO

Ambriz, norte do Bengo, a caminho do Zaire, parado num posto de abastecimento de combustíveis, aproveito prosear:
- Mana, boa tarde!
- Boa tarde mano. Quer "arguma" coisa para consumir ou para levar?
- Para consumir. Um café, por favor. Pode ser com açúcar.
Enquanto a jovem ligava a máquina aproveitei provocá-la:
- Mana, como se chama quem nasceu no Zaire?
A senhora faz passear a mente que navega nos conhecimentos e quase naufraga.
- Mano, nasci "mborra" em Luanda. Minha mãe é que é daqui do Ambriz e meu pai de Mbanza (Kongo).
Mariana escapou à resposta que eu esperava, sendo, porém, fornecida por seu colega que me a transmitiria em voz meio muda:
- A resposta é "zairiense", kota. E justificou-se: zairense é do Congo Democrático. Nós aqui "samo" mesmo de Ambriz, ambrizetano (do Nzeto) ou mbanza-konguense que também se chama "zairiense".
João Nevumba, como se apresentaria já na despedida, não se ficaria por aí na sua explicação e acrescentaria:
- Estou a ver que o mano está perguntar porque gosta mesmo de saber e parece está mesmo a ir "na" capital. Mano, as pessoas de Mbanza não gostam muito "lhes" chamar "zairiense". Quando o mano chegar, se precisar referir, fala só mukongo que abrange todos do norte.
Acatei o conselho, joguei o café, meio frio, garganta abaixo. Engatei a mudança automática de progressão e rumei à cidade cujo símbolo apresenta cinco espadas que simbolizam igualmente número de topónimos por que já foi designada: Mpemba, Nkumba Ungudi, Kongo dya Ngunga, S. Salvador do Congo (depois do baptismo do Rei, tornando-se cristão) e Mbanza a Kongo.
Nkongo, contam os guias do museu, é caçador na língua local. Terão os enviados de Diogo Cão, aportado em Matadi, perguntado como se chamavam aquelas terras, ao que os nativos vindos da caça entenderam que se lhes tivesse sido questionado "o que eram", tendo respondido nkongo (caçadores). O reino que possuía seis províncias geridas por "Manis" (titulo de governadores) tomou a designação de Congo, sendo Mbanza a Congo (capital), na pronúncia e escrita dos comerciantes de bugingangas e anunciantes de Cristo, o centro político para aonde os "manis" levavam os impostos recolhidos para custear a máquina administrativa. O detentor do poder supremo é Ntotila, em cujo Palácio repousa(va) uma frondosa árvore de três grandes ramos (são dois na actualidade) e uma fronde de folhas permanentes, sob cuja sombra eram efectuadas as audiências e os julgamentos. Perdeu-se na memória o nome da árvore. Porém, o facto de ter acolhido vários Kuhu (boas vindas ou conversas introdutórias que para os ambundu equivale a mahezu) ela ganhou o registo de Yala Kuhu.
O residência real possuía ainda um espaço muito restrito para a lavagem e tratamento do cadáver do rei finado (sungilu) para que fosse possível conservá-lo intacto até ao acto fúnebre que era procrastinado até à chegada do Mani que vivesse mais distante, chamados todos pelo som do tantã.
A casa mortuária real (mpindi a tadi) ficava a umas centenas de metros do Palácio, distância aproximada a que nos leva ao campo santo real, colado ao nkulu mbimbi (igreja antiga, a Sé com mais tempo a sul do Sahara).
Mas sobre Mbanza Kongo não é tudo.
Sobre o desrespeito à mítica yala kuhu, contam-se estórias associadas à queda, nos anos 90 do sec. XX , de um helicóptero que, entre outros, vitimou o bispo da diocese local e também o despiste de um avião da companhia de bandeira, já no início do séc. XXI, que levou à morte o administrador municipal, para além do "sangue que a árvore jorrou, estendendo-se do espaço em que está o pavilhão desportivo até ao cemitério real, quando os brancos construíram a estrada, cortando o terceiro galho".
Mas o guia do museu, formado no Benin, em preservação de espaços históricos, a luz da candidatura da cidade de Mbanza Kongo a património da humanidade, não se fica por aqui e vai mais adiante nos detalhes da sua apresentação. Fala também do "Mbanda Mbanda, do clã Nenzako, de Maquela", uma espécie de Presidente do Tribunal Constitucional, a quem cabia entronizar o rei, e informa que "Mbanda Mbanda e o rei no trono nunca se podiam reencontrar. Se o rei fosse à terra dele, ele se ausentava. Se Mbanda Mbanda viesse à capital, também o rei se ausentava. Ele só se via com o ntotila uma vez para o entronizar".
Entre História confrontável nos livros já abundantes e estórias de ouvir contar e entreter o visitante/turista, muito há ainda por ouvir e desvendar. O melhor mesmo é percorrer os cerca de 400km que separam Luanda de Mbanza a Kongo para ver ouvir e reter. E quiçá recontar também?!


