Caminhávamos
em fila indiana pela estrada asfaltada e sob sol ardente. Os homens mais velhos
à frente, as crianças descalças pelo meio e as protectoras mamãs à
recta-guarda. Antes da fuga, havíamos passado noites a dormitar na mata, embora
os dia fossem passados nas lavras. A preocupação pelo que de bom ou ruim nos
pudesse acontecer era obra dos adultos. Brincávamos e íamos à escola sempre que
o professor, meu primo Jorge Kakonda, entendesse.
Entre
os adultos ninguém tinha sido militar, nem sequer conheciam as artimanhas dos Kahuha (assim apelidados os kwaca pelos
namibianos da Swapo).
Pensava-se
que os homens podiam chegar à madrugada, cercar as casas e levar todos ou quem
quisessem. Por isso, as noites, sob frio intenso e chuva, eram na mata com a
atenção virada aos sons que podiam vir de cães a ladrar ou galinhas a reclamar
liberdade.
Lembro-me
da aflição que vivia a minha mãe. A Emília devia ter dois anos e às vezes
chorava, como o fazem as demais crianças. Dormir na mata, apenas um pano
estendido no solo húmido ou rígido, não tem a comodidade de uma esteira. E
diziam à minha mãe:
- O mon'u mubane lyele. Otujibisa! (Põe
essa criança a mamar, vai fazer matar-nos!)
Vontade
de defender minha mãe, eu filho primeiro, havia. Mas como exercer autoridade?
Tal pressão psicológica sofriam também que estivessem engripados ou acometidos
de tosse. Tossir? É se os kwaca estiverem por perto e ouvirem?
-
Eles vêem melhor de noite e madrugada do que quando há sol. Com UNITA, você não
torra farinha quando esteja escuro. - Diziam para nos pôr no lugar.
O
Limbe, minha aldeia, era formado por duas comunidades: uma constituída por
originários de Mbangu de Kuteka, cujo patrono era Xika Yangu, e outra
comunidade da família Trinta. Ficavam distanciadas uma da outra por um
intervalo inferior a meio quilómetro.
O
dia da fuga, a primeira, foi combinado entre os makota das duas comunidades. Já
se tinha "assistido ao accionamento de minas por parte de tractores e
viaturas e subiam os rumores de que os kwaca estavam por perto. Já se tinham
verificado rastos e algumas lavras aliviadas.
Partimos.
Já não me lembro se bem no princípio da manhã ou no fim dela. Porém, aquele sol
ardente sobre nossos corpos pioneiris e o alcatrão derretido a travar nossa
marcha não me saem da memória.
Os
da casa de Xika Yangu e os Trinta, todos estrada a baixo, em direcção às
proximidades da sede comunal da Munenga. Era lá que estava a tropas das FAPLA e
da Swapo.
Foi
durante essa marcha, em 1983, que ouvi o Velho Trinta (já retratado em livro de
ficção) a falar do seu "relógio que na verdade era o seu coração que
teimava em funcionar.
-
Por que não estragas de vez, ó relógio? - Apelava ele, cansado daquela vida de
fugas permanentes e dias passadas nas matas, dado o peso da idade que
carregava, já acima do dobro do seu nome.
Os
Trinta ficaram em Katoto. Na verdade era Sangisa, pois a aldeia original de
Katoto ficava mais no interior, próximo do rio Ryaha. Lá fomos parar na fuga
posterior que nos levou à Munenga em Fevereiro de 1984.
Os
da casa de Xika Yangu avançaram até Fuke, junto ao Ngana Mbundu, na margem do
rio Mukonga. Ernesto Kapitia, irmão de Xika Yangu e primo de meu pai já finado
naquela altura, era motorista do alemão (Walter Kruk ou Ngana Mbundu). Ali
ficamos uma semana.
Sem comentários:
Enviar um comentário