- Então é isso que faz o cimo das montanhas ter sempre vegetação verde, mesmo em tempo seco?
- Sim. Já sabes que quer chova quer não, lá, no topo, há sempre humidade que se farta para manter vivas e verdinhas aquelas árvores que estendem as suas raízes em pequenas camadas de terra sobre pedras.
- Há bichos e pessoas por lá?
- Pessoas a morar não. Apenas canta-pedras e outros bichos de pouco valor.
- E canta-pedra é o quê?
- São pequenos animais mamíferos, não muito pequenos. Assim do tamanho de... de um coelho gordinho. Têm pêlos, pele mais resistente do que a do coelho, três dedos apenas, roedores, frutívoros e insectívoros. Vivem entre pedras e cantam ao alvorecer.
- Ah! Então são bichos que cantam entre pedras, não é?
- Pois, sim. Emitem sons ímpares à madrugada.
- E a montanha chama-se Kanzangiri porquê?
- Os locais de referência têm sempre nomes. Os montes, as montanhas, os rios, as coutadas, os cruzamentos de caminhos, etc. são referências que ajudam a situar as pessoas. Imagina que sais de Kalulu à Munenga pela primeira vez. Tenho de te dizer, para te situares ao chegar, que a lavra do Soba Kavindi Tungunu fico em Kanzangiri, montanha paleolítica que se acha à direita do teu caminho. Posto lá, em Kanzangiri, é só perguntar que as pessoas mostram a lavra do regedor.
- Ah, agora percebo, tio. E esses nomes são novos ou antigos?
- São antigos. Muito antigos. Há estórias já perdidas sobre a nomenclatura. Tentei, certa vez, perguntar sobre a origem de alguns topónimos e fiquei sem explicação.
- Mas como, sem explicação, tio, se as pessoas ainda vivem aqui?
- Sim. Vivem. Mas há uma grande dificuldade em descortinar a origem de todos os nomes. Os mais velhos não registavam por escrito os acontecimentos. Depois, houve um tempo em que os jovens deixaram de especular sobre o que lhes aparece à volta. Quem devia perguntar não o fez. Quem devia explicar também não. As pessoas estavam preocupadas em salvaguardar a vida do que a herança histórico-cultural.
- Foi no tempo da guerra não é?
- Sim. E muita nossa história ficou prejudicada. Para a recomposição histórica vamos precisar de muitos mais recursos e técnicas como o recurso à Arqueologia, Antropologia, Literatura Oral, que está a ficar escassa, etc.
- É por isso que, onde o tio pára, fica sempre a perguntar e a tomar notas?
- Sim, sobrinho. Temos de fazer a nossa parte, por mais ínfima que seja, para permitir que os verdadeiros investigadores encontrem alguma pista. Temos de fazer o mínimo possível...
- Obrigado tio.
E seguiram viagem...
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta, 03/08/2017
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta, 03/08/2017
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