Texto publicado no Jornal Cultura em Janeiro de 2018 

domingo, fevereiro 18, 2018

AO ENCONTRO DOS "SOBAS" DE LÁ

Mangodinho, dicionário no sovaco, lapiseira enfiada no farto cabelo e bloco de notas na mão, parece investigador. Pelas ruas de Windhoek tudo que vê busca tradução, ensaia as perguntas no "português de lá" e as executa, embora o momento mais chato dessa peripécia seja ao receber as respostas. Porém, vivo como é, Mangodinho atencia os gestos e as palavras parecidas ao Oshiwambu e Português. Os seus ouvidos são também autêntico gravador, o que lhe permite consultar o ndunda de paragem em paragem.

Quando viu a placa a indicar Association for Local Authorities of Namibia, Mangodinho quase pulou de contente.

- Epá, meus colegas, sobas d'aqui?!
Quis entrar para conversar e colher experiências, mas o português que domina e o inglês que não fala inibiram-no.

- Vou voltar com o tradutor ou noutra oportunidade.

Continuou a marcha e reparou que os ardinas, os putos que vendem jornais pelas ruas e avenidas, estavam todos garbosamente trajados: calças juarte com reflectores, uns bonecos desenhados e sinal de stop.

- Para organizar um país assim é preciso Unidade no pensamento, Liberdade na acção e uma Justiça para todos. É necessária muita ciência e coragem para mudar e melhorar, pouco populismo ou rebuçados de hoje que se tornem em fel para amanhã. - Disse para si mesmo, ajeitando as últimas notas e preparando-se para o almoço que o levará a Katutura, uma espécie Rangel-Sambizanga-Kazenga de cá, de onde o povo se organizou na contestação ao colono segregacionista e onde os bantu e pré-bantu mantiveram as suas vidas tradicionais. É onde se vende pirão branco de milho com carne de vaca assada na brasa.

Teimoso como é, no bom sentido, depois de se refastelar, Katutura, de um pirão e beef de carne tenra e fresca, com quabos e molho de tomate ajindungado, Mangodinho voltou ao local em que esperava encontrar os seus colegas da autoridade tradicional. Bateu palmas e nada. Seguiram-se uma tantas "com licença" e nada!

- Será que é da língua ou quê? - Verbalizou. Lembrou-se da campainha que accionou de imediato, ao que de dentro ouviu-se um "whell come". 

Por sorte, o boss, já velhinho, tinha sido autoridade tradicional num dos campos de refugiados em Angola, de 1975 a 1990. Major Oshikembwa, que ainda conserva o Português aprendido no exílio, recebeu-o com cordialidade e explicou como eles funcionam.

- Não chegamos a dois mil Majors e Auxiliares. Aqui, na Association, servimos de interlocutores com os colegas nas províncias e o poder político. Onde, por força da tradição, o direito positivo não encontra espaço, nós somos chamados a intervir em favor dos cidadãos e em respeito à Constituição.

Mangodinho, ouvido atento.

- Vocês, aqui, Soba Major, têm  colegas em todas embalas e aldeolas? - Questionou Mangodinho.

 - Local Authorities here only in big comunities and villages. In family village not (Aqui, autoridades tradicionais só nas grandes aldeias e vilas e não nas aldeolas familiares).

