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segunda-feira, abril 18, 2016

A REVOLUÇAO COM PEIXE E FUBA

Minha mãe, quando chegamos a Luanda, 1984, "recuados" da guerra do Libolo, vendia, à porta de casa, na rua da Ambaca, no espaço conhecido como Pracinha do Kalisange (reencontro), fuba que servia para a janta com o peixe vendido na praça das Corridas e ou no Tunga Ngó (a primeira é no Rangel junto ao Supermercado Nzala Ikola de António Silvstre. A segunda era em território do Cazenga pois ficava entre a linha férrea e o quintal das oficinas gerais do CFL, a espreitar a Escola 5. Essa era informal, sem bancadas e com muitos "gregos") pelas colegas da Velha Guilhermina.
 
Maria Canhanga, minha mãe, a caminho dos quarenta anos ainda, manhã cedo, ia com as colegas de pobreza a uns armazéns onde se vendia (desviava) milho e masa-a-mbala. Eu, filho mais velho, levava-o à moagem de onde vinha a confundir-me com a própria fuba que ela vendia.
Vezes tantas eu "aviava" também a fuba quando ela fosse comprar outro milho e não fosse dia ou hora de escola. E quando os odepês e bepevês faziam suas rusgas para levar o nosso ganha funje, a astúcia de levantar a bacia e correr para o quintal estava-me nas pernas. Era como o sardão que não anda às voltas.

Aos sábados, dia de honga, caminhávamos a pé. Rangel, Karyangu, Palanca, Sanatório, Kapolo, e chegávamos ao campo agrícola, também campo militar.
Poucos rapazes de hoje saberão o que é honga. A primeira lavra da minha mãe ficava nas imediações do Kapolo e cultivava-se mandioca, batata-doce, abóboras (cujas folhas se adiantavam ao estômago), jinguba, kingombo (quiambos), makunde (feijão frade), feijão, jimboa, etc. Parte da fuba de mandioca ia ao estômago. A outra era wenji (negócio).

Já ajudei a apanhar katatu (lagartas) em folhas de ditumbate. Também já escalei peixe e cuidei dele para que secasse e fosse enviado ao Libolo para troca com macroeira
Vivam as peixeiras, fubeiras e etc., grandes lutadoras contra a fome e a mendicidade naqueles tempos de aperto e muitas bichas nas lojas do povo onde só se comprava o que havia e não o que se pretendia.

Era ainda minha missão ir  à loja do povo (os supermercados daquele tempo) ir à padaria, ao talho, loja do gás  e peixaria onde as filas eram enormes, os empurrões e kisendes que não escolhiam nem poupavam idosos, grávidas e crianças, confundindo-se homens e pedras que representavam homens. Depois das compras, transportadas à cabeça ou carro-de-mão quando vizinho houvesse para emprestar, o tio mandava dar uma porção lá para casa.

Peixe sardinha frito no pão e um chafé? Bem-vindo ao estômago que não escolhia!
Essa crónica foi inspirada em outra de Osvaldo Gonçalves, filho da peixeira Guilhermina.
Com peixe e fuba se fez a Revolução!

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