Essa frase fê-lo, de repente, voltar para Angola e pensar na realidade que bem conhece, enquanto membro do Fórum das Autoridades Tradicionais do Libolo.

- Haka! É assim, afinal? Estúpido é quem não kabula o que os outros fazem bem. Mal pouse as malas no chão irei propor ao MAT a fusão das aldeolas em "big comunities and villages" para diminuir os encargos do Estado com  salários de sobas, proporcionar mais atenção dos sobas ao povo e cooperação com as administrações locais. Long life my collegues from Damara! - Proclamou à 
saída do encontro.


Texto publicado no Jornal de Angola, Fev. 2018

quinta-feira, fevereiro 15, 2018

NO PORT'AMBOIM COM ADÃO ALBERTO

O sol de Novembro prestava-se mais a beijar o mar do que torrar os corpos expostos na areia luzidia da praia. Mesmo assim, eram muitos os que vinham da baía, cônscios, semi-cônscios ou apoiados em algum ombro amigo quando não fosse em um tronco.
 
- Essa juventude, a beber assim desse jeito, pensa que vai para algum  lugar? - Interrogou-se uma idosa, aparentemente de outra cidade, ao ver uma jovem, mais nua do que vestida, sendo carregada aos ombros por causa da surra etílica que apanhara em plena luz solar.
 
Foi nesse ambiente que chegamos ao Port’Amboim e fomos ter ao restaurante costeiro em que Adão Alberto é garçon.
 
Culto, humilde, delicado e dedicado no que faz ( fá-lo com entrega e prazer), o jovem recebeu-nos com um sorriso rasgado. É de comunicação fácil. Daqueles que vale apenas ter em seu estabelecimento comercial e ou hoteleiro, como foi o caso.
 
- Sejam bem-vindos. Temos xis, ipsilon, kapa. As bebidas são agá, vê, dê e a praia é lida e linda... – marketizou.
 
Quando interrogado se podia fazer uso do “meu produto”, Adão foi diligente perguntar à patroa se autorizava que eu bebesse o meu vinho.
 
- Só se não tivermos na casa, caso contrário, tu, Adão,  pagas uma garrafa. - Transmitiu, constrangido mas sempre bem disposto.
 
- Faço questão de atender bem os clientes porque nunca se sabe se um dia podem vir a ser meus patrões. – Explicou.
 
- Seja bom no que fazes para que um dia sejas investidor no sector. - Falei-lhe baixinho.

Já a despedir-nos, Beto Spina e eu, "pança feita", sorrisos rasgados e abraços trocados, o jovem pergunta se qual seria o nosso destino. Expliquei que éramos procedentes de Benguela (nova) aonde fora fazer uma palestra literária aos jovens de uma escola secundária. Ouvido isso, Adão Alberto que é um jovem natural de Quilenda, município kwanza-sulino criando em 1965,  encravado entre Quibala, Ebo, Amboim, Porto Amboim e Kissama, abrandou a nossa marcha e fez questão de pedir um livro.
 
- Vou ler e repassar a um meu amigo que gosta muito de literatura. - Informou depois de ganhar um autógrafo.
 
- O Port'Amboim já tem ensino superior. No ano que vem vou propor convidá-lo para fazer também uma palestra sobre "A importância da leitura no desenvolvimento académico".
 
Anui e partimos para Luanda onde tudo e todos nos aguardavam saudosos.

domingo, fevereiro 11, 2018

MANGODINHO EM TERRAS DÂMARA

Se para chegar a Luanda, saído do seu Kuteka interior, levou tempo, mais ainda levou para atravessar a fronteira sul do país. Numa saída relâmpago com seu tio Sabalo, havia chegado à Santa Clara, porém, ir mesmo ao outro lado, nada! 
Desde que se tornou administrador de Pedra Escrita, aldeia onde é mais respeitado pelas suas ideias, que dizem brilhantes, e seus feitos, do que pela estatura de meia-cuca, Mangodinho já viajou pelo Congo Democrático e até ao Putu. Mas, aqui na Namíbia ainda não. Foi a mulher que o "forçou" a ir com a doença dela das "miudezas" que era preciso retirar, juntamente com a nenê kasule de todos. E, numa altura em que se mostrava meio renitente, com um pouco de birra pelo caminho, a mulher, outra trungungueira de meter os makulu de boca aberta, comprou-lhe o bilhete de passagem e marcou-lhe viagem.
- Vou com os miúdos. Me encontra lá no dia xis.
Antes mesmo de viajar, a mulher ainda ligou para avisar:
- Alô, Mangodinho! Me anteciparam a operação (cirurgia), se não vieres no dia xis os miúdos vão ficar sozinhos.
Mangodinho pensar é pensar. Ele que não queria ir à Namíbia naquele ano. Teve de pedir urgentemente ao chefe que o deixou seguir sem mais quês nem porquês.
Parece já é hábito ou mania dele. Mesmo depois de conhecer Angola inteira, na companhia, sempre, do tio Sabalo, Mangodinho, para conhecer Kaxitu, que fica no sovaco de Luanda, foi custoso. Fincava o pé. A mulher a exigir que quer conhecer, ele mesmo com carro a por pé no travão das ideias e a dizer, ora o carro não está bom, ora a cabeça está ocupada com os assuntos da administração da aldeia. Mangodinho é assim. Quando a ronha lhe sobe à cabeça, ideia é só a dele que vale, mas, costumam dizer, Mangodinho é também boa pessoa. Coração dele é aberto. Na cabeça muitas ideias para a melhoria da vida do povo e mão dele também não fecha muito quando as pessoas têm preocupação.
Quando chegou em Luanda de lá, portanto na capital da Namíbia, Mangodinho, o primeiro susto foi a quentura. Levantou os olhos e, na frente só via colinas. Sem perguntar ainda às pessoas à volta, começou a triturar os seus botões.
- E a cidade está onde? Os prédios, arranha-céus, os palácios do governador e do Presidente, as câmaras municipais, as pomposas sedes dos tribunais, o wion-wion da polícia, os fiscais-kwata-zungueira, a zunga do cerca-avenida-desce-sobe-cidade, os batedores dos nguvulu-com poder-na-barriga, o isto e aquilo está onde?
- Epá, está assim tipo é no Sahara Ocidental? Possas, pessoa "caloria" e não fica molhada?
Continuou a viagem, já de carro, nos quarenta quilómetros que separam Hosea Kutako da cidade grande, não muito grande como Luanda de cá. Luanda deles não tem mar. Tem árvores só kafitofito e uns rastos onde passa a água quando chove. 
- Epá, tipo no sul do Lubango, na Humpata. Aqui se está a chover sai no caminho da água. Vão te chorar! - Dessa vez Mangodinho não se coibiu e falou mesmo alto no seu português. Aos que o ouviram, todos angolanos mas que dominam a veicular de lá meteram mão na boca para não rir. Mas Mangodinho só disse verdade dele.
Quando chegou então na cidade, começo a ver, tipo estava em Jobo, na "Soute". Cidade tipo é mata, mas mata bem cuidada. Casas, uma aqui e outra acolá, mas todas bonitinhas, ruas tipo é aeroporto ou pista de fórmula um. 
- Xê, aqui nem só mosca, nem mosquito não tem? Será falta de água ou mesmo falta de porquice? E luz vem d'onde, se rio não há. Água, mesmo de beber, fazem cacimba ou é furo? Dia de trabalho tipo cidade tem lá manifestação e o povo tem medo de andar? Assim esse povo vive como? 
Mangodinho de indagações em indagações, sem respostas ainda, algo a que se propõe pesquisar e responder nos próximos capítulos, recordou-se do convívio, curto, que manteve com alguns refugies do Sudoeste Africano, sob tutela da Swapo, em Kabuta, no seu Libolo.
- Andámos só a "lhes" mangar. Vivem mbora tipo são brancos da Europa e nós é que encravámos! 
Viva a inteligência e abaixo o braço-compridismo na coisa alheia!




Publicado no Jornal de Angola, 04.02.2018

quinta-feira, fevereiro 08, 2018

CONTEMPLANDO A BAIA AZUL

 Aos meus olhos visitantes o céu e o mar se tinham casado em uma só cor. Nem brumas nem nuvens. Só azul límpido e silencioso num campo límpido, asseado.
À entrada e no percurso da rua que rasga o monte pela diagonal vão florescendo novas e belas edificações para turismo e habitação permanente. Mas é a antiga instância turística que se parece abandonada que mais desperta a curiosidade, dada a sua arquitectura ímpar.
- Uma antiga pescaria?
- Um antigo hotel?
- Uma obra inacabada por causa da crise financeira dos últimos anos?
Um mar de interrogações, ali mesmo, à beira-mar que é preciso saciar.
Os que se "apoderaram" dos pisos térreos dizem que "foi o Centro Turístico e Hoteleiro de Baía Azul, antes pertença de um 'senhor de cor' (branco) e depois tutelado pela EMPROTEL (empresa provincial de hotelaria) de Benguela".
Hoje, contam, "é de um general que faleceu recentemente" e a sua reabilitação e reaproveitamento esperados ficam, por isso, condicionados a "segundas ordens", porque o dono passou para a outra dimensão da vida.
Nataniel, um dos homem a residir num dos compartimentos do imóvel, quando convidado para passear pela história e pelo local, não se coibiu. Contou o que sabe e mostrou as antigas serventias. Esboçou também uma tênue esperança.
"Queríamos que a família do malogrado general viesse retomar o que está aqui. O mais importante é meter esse hotel como era no tempo do branco ou mesmo no tempo da EMPROTEL. Aqui enchia e as pessoas tinham trabalho". - Enfatizou.
Nataniel conta que o seu pai trabalhou ali como servente e ele correu várias vezes pelas escadas que levavam os banhistas à praia. Mostrou os antigos balneários. "Aqui é onde as pessoas tiravam o calor das caminhadas, antes de se jogarem ao mar, e onde retiravam a água salgada para voltar às mesas ou aos quartos", explicou. Hoje está tudo abandonado.
Há outros pontos turísticos na baía Azul, esplendorosos em qualidade e grandeza. Mas para a história, atesta Nataniel, "é mesmo esse que venderam ao finado general Matos".


Texto publicado no jornal Nova Gazeta, 2018.

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

NAS MARGENS DO KAMBONGO

A viagem, de automóvel, para Benguela, perto de 550 quilômetros, iniciou à hora do noticiário. As atenções daqueles dias estava virada aos Despachos presidenciais e às questões sociais que tinham regressado, sem censura, à media pública. Depois de transpostos os primeiros obstáculos mais ligados aos congestionamentos, era preciso fazer gosto ao pedal e redobrar a atenção necessária às condições da rodovia, prudência ou imprudência dos demais utentes da via e obviamente, ler as informações do painel de informações do veículo. Ás dezassete e trinta, estávamos no posto de abastecimento de combustíveis, à entrada do rio Kambongo, Sumbe. Carro abastecido e bexiga aliviada.

Quando nos preparávamos para deixar o recinto, eis que o
o jovem da loja de conveniência que atendera o meu companheiro de viagem, algo envergonhado, chama pelo Beto Spina, meu fiel compadre e confidencia-lhe algo que me é dado a saber momentos depois.
- Kota, desculpa, aquele mano é o escritor?
Palavra mais palavras, o Beto confirmou e abraçaram-se sorridentes.
- Epá, compadre, aquele puto disse que é teu admirador. Quero saber se tens um livro para ele.
Revistadas as portas, saiu um "Canções ao vento", poemário de 2015 que levei ao jovem natural de Quilenda.
- Kota, sou seu admirador. Acompanho os seus textos no Nova Gazeta, no jornal de Angola e no jornal Cultura. O kota é mesmo daonde? - Indagou Pedro Constantino a quem retribui a consideração com um "estrondoso" abraço.
- Sou do Libolo!
E foram necessárias mais cinco horas para vencer outros duzentos e poucos quilômetros de uma estrada que promete ser larga, cômoda e segura quando terminarem as obras que nos remetem mais à picada alternativa do que ao asfalto ainda resistente.

Publicado pelo jornal Nova gazeta de 19.04.